No campo da saúde, a aliança com a Igreja católica permitiu aos
movimentos populares a reivindicação de melhoras nos serviços públicos e a
participação no controle das políticas, como se deu com o Movimento Popular de Saúde
(MOPS) de São Paulo que chegou a aglutinar centenas de experiências de outros
estados, o que permitia que prestasse assessoria técnica às demandas e iniciativas
populares, bem como a instrumentalização de trocas de conhecimento entre os diversos
atores e segmentos sociais envolvidos no processo. 84
Desta forma, enquanto os movimentos sociais buscavam influenciar os
rumos do setor saúde no Brasil, em vários países do ocidente, estudiosos e intelectuais,
começavam a questionar a abordagem biológica das doenças, opondo-se à visão
segmentar e especializada do ser humano (CASTIEL, 2004). Dentre estes, o
antropólogo François Laplantine (1973) faz severa crítica à tendência hegemônica da
medicina ocidental, defendendo a diversidade de modelos etiológico–terapêuticos. Ele
postula que há nas diferentes culturas, formas diferenciadas de compreender e tratar a
saúde e a doença. Afirma que, na verdade, no ocidente co-existem duas “medicinas
paralelas”: a primeira, baseada no empirismo e no paradigma mecanicista, que, vendo o
corpo como uma máquina, tem por objetivo consertar as peças danificadas, por meio
dos tratamentos cirúrgicos ou medicamentosos e uma outra que, fundamentada no
vitalismo, considera a percepção do homem como um todo indivisível, com uma
subjetividade que permite relacionar aspectos culturais às concepções da doença e da
cura (LAPLANTINE, 1992). Concepções inovadoras como essa tiveram importante
papel para o avanço nas políticas de saúde no âmbito internacional85.
E, enquanto novas propostas de atenção à saúde eram elaboradas em
diversos pontos do ocidente, a sociedade brasileira, ainda fragilizada pelos efeitos do
regime militar continuava convivendo com o sistema oficial de saúde autoritário,
84 A experiência do MOPS é ilustrativa para a compreensão da forma como surgiria, dez anos depois,
também num contexto de luta social na periferia de Fortaleza, a terapia comunitária, que traz em sua
metodologia, muitas semelhanças com o círculo de cultura84 e as idéias de Freire (1977,1984,1992,1986).
85 As idéias inovadoras contribuíram para a realização de eventos como o movimento realizado no
Canadá, em maio de 1974, do qual resultou o Informe Lalonde, um documento que veio definir para o
ocidente, novos determinantes da saúde, e introduzir o conceito de “qualidade de vida” nas políticas do
setor. Outro evento marcante para a implementação desses conceitos, a I Conferência Internacional sobre
os Cuidados Primários de Saúde, promovida em 1978 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em
Alma-ata,85 muito influenciou na continuidade das propostas e para a realização da I Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde, no Canadá, em 1986. Dessa conferência resultou a “Carta de
Ottawa”, que além de priorizar a noção de qualidade de vida, passa a exigir que o Estado estimule o
envolvimento das comunidades nas políticas de saúde.
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