Revista Brasileira de Meio Ambiente (v.8, n.1 – 2020)
das demais espécies do planeta. Mas sob um olhar antropológico, a era atual pode estar associada também ao
processo de domesticação de plantas e animais, a partir da evolução da agricultura e da pecuária. Em ambos
os casos falta adicionar uma perspectiva ecológica profunda (Naess, 1989). O surgimento de uma era não pode
ser avaliado sem compreender a teia da vida, tecida por complexas interações que envolvem não só matéria e
energia, mas também informação (Capra, 1996). E aqui cabe uma questão que ainda não está clara: em que
momento o homem deixou de ser parte da complexa teia que compõe a Natureza e passou a ter controle sobre
ela?
Se considerarmos que uma ave ao comer um fruto e transportar as suas sementes por quilômetros é um
agente natural de dispersão, com um papel ecológico fundamental na distribuição geográfica de determinadas
plantas, por que uma espécie transportada de um continente ao outro pelo homem, em águas de lastro de navios
ou para ornamentar um jardim, devem ser consideradas espécies invasoras? O homem, apesar da sua ciência e
sabedoria, não é apenas um agente dispersor? A consciência realmente nos diferencia como espécie e nos
autoriza a tentar controlar a vida?
As respostas a essas perguntas precisam de uma reflexão sobre a escala temporal utilizada na
interpretação dos fatos. O tempo das espécies é diferente do tempo dos indivíduos. As espécies surgem se
diferenciam, se adaptam e são extintas em escala de tempo geológico. Os indivíduos nascem, crescem, se
reproduzem e morrem em escala de gerações. O homem avalia os fatos na escala das gerações. Mesmo que a
ciência conte com disciplinas e métodos que permitem estudar fósseis, testemunhos e marcas históricas em
escala geológica, a ciência atual só possui dados abundantes para uma análise complexa em escala de gerações.
Nossa percepção científica dos fenômenos complexos observados e mensurados até hoje, está em escala de
gerações. Por isso nos utilizamos dos agrotóxicos, dos combustíveis fósseis, das vacinas e dos antibióticos,
acreditando que com eles conseguimos controlar pragas, produzir e nos movimentar infinitamente e nos
proteger das doenças microbiológicas. Mas a crença nesse controle está limitada à escala de gerações. As
implicações dessas escolhas em escala de tempo geológico estão longe da nossa capacidade de previsão, estão
fora do nosso controle.
Para controlar a Natureza, considerando-se externo a ela, o homem começou a combatê-la. A primeira
interpretação filosófica da teoria da evolução das espécies criou um estereótipo evolucionista de competição,
de uma seleção natural onde os mais fortes ou mais adaptados prevalecem, transmitindo seus genes adiante e
evoluindo sua espécie. Poucos atentaram para a complexa rede de cooperação que permite a esses mais
adaptados coevoluírem com os demais. E essa é a base da nossa economia e dos valores sociais que carregamos.
Esse modelo, baseado na ideia de controle através da eliminação daquilo que nos prejudica e da valorização
excessiva dos supérfluos que nos anestesiam existencialmente, em escala de gerações, ignora e até mesmo
nega o que estamos fazendo, conscientemente, com a vida na Terra.
Hoje estamos vivendo as consequências das nossas escolhas como controladores. O trabalho de Bar-On,
et. al. (2018) revelou estatísticas que demonstram como estamos desfazendo a teia da vida, transformando-a
em uma “monocultura” humana. Os mamíferos correspondem a aproximadamente 0,36% da biomassa
Terrestre. De todos os mamíferos existentes no planeta, 96% são humanos e animais domesticados. Gado
bovino e porcos correspondem a 60%, 36% são humanos e restam apenas 4% dos mamíferos selvagens. Os
bandos de aves em revoada que costumamos assistir nos belos documentários sobre natureza são quadros raros
pintados por cinegrafistas perseverantes. Apenas 30% das aves no planeta são selvagens, enquanto 70% são
galináceos e outras aves para consumo humano. A destruição dos habitats naturais para expansão agrícola,
industrial e urbana resultaram no início do que os cientistas chamam de sexta extinção em massa da vida na
terra em quatro bilhões de anos do planeta. Acredita-se que cerca de metade dos animais da terra tenha sido
perdida nos últimos 50 anos. Desde o início do controle humano da Natureza, 83% dos mamíferos terrestres
desapareceram, junto com eles foram 80% dos mamíferos aquáticos, 50% das plantas e 15% dos peixes.
Vianna
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