Amamentação...
agrupáveis, como partícipes de uma mesma trama,
delineando uma rede que passa da psicoprofilaxia
gestação-parto-puerpério à estrutura molecular das
imunoglobulinas do leite humano, à ecologia microbiana,
ao crescimento e desenvolvimento, aos Bancos de Leite,
ao apego, ao vírus da AIDS, à política estatal, aos direitos
da mulher, à propaganda de leite não-humano, aos mitos
e a vários outros aspectos, que normalmente são reunidos
em torno das vantagens que a amamentação oportuniza
para criança, mulher, família e estado.
Os aspectos relacionados à criança constituem-
se, sem sombra de dúvidas, nos mais difundidos, por terem
sido amplamente utilizados nas campanhas oficiais de
promoção da amamentação7,8. As vantagens da
amamentação, focadas sob este prisma, podem ser
facilmente resumidas no fato do leite humano conter todos
os nutrientes em qualidade e quantidade necessárias a
propiciar um desenvolvimento adequado para o lactente.
Ou seja, por não ter mais nem menos, mas sim, a exata
quantidade que a criança necessita. Esta acertiva permite
desvincular a promoção da amamentação da idéia de
programa de nutrição alternativa para população de baixa
renda, onde a prevenção de doenças carenciais se faz
mais importante, a exemplo do que ocorre com a
desnutrição proteico-energética. Prover os lactentes com
nutrientes adequados, quali-quantitativamente, significa
também prevenir os males decorrentes da super-
alimentação, tão comuns nas comunidades ricas e que se
refletem como sérios agravos na adultice, como a
obesidade e as intercorrências cardiovasculares. Assim,
o aleitamento materno pode ser visto como uma ação
capaz de minimizar, no futuro, os efeitos nocivos sobre a
saúde do lactente1. Neste mesmo grupo, inclui-se uma
outra questão que merece destaque, a que diz respeito
aos estudos que evidenciam a relação entre a
amamentação e o desenvolvimento do Q.I., denotando
maiores índices para crianças amamentadas11.
Para a mulher, a amamentação traz vantagens
por favorecer a recuperação pós-parto, contribuindo para
a involução uterina e diminuição do sangramento16. Vários
autores, a exemplo de KING9, reconhecem o efeito
contraceptivo do aleitamento, quando praticado em regime
de livre demanda e destacam-no como importante fator
para aumentar o espaçamento entre gestações. Apesar
de não se constituir em um meio de prevenção do câncer,
estudos têm demonstrado uma menor incidência entre
mulheres que amamentaram6.
Alguns trabalhos vêm destacando o papel do
aleitamento materno como elemento agregador, capaz de
favorecer a nucleação da família. Ao buscar uma
correlação entre aleitamento e violência, estudos, como
o de MONSON et al.13 têm demonstrado a ocorrência
de menores índices de violência em núcleos familiares
onde a prática da amamentação é francamente instituída.
Rev.latino-am.enfermagem - v. 6 - n. 3 - p. 71-76 - julho 1998 72
Outra importante vantagem para a família, principalmente
nos dias de hoje, diz respeito aos aspectos econômicos.
A substituição do seio materno pela alternativa de menor
custo, na cidade do Rio de Janeiro, demanda o dispêndio
médio de US$ 43,00 / mês ao longo do primeiro ano de
vida do bebê. Este valor representa apenas o custo direto,
necessário à compra do alimento alternativo. Em
contraponto, a criança que mama no peito necessita
apenas de 5 % do salário mínimo para suprir todas as
suas necessidades vitais3.
Em relação ao estado, pode-se centrar o foco
em dois grandes aspectos: saúde e economia. A adoção
de políticas de promoção e apoio a amamentação se
configura em uma estratégia supletiva de saúde pública,
cuja eficácia foi comprovada em diferentes sociedades,
com diferentes graus de complexidade e desenvolvimento.
Os resultados positivos emergem do singular, centrando-
se inicialmente na figura da criança e da mulher, em
decorrência da melhora individual do estado de saúde. O
primeiro impacto sobre a coletividade resulta da
somatória dos ganhos individuais que, ao interagirem
cinergisticamente em um segundo momento, resultam em
benefícios plurais para a sociedade12. Assim, quando se
pensa em aleitamento pela semiótica de oportunizar uma
nutrição adequada para a criança, obrigatoriamente tem-
se que pensar não apenas na construção de uma geração
mais saudável, mas também em uma geração com maior
potencial intelectual e, conseqüentemente, há de se
esperar que este movimento resulte em um estado-nação
mais digno no futuro.
No que tange à economia, atualmente, estima-se
que o Brasil não realiza algo em torno de trezentos milhões
de litros de leite humano por ano, em decorrência do
desmame precoce. Para efeitos comparativos,
considerando os preços praticados na cidade do Rio de
Janeiro em março de 1994, a reposição deste volume com
leite tipo C demandaria algo em torno de US$ 208.000.000.
Caso a opção fosse pelo leite em pó de menor custo,
disponível no mercado à mesma época, este valor subiria
para US$ 300.000.0003. Este fato torna-se ainda mais
grave, ao se considerar que o País não dispõem de uma
bacia leiteira com capacidade de suportar
quantitativamente esta demanda e nem de um parque
industrial, capaz de atender qualitativamente as
especificidades que se configuram em decorrência de
práticas inapropriadas de desmame12. Assim, abre-se um
importante espaço para as importações e,
conseqüentemente, para a perda de divisas.
Apesar de todas estas vantagens, demonstradas
com contundência pela comunidade científica, a prática
da amamentação natural tende a um franco declínio12.
Como explicar este paradoxo? Por que a sociedade tende
a abandonar uma prática que traz múltiplos benefícios e
se mostra inigualável na alimentação de lactentes.