Roberto Passos Nogueira
A contraposição entre physis e téchne é abordada detalhadamente no
ensaio Sobre a essência e conceito de physis em Aristóteles, Física, B, 1
que faz parte da coletânea Marcos do caminho, publicada pela primeira vez
em 1967. Não pretendo aqui rever cada passo da análise heideggeriana do
pensamento de Aristóteles. Limito-me a destacar os pontos que têm relevância
especial para a discussão atual, tendo em conta tanto a relação entre saúde e
physis, quanto a relação entre téchne e medicina.
É bem sabido que os filósofos gregos sempre consideraram ser a
medicina uma forma paradigmática de téchne; isto abre a discussão se a
medicina é capaz de produzir a saúde como se fora um artefato. É esta temática
que nos conduz a indicar que em Heidegger há uma simpatia pelo conceito de
saúde como poder ou princípio da physis, que ele retira de Aristóteles.
Heidegger esclarece inicialmente que téchne não deve ser tomada como
sinônimo de técnica, no sentido de metodologia e atos de produção, ou ainda,
como sinônimo de arte, entendida como habilidade pessoal de produzir alguma
coisa. Trata-se, antes, de uma forma de conhecimento, um saber-fazer em
familiaridade com tudo o que fundamenta cada ato de produção, na busca de
seu fim próprio (télos), que é chegar à forma (eidos) antevista do produto.
Pode-se perguntar, então, de que maneira a physis difere da téchne, já
que ambas trazem os entes à presença e assim os mantém? A diferença está
na forma como cada uma, physis e téchne, se relaciona com sua arché. Esta
palavra costuma ser traduzida, de uma maneira muito abstrata, por “princípio”.
Heidegger adverte, contudo, que arché é não só a origem primordial do ente,
mas também aquilo que o ordena e o mantém. Por isso, sublinha que arché
abarca não só a noção de origem, o princípio de algo, como, igualmente, a
noção de comando ou controle. Aqui há uma junção entre o originar e o ordenar.
Nas palavras de Heidegger, a arché pode ser vista alternativamente como
“uma ordenação originadora e uma ordenadora origem”.
Deixando de lado toda a ampla análise desenvolvida por Heidegger
em relação à questão do movimento (em sentido aristotélico, como phora),
a diferença mencionada resume-se ao seguinte: os entes que são physis
têm a arché em si próprios, enquanto os entes que provêm da téchne, ou
seja, os artefatos, têm sua arché numa relação de externalidade. A arché
dos artefatos encontra-se em quem os produz, de acordo com o télos (visão
antecipada) que o artesão teve em vista. O vir à presença, próprio dos
artefatos, não está vinculado a uma arché que lhe seja inerente, que lhes
434 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(3):429-450, 2007