A CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL NO BRASIL
1
FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
IVY DE SOUZA ABREU
A CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
AMBIENTAL NO BRASIL
VITÓRIA
2013
2
IVY DE SOUZA ABREU
A CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
AMBIENTAL NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Direitos
e Garantias Fundamentais da Faculdade
de Direito de Vitória como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
Orientador: Dr. Daury César Fabriz
VITÓRIA
2013
3
IVY DE SOUZA ABREU
A CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
AMBIENTAL NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direitos
e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
Orientador: Dr. Daury César Fabriz
Aprovada em 13 de dezembro de 2013.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________
Profº Dr. Daury Cesar Fabriz
Faculdade de Direito de Vitória
Orientador
_________________________________
Profº Dr. Adriano Sant’Anna Pedra
Faculdade de Direito de Vitória
_________________________________
Profº Drº. Ney de Barros Bello Filho
Universidade Federal do Maranhão
4
Dedico todos os anos de estudo e este
trabalho aos meus pais, Elci de Sales
Abreu e Edi Loureiro de Souza, com amor
infinito e eterna gratidão.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus por conceder-me o dom da vida, por presentear-me com os melhores pais
do mundo e por abençoar-me com a realização do grande sonho de ser Mestre.
Aos meus amados pais pelo exemplo de honestidade, respeito ao próximo e fé, por
sempre acreditarem em mim e apoiarem os meus sonhos.
Aos meus orientadores Daury Cesar Fabriz e Elda Coelho de Azevedo Bussinguer
pelo exemplo de docentes, pelas oportunidades, pela confiança no meu trabalho e
pelo grande aprendizado nos grupos de pesquisa.
Aos colegas de Mestrado e Doutorado Bruno Borges Gomes da Fonseca, Elisa
Helena Lesqueves Galante, Henrique da Cunha Tavares, Júlio Pinheiro Faro e Luisa
Cortat Simonetti Gonçalves, pela cumplicidade acadêmica, pelo apoio nos
momentos de crise intelectual e pessoal, pelas críticas construtivas e pela amizade.
A todos os professores que por minha vida passaram e de algum modo refletiram na
docente, na discente e na pesquisadora que sou hoje.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) pelo suporte
financeiro para concretização desta pesquisa.
A Faculdade de Direito de Vitória (FDV), a todos os seus docentes e funcionários,
pelo de ensino de qualidade que permitiu-me conquistar o título de Mestre em
Direito.
6
“Elevo os meus olhos para os montes: de
onde me virá o socorro? O meu socorro
vem do Senhor, que fez o céu e a terra”.
Salmos 121:1-2
“Ser egoísta é humano e natural. Mas se
preferirmos ser egoístas no caminho
correto, então a vida pode ser rica e ainda
assim consistente com um mundo
adequado para os nossos netos, bem
como para os netos de nossos parceiros
em Gaia”.
James E. Lovelock
7
RESUMO
O presente trabalho se propõe a analisar a construção do sentimento constitucional
ambiental no Brasil. Para isso, serão postos em discussão a crise ambiental
contemporânea na sociedade de risco, os paradigmas ambientais e sua crise, o
sentimento constitucional como categoria jurídica e sua força normativa. Ainda, será
realizado um panorama breve da temática ambiental na história do
constitucionalismo brasileiro, discutindo-se a temática ambiental na Constituição
Federal de 1988, com o direito-dever fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e o paradigma do holismo ambiental, pautado na ecologia profunda. A
opção metodológica utilizada foi a dialética materialista marxista e o marco teórico
foi a teoria do sentimento constitucional de Pablo Lucas Verdú. A mudança de
postura dos seres humanos frente aos problemas ambientais é imprescindível à
construção do sentimento constitucional ambiental.
Palavras-chave: Sentimento constitucional. Meio ambiente. Holismo ambiental.
8
ABSTRACT
This study aims to analyze the construction of constitutional environmental sense in
Brazil. For this, be brought into discussion the contemporarary environmental crisis in
the risk society, the environmental paradigms and its crisis, the constitutional sense
as a legal category an its normative force. Still, a brief overview of environmental
issues will be held in the history of brazilian constitutionalism, discussing
environmental issues in the Constitution of 1988, with the fundamental righ-duty to an
ecologically balanced environment and the paradigm of environmental holism, based
on deep ecology. The methodological option was dialectical materialism of Marx,
theoretical framework was the theory of the constitutional sense of Pablo Lucas
Verdú. The change in posture of humans against environmental problems is
essential to the construction of environmental constitutional sense.
Key-words: Constitutional sense. Environment. Environmental holism.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA E O SENTIMENTO
CONSTITUCIONAL
15
1.1 A CRISE AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO
16
1.2 A CRISE DOS PARADIGMAS AMBIENTAIS
27
1.3 O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL COMO CATEGORIA JURÍDICA
35
2 A TEMÁTICA AMBIENTAL NA HISTÓRIA DO CONSTITUCIONALISMO
BRASILEIRO: UMA BREVE ANÁLISE
50
3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
AMBIENTAL: UMA NOVA CONCEPÇÃO DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
64
3.1 O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
65
3.2 A OUTRA FACE DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
87
3.3 O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL E A FORÇA NORMATIVA
DA CONSTITUIÇÃO
95
3.4 HOLISMO AMBIENTAL E ECOLOGIA PROFUNDA
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
118
REFERÊNCIAS
121
10
INTRODUÇÃO
A preocupação com a ausência de pesquisas científicas com a temática sentimento
constitucional ambiental foi a principal precursora do presente trabalho. A
inquietação com o tema surgiu, principalmente, com duas discussões acadêmicas
travadas no Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias
Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV): a primeira acerca da
construção do sentimento constitucional em realidades periféricas nas disciplinas do
curso de Mestrado e a segunda acerca do dever fundamental de preservação do
meio ambiente no Grupo de Pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos
Fundamentais”.
Embora a Constituição da República Federativa do Brasil traga expressamente que
a defesa e preservação do ambiente é dever do Poder Público e da coletividade (art.
225, caput), a construção do sentimento constitucional ambiental, no contexto de
uma sociedade de risco em crise ambiental, como a brasileira, está longe de
realizar-se apenas com a previsão constitucional.
A conservação do meio ambiente, bem sobremaneira valioso, é indispensável para a
manutenção do equilíbrio no planeta e, portanto, é uma questão vital para a espécie
humana. O ser humano, como ser biótico que é, integra o meio e depende da
natureza e da salubridade de seus recursos tanto quanto os demais seres vivos.
Contudo, o ser humano é o protagonista na criação de riscos ambientais e na
deflagração da crise.
O Brasil, como país notadamente rico em recursos naturais e com uma natureza
exuberante, tem papel primordial na preservação ambiental e na minimização dos
riscos e da crise ambiental vivenciada. Para tanto, o engajamento da sociedade
brasileira nas questões ambientais com participação real e efetiva da população em
prol da defesa do ambiental é fundamental.
11
A tutela do meio ambiente no Brasil adquiriu status constitucional apenas em 1988
com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. A Lei Maior
trouxe um capítulo específico acerca do tema: dentro do Título VIII – Da Ordem
Social, o Capítulo VI – Do Meio Ambiente, artigo 225.
A vida, em todas as suas formas e não apenas a humana, passou a ser
considerada, pelo ordenamento jurídico brasileiro, o valor mais expressivo do
ecossistema planetário, reconhecendo-se a importância de todos os seres vivos por
si mesmos (e não pelos benefícios que proporcionam à espécie humana) e para a
manutenção do equilíbrio do ambiente. A vida e todos os fatores que proporcionam
sua manutenção e qualidade, tais como água, ar, solo, interações biológicas, físicas
e químicas, e suas inter-relações, tornaram-se objetos de proteção.
Para efetivação da tutela do meio ambiente é mister a construção do sentimento
constitucional em relação à matéria ambiental. O sentir jurídico-constitucional
ambiental coaduna com a participação real da sociedade brasileira em prol da
natureza, com o cumprimento das normas protetivas do ambiente, com o
reconhecimento da necessidade de tamanha proteção e com a formação da
consciência ambiental.
Desde a antiguidade clássica os filósofos debruçaram-se sobre a análise dos
sentimentos e emoções. A partir dessas primeiras considerações, diferentes áreas
do conhecimento apropriaram-se dos sentimentos como objeto de estudos. O tema
“sentimento” é eminentemente psicológico. A psicologia e a psiquiatria exploram os
sentimentos como reações complexas entre corpo e mente. A subjetividade das
sensações denota a interação entre a psique e a resposta física do indivíduo.
Charles Darwin discutiu as expressões emocionais dos animais em comparativo com
as manifestações humanas. Biólogos, médicos e neurocientistas estudaram o
funcionamento do sistema nervoso e dos sentidos humanos relacionando as
respostas do corpo aos diferentes estímulos, inclusive físicos e psicológicos.
E, na seara jurídica, Pablo Lucas Verdú destacou-se como estudioso do sentimento
constitucional, apropriando-se de definições psicológicas e aplicando-as ao
12
constitucionalismo. Ter, estar e sentir-se em Constituição são expressões utilizadas
pelo autor para designar a relação entre a positivação do texto constitucional e sua
percepção pelos cidadãos no mundo da vida.
O sentimento constitucional consagra a afeição dos cidadãos pelos valores e
princípios eleitos como indispensáveis pela sociedade para a realização da justiça e,
por isso, expressos na Constituição Federal, como a proteção do ambiente, daí
exsurge o sentimento constitucional ambiental. Dentro do atual momento de crise
ambiental e sociedade de risco a construção do sentimento constitucional ambiental
é árdua tarefa.
A sociedade de risco é gerada pela própria dinâmica social contemporânea com os
avanços tecnológicos e industriais, o excesso de consumo e, consequentemente, de
produção de lixo e resíduos, o uso irracional dos recursos naturais, o sistema
econômico se sobrepondo ao sistema de proteção do ambiente que geram, por sua
vez, a degradação da natureza e a crise ambiental.
No contexto hodierno da sociedade de risco, da preocupante degradação do meio
ambiente, da crise ambiental e da necessidade de uma nova postura dos seres
humanos em sua relação com o ambiente, esta pesquisa propõe-se a responder o
seguinte problema: Como construiu-se o sentimento constitucional ambiental no
Brasil?
A hipótese de trabalho pauta-se na assertiva de que o sentimento constitucional
ambiental no Brasil está em construção e ainda é incipiente. Afirma-se que a
construção iniciou-se desde os primórdios da chegada dos portugueses ao país,
com os influxos dos eventos e legislações internacionais, até o advento da
Constituição da República Federativo do Brasil, em 1988, que foi o marco da história
jurídico-constitucional ambiental, e demais legislações infraconstitucionais, e
continua em construção. A efetividade das normas ambientais, em especial da
Constituição, fica aquém do desejado, entretanto, com a mudança de postura dos
seres humanos frente à proteção do meio ambiente, com o paradigma holístico e a
ecologia profunda, o sentimento constitucional ambiental tende a se fortalecer.
13
Os objetivos deste trabalho foram analisar a crise ambiental contemporânea na
sociedade de risco, discutir os paradigmas ambientais e sua crise, analisar o
sentimento constitucional como categoria jurídica e sua força normativa, traçar um
panorama breve da temática ambiental na história do constitucionalismo brasileiro,
discutir a temática ambiental na Constituição Federal de 1988 e analisar a
construção do sentimento constitucional ambiental no Brasil.
Tendo em vista o teor crítico das discussões acerca dos problemas ambientais
brasileiros no contexto da sociedade de risco, em especial, no que se refere à
construção do sentimento jurídico-constitucional ambiental, com o fito de efetivar o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a abordagem
utilizada nesta pesquisa foi a dialética.
A abordagem dialética contribuiu para a presente pesquisa pelo fato de carregar
consigo a busca pela explicação e pela transformação da realidade, pautando-se
nas ideias de constante movimento dos processos, na totalidade dos mesmos (uma
vez que são recíprocos e interdependentes) e na contradição (sendo a negação da
negação como fator de mudança dialética).
A dialética materialista marxista, adotada neste trabalho, fundamenta-se na
transformação da realidade pelas influências das forças produtivas e pela busca
incessante pelo lucro. Essas influências afetam negativamente o meio ambiente. A
priorização dos lucros, com os avanços tecnológicos, científicos e industriais, sem a
preocupação com as consequências ambientais corroborou para a atual crise
ambiental.
O mundo é compreendido pela dialética como um complexo de processos em que
cada coisa se mostra como algo em constante mudança e transformação, nunca
isolada, mas sempre em conexão com o contexto social à sua volta. Todos os
aspectos da realidade, seja da natureza ou da sociedade, se mantêm unidos por
laços recíprocos, coerentes e necessários. Às relações ambientais também se aplica
esta ideia: qualquer alteração nos fatores bióticos ou abióticos interfere no equilíbrio
do todo e afeta a realidade ambiental, transformando-a, nem sempre para melhor.
14
A técnica adotada para o alcance pleno dos objetivos do trabalho foi a pesquisa
documental e bibliográfica, com a utilização de documentos jurídicos e legislativos e
bibliografia sobre as temáticas abordadas (em especial, artigos científicos, livros,
pesquisas, dissertações, teses) como fontes de coleta de dados que foram
analisados.
No primeiro capítulo procurou-se traçar um panorama do trabalho, com a discussão
sobre a sociedade de risco e a análise do momento de crise ambiental mundial e
brasileiro. Outrossim, analisou-se a crise do ambiente à luz da crise dos paradigmas
ambientais, antropocêntrico e bio-ecocêntrico. Ainda foi objeto de estudos do
capítulo inicial a questão do sentimento jurídico-constitucional como categoria
jurídica, fundamentando-se teoricamente nos estudos de Pablo Lucas Verdú.
No segundo capítulo discutiu-se, brevemente, a temática ambiental na história
jurídico-constitucional brasileira. As principais normas jurídico-ambientais e os mais
importantes eventos nacionais e internacionais que influenciaram a construção da
proteção do meio ambiente no Brasil foram considerados e analisados com base nos
paradigmas ambientais.
No terceiro e último capítulo, foram analisadas as principais inovações trazidas pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em relação à proteção do
meio ambiente, retomando-se a figura do sentimento constitucional ambiental e sua
efetividade. Em derradeiro, analisou-se o holismo ambiental, à luz da ecologia
profunda, como paradigma reconstrutor da postura dos seres humanos frente aos
problemas ambientais e como fator de fortalecimento do sentimento constitucional
ambiental no Brasil.
O holismo ambiental consagra a visão sistêmica e integrativa do meio ambiente,
com a inserção dos seres humanos nas questões ambientais e com o
reconhecimento da importância de todos os fatores ambientais para o equilíbrio
ambiental. A ecologia profunda analisa os problemas ambientais de modo amplo e
considera as soluções a partir da modificação da postura dos seres humanos frente
à natureza.
15
1 A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA E O SENTIMENTO
CONSTITUCIONAL
Pretende-se analisar o hodierno contexto da crise ambiental na sociedade de risco,
relacionando o momento de crise dos paradigmas ambientais vigentes e a
necessária conceituação do sentir jurídico-constitucional para compreensão do
sentimento constitucional brasileiro na seara ambiental.
A teoria da sociedade de risco foi moldada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck ainda
no contexto da Idade Moderna com a Revolução Industrial e seus avanços
científicos e tecnológicos. A sociedade industrial, indubitavelmente, trouxe
progresso, mas este progresso foi acompanhado da criação dos riscos e perigos,
muitos deles voltados para o meio ambiente. Este tema se tratado posteriormente.
Um dos fatores maximizadores dos riscos ambientais é a aceitação, por um longo
tempo, de paradigmas ambientais que focam apenas nos seres humanos e que
excluem a espécie humana do ambiente, ora centralizando a proteção ambiental na
figura humana (antropocentrismo), ora ignorando completamente sua existência
(bio-ecocentrismo). Tratar-se-á, outrossim, da caracterização e da crise desses
paradigmas.
A ausência de uma postura integrada dos seres humanos na proteção ambiental é
um problema que afeta o sentimento constitucional ambiental. O sentimento
constitucional exsurge da vinculação dos cidadãos à Constituição e de sua efetiva
aplicação como garantidora dos direitos fundamentais. Por último tratar-se-á
especificamente do sentimento constitucional enquanto teoria consolidada por Pablo
Lucas Verdú. O ter e o estar em Constituição e o sentir no contexto jurídico-
constitucional enquanto categorias jurídicas e não meramente fatores psicológicos e
biológicos.
16
1.1 A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA NA SOCIEDADE DE
RISCO
A história humana é marcada pela degradação ambiental. Desde os primórdios da
humanidade, remontando à pré-história (período anterior há 4.000 anos a.C em que
a escrita ainda não era utilizada), quando os homens das cavernas eram nômades e
viviam em bandos, a natureza lhes servia como fonte de alimentos, utensílios e
abrigo. A dependência era tamanha que quando os recursos naturais se
escasseavam, os bandos mudavam-se para outros locais.
Mesmo com a descoberta do fogo, com a agricultura e a pecuária, com o
desenvolvimento da metalurgia, a dependência entre seres humanos e natureza
permaneceu e perdura até os dias atuais. O ser humano, “[...] como ser biótico que
é, integra o meio e depende da natureza e da salubridade de seus recursos tanto
quanto os demais seres vivos” (ABREU, 2013b, p. 8).
Leonardo Boff (2004, p. 20) ensina que: “O ser humano provém de um longo
processo biológico. Sem os elementos da natureza, da qual ele é parte e parcela,
sem os vírus, as bactérias, os microorganismos, o código genético, os elementos
químicos primordiais, ele não existiria”. Concluindo-se que “[...] a tutela ambiental é
um meio essencial para a existência e perpetuação da humanidade” (BUSSINGUER
e BRANDÃO, 2010, p. 1707).
A humanidade é dependente do meio ambiente que a cerca. Todos os fatores que
garantem a vida advêm do mundo natural, seja a água e o ar, sejam os alimentos,
as vitaminas e minerais, sejam os produtos das atividades antrópicas como
remédios e vacinas. A matéria-prima e os princípios ativos de tudo vêm da natureza.
As condições para a existência e da qualidade de vida dependem da natureza.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, em especial na Idade Moderna com a
Revolução Industrial, e com o aumento populacional, a degradação do ambiente
cresceu exponencialmente, atingindo parâmetros inimagináveis e consequências
17
gravíssimas ao Planeta e à própria espécie humana. Vive-se, hodiernamente, um
momento de crise ambiental na chamada sociedade de risco.
A sociedade de risco, cunhada por Ulrich Beck (2010, p. 28), “é uma sociedade
catastrófica”, em que a produção social de riqueza é acompanhada
sistematicamente pela produção social do risco, iniciando-se na Revolução
Industrial. “Certainly all societies can be seen as the solution to danger, but the
concepto of risk is a modern one”1 (BECK e WILLMS, 2004, p. 109).
Os riscos sempre existiram na história da humanidade como eventos naturais, os
riscos externos, que são perigos como “secas, terremotos, escassez e tempestades
provenientes do mundo natural, que não tinham relação alguma com as ações
humanas” (GIDDENS, 2004, p. 72). Os riscos naturais são ameaças constantes aos
seres humanos.
Na Modernidade, aos riscos que antes eram apenas catástrofes naturais e eventos
aleatórios, acresceram-se os riscos produzidos “que são criados pelo impacto de
nosso próprio conhecimento e tecnologia sobre o mundo natural” (GIDDENS, 2004,
p. 72). A exposição da humanidade e do mundo natural a esses riscos, destarte,
aumentou consideravelmente.
Com o crescimento industrial e econômico e o desenvolvimento tecnológico e
científico, sem preocupação com a sustentabilidade e com intuito apenas de lucro,
são criados riscos controlados e não controlados, incertos e imprevisíveis, que
geram insegurança para a coletividade e crise para o ambiente.
In radicalized modernity the new risks are hence manufactured or fabricated
uncertainties and dangers, because the range of potential catastrophes and
uncertainties grows with technological and scientific progress and more
industrialization, more cars and more wealth also cause more environmental
problems2 (BECK, 2008, p. 5).
1 “Certamente, todas as sociedades podem ter visto a solução para o perigo, mas o conceito de risco
é moderno”. Tradução nossa.
2 “Na modernidade radicalizada os novos riscos são, portanto, as incertezas e perigos manufaturados
ou fabricados, porque o leque de potenciais catástrofes e incertezas cresce com o progresso
tecnológico e científico e mais industrialização, mais carros e mais riqueza também causam mais
problemas ambientais”. Tradução nossa.
18
A sociedade de risco “é aquela que, em função de seu contínuo crescimento
econômico, pode sofrer a qualquer tempo as consequências de uma catástrofe
ambiental” (LEITE, 2012, p. 158). É considerada “consequência do progresso
tecnológico e do acelerado crescimento econômico, que privilegiam a produção da
riqueza como valor fundamental da sociedade capitalista” (PERALTA, 2011, p. 253).
A busca pelo lucro e pela riqueza a qualquer custo, como objetivos superestimados
pelas sociedades moderna e contemporânea, desembocou em um momento de
crise e de incertezas. O progresso sem limites com a desconsideração dos riscos
vinculados às novas tecnologias (e ao seu descarte) e ao uso desmedido dos
recursos ambientais desencadeou a presente sociedade de risco.
A dinâmica da sociedade, “resultante do uso descontrolado dos recursos naturais,
do estilo de vida consumista e dos avanços tecnológicos desordenados que levaram
à degradação ambiental, descortina inúmeros riscos” (ALVES, 2011, p. 81).
Destarte, a sociedade de risco “representa a tomada de consciência do esgotamento
do modelo de produção, sendo é [sic] marcada pelo risco permanente de desastres
e catástrofes” (LEITE, PILATI e JAMUNDÁ, 2007, p. 102).
As promessas da modernidade, com os avanços científicos, industriais e
tecnológicos, de melhoria da qualidade de vida humana e futuro promissor não se
cumpriram. Paradoxalmente, o progresso infringiu a dignidade humana e a proteção
ambiental. O potencial infinito da criação humana vinculou-se à destruição da
natureza e à desvalorização dos seres humanos. Convivem, simultaneamente, a
engenharia genética e a nanotecnologia com a pobreza, a miséria e a degradação
do meio.
O desenvolvimento, o crescimento econômico e o progresso tecnocientífico
coexistem com extinção de espécies, a destruição da camada de ozônio, as
mudanças climáticas, os organismos geneticamente modificados, a contaminação
dos recursos naturais, a redução das áreas de vegetação e com os problemas
sociais, principalmente, com o abismo de desigualdade que enraizou-se na realidade
brasileira.
19
A teoria da sociedade de risco engloba a ideia de dinamismo e complexidade social,
desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico com a perspectiva incerta dos
riscos. A ação humana provocadora da destruição ambiental e criadora dos riscos se
revela insuficiente para mitigar os danos, por vezes irreversíveis, e os riscos,
habitualmente, incertos.
Riscos são definidos gramaticalmente como “possibilidade de perigo, incerto, mas
previsível, que ameaça de dano a pessoa ou a coisa” (DICIONÁRIO MICHAELIS ON
LINE, 2009). “Ao lado da probabilidade, da incerteza e do futuro, Beck atribui mais
uma característica ao risco: é resultado de decisões tomadas no presente”
(FERREIRA, 2008, p. 34). O evento provável, mas incerto, que se projeta no futuro é
consequência das decisões tomadas no presente.
A exposição aos riscos afeta a possibilidade e a qualidade de vida das gerações
vindouras. O poder decisório das atuais gerações condiciona o futuro da
humanidade. E talvez a sociedade sequer tenha consciência disso. A aceitação
social de alguns riscos e perigos é preocupante. A tomada de consciência em
relação aos riscos e à crise ambiental é forçosa para a garantia da vida no planeta.
A opção por ignorar os riscos ou assumir sua produção assemelha-se a conduta de
dolo eventual do direito penal, “em que o agente não quer o resultado, por ele
previsto, mas assume o risco de produzi-lo” (MASSON, 2013, p. 276). Aos Estados
incumbe a proteção de seus cidadãos e a não assunção de riscos desnecessários e
imprevisíveis. As consequências podem ser catastróficas.
Beck, Giddens e Lash (1997, p. 20) se pronunciam: “Os riscos são infinitamente
reprodutíveis, pois se produzem juntamente com as decisões na sociedade
pluralista”. E mais: “[...] na sociedade de risco, o lado imprevisível e os efeitos
secundários desta demanda por controle conduzem ao que tem sido considerado
superado, o reino da incerteza, da ambivalência – em suma, da alienação” (BECK,
GIDDENS e LASH, 1997, p. 21).
As opções privadas ou públicas, individuais ou coletivas pelo crescimento
econômico descontrolado e despreocupado com a sustentabilidade geram riscos
20
incalculáveis para as gerações futuras, criando a sensação de incerteza e medo.
Anthony Giddens (1991, p. 42) esclarece que “o que o risco pressupõe é
precisamente o perigo (não necessariamente a consciência do perigo)”. Apesar de
prováveis, incertos e futuros, os riscos nem sempre são conscientes, não obstante
possam ter implicações e graves. Assim, a alienação retoma seu reinado na
contemporaneidade.
As teses argumentativas do arquétipo da sociedade de risco, em sua faceta sombria,
são objetos de análise de Beck. No total, cinco teses examinam as potenciais
ameaças e os iminentes riscos que pairam sob a Terra e que, consequentemente,
colocam em cheque a humanidade.
A primeira tese diz respeito aos riscos que “são produzidos no estágio mais
avançado do desenvolvimento das forças produtivas” (BECK, 2010, p. 27), ou seja,
aqueles riscos que escapam à percepção humana direta e imediata, invisíveis e que
têm efeitos de curto e longo prazo, desencadeando danos sistemáticos e, por vezes,
irreversíveis. Como a radioatividade, os agrotóxicos e toxinas no ar, água, solo e nos
alimentos, os organismos geneticamente modificados, a utilização de metais
pesados na produção, a nanotecnologia, a biotecnologia, a engenharia genética,
dentre outros.
O progresso científico e tecnológico possibilita um potencial inimaginável de criações
e inovações, entretanto, qual é o custo socioambiental deste progresso? Alguns
avanços demandam riscos desconhecidos e incalculáveis. Nem sempre a exposição
da humanidade a estes riscos compensa o progresso.
A segunda tese propõe que “com a distribuição e incremento dos riscos, surgem
situações sociais de ameaça” (BECK, 2010, p. 27). Interessante destacar que os
riscos da modernização, a priori, recaem sobre as camadas sociais inferiores da
população3, entretanto, mesmo que demore, os riscos serão suportados também por
aqueles que lucraram ou os produziram.
3 Analisando-se a estrutura social com estratificação em classes.
21
Outrossim, a interação entre as diferentes soberanias toma novos rumos. Os danos
e riscos ambientais não respeitam as fronteiras nacionais, exigindo-se, destarte, a
cooperação entre os Estados. Como afirma Zygmunt Bauman (1999, p. 7) “[...]
‘globalização’ é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível”. Os
problemas ambientais deixaram o localismo e tornaram-se globais. As mudanças
climáticas, a degradação da camada de ozônio e o aquecimento, por exemplo,
impactam negativamente todo o globo, não distinguindo etnias, cor de pele, conta
bancária ou influência política e econômica.
A terceira tese se vincula com a manutenção da lógica capitalista, apesar da
expansão e da mercantilização dos riscos, que se tornam um grande negócio. “Os
riscos civilizatórios são um barril de necessidades sem fundo, interminável, infinito,
autoproduzível” (BECK, 2010, p. 28). Destarte, “a sociedade industrial produz as
situações de ameaça e o potencial político da sociedade de risco” (BECK, 2010, p.
28).
Os riscos não deixam de ser um bom negócio numa sociedade eminentemente
mercadológica. A lógica do mercado encara as incertezas e os perigos como
possibilidades de lucro. Quanto mais riscos, maiores os medo desses riscos e, por
isso, maximiza-se o interesse individual e coletivo em proteger-se de suas
consequências gravosas.
Apenas a título exemplificativo: Com o aquecimento global e a destruição do ozônio
protetor, lucraram as empresas cosméticas com os filtros solares e produtos com
bloqueadores para os raios ultravioleta (UVA e UVB), além das indústrias de ar-
condicionado e refrigeradores. O consumo de energia também aumento,
sequencialmente, sua produção e a receita das empresas. Isso analisando-se de
modo superficial uma única consequência.
A sociedade de consumo que “representa o tipo de sociedade que promove,
encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial
consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 2008, p. 71)
agrava ainda mais os problemas ambientais.
22
O consumismo excessivo gera maior quantidade de resíduos, aumenta o gasto de
matéria-prima e energia, cria maiores demandas para o meio natural, majora a
degradação do ambiente e maximiza os riscos e perigos. A sociedade de consumo
aliada à sociedade de risco corrobora com a manutenção do círculo vicioso que gira
em torno do consumo, do risco e da destruição ambiental.
A quarta tese relaciona os riscos e a consciência de sua existência. “Riquezas
podem ser possuídas; em relação aos riscos, porém, somos afetados” (BECK, 2010,
p. 28). A consciência e o conhecimento sobre os riscos tomam feições
determinantes na política da sociedade de risco. As decisões individuais ou
coletivas, privadas ou públicas, afetam a espécie humana como um todo, e podem
maximizar ou minimizar as potenciais ameaças.
O controle sobre os riscos é impossível, por isso, a responsabilidade intergeracional
se impõe. A humanidade não exerce domínio depois que os riscos foram criados, as
sequelas e os efeitos fogem ao governo antrópico. A espécie humana e sua
perpetuação submetem-se à imprevisibilidade da sociedade de risco.
A quinta tese reitera que “os riscos socialmente reconhecidos [...] contêm um
peculiar ingrediente político explosivo: aquilo que até há pouco era tido como
apolítico torna-se político [...]” (BECK, 2010, p. 28). Os domínios público e político
passam a gerir conjuntamente os riscos, cuidando do gerencialmente empresarial e,
simultaneamente, da saúde humana e da vida no planeta. A vida humana e suas
necessidades e implicações adquiriram status de fator decisório na política [...]. A
gestão da vida se tornou fundamental na política: a decisão de fazer viver e deixar
morrer que compete ao soberano” (ABREU, 2013a).
O problema dos riscos transmudou-se em questão vital para a vida na Terra,
emergindo na seara política e pesando sobremaneira nas decisões dos Estados. A
tomada de consciência das sociedades sobre os riscos que as cercam força a
atuação do Soberano. Ademais, as decisões soberanas pouco analisadas e
avaliadas podem piorar o quadro e maximizar os riscos e suas implicações.
23
Os riscos podem ser criados pelo desenvolvimento das forças produtivas,
alcançando, inclusive, aqueles que os produziram ou que lucraram com sua criação.
Não apenas problemas de saúde ou degradação ambiental estão relacionados aos
riscos, mas também
efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos [...]: perdas de mercado,
depreciação do capital, controles burocráticos de decisões empresariais,
abertura para novos mercados, custos astronômicos, procedimentos
judiciais, perda de prestígio. Emerge assim na sociedade de risco, em
pequenos e em grandes saltos – em alarmes de níveis intoleráveis de
poluição, em casos de acidentes tóxicos etc. – o potencial político das
catástrofes. (BECK, 2010, p. 28)
As decorrências da sociedade de risco espraiam-se por todos os setores sociais.
Não apenas a ecologia, mas a economia, a política e o direito são afetados pela
crise, tornando-se cogentes suas respostas aos anseios e angústias da sociedade e
dos cidadãos.
Complementarmente, expõe Giddens (1991, p. 127): “A possibilidade de guerra
nuclear, calamidade ecológica, explosão populacional incontrolável, colapso cambial
econômico global, e outras catástrofes globais potenciais, fornecem um horizonte
inquietante de perigos para todos”. Os riscos são incertos, mas o perigo é certo,
seus efeitos são imprevisíveis, mas catastróficos.
A consideração de Antunes (2000, p. 122) é sobremaneira pertinente neste ínterim:
“A partir da constatação de problemas ambientais reais que se agravam em todo o
planeta, chega-se à conclusão de que estamos próximos de um holocausto
ambiental [...]”. Ressalte-se que tal assertiva foi feita ainda no século XX.
A potencialidade destrutiva dos riscos da sociedade industrial com os avanços
tecnocientíficos se agrava a cada novo amanhecer. Os possíveis impactos
ambientais não podem ser sequer integralmente previstos pela ciência e pelo
progresso que os causaram, tampouco solucionados pela tecnologia desenvolvida
pelos seres humanos.
Apesar dos comentários acerca do fatalismo e do exagero em relação à sociedade
de risco, um argumento, em especial, é digno de reflexão para refutação das
24
críticas: “Mesmo uma probabilidade de acidentes tão reduzida é alta demais quando
um acidente significa o extermínio” (BECK, 2010, p. 35).
Os riscos e ameaças são potencialmente causadores da extinção da espécie
humana. O avanço tecnológico chegou a um nível tal que um único acidente ou ato
de guerra (por exemplo, uma bomba nuclear) é suficiente para exterminar a
humanidade. Este argumento é sobremaneira relevante mesmo para os críticos e
céticos.
Eis o alerta de Ulrick Beck (2008, p. 6): If climate change is irrevocable, if human
genetics makes possible irreversible interventions in human existence, if terrorist
groups already possess weapons of mass destruction, then it’s too late”4. O “tarde
demais” está próximo.
Os riscos “ameaçam a vida no planeta, sob todas as suas formas” (BECK, 2010, p.
26). “O risco não é apenas uma questão de ação individual. Existem ‘ambientes de
risco’ que afetam coletivamente grandes massas de indivíduos [...], potencialmente
todos sobre a face da Terra, como no caso de risco de desastre ecológico ou guerra nuclear”
(GIDDENS, 1991, p. 43).
Este cenário de sociedade de risco é verificado na realidade brasileira atual.
Problemas ambientais graves, como o excesso de resíduos (com a poluição do ar,
do solo e da água), o uso irracional dos recursos naturais (e sua consequente
escassez), doenças epidêmicas (como a dengue), desastres químicos, substâncias
tóxicas nos alimentos, organismos geneticamente modificados, lixo atômico,
radiação, destruição dos ecossistemas e da biodiversidade, além dos problemas
sociais e econômicos – que não serão objeto de estudo neste trabalho – contribuem
para a conformação da sociedade de risco na contemporaneidade do Estado
Democrático de Direito da República Federativa do Brasil.
4 “Se as mudanças climáticas são irrevogáveis, se a genética humana torna possível intervenções
irreversíveis na existência humana, se os grupos terroristas já possuem armas de destruição em
massa, então é tarde demais”. Tradução nossa.
25
A crise ambiental vivenciada é deflagrada, principalmente, “a partir da constatação
de que as condições tecnológicas, industriais e formas de organização e gestões
econômicas da sociedade estão em conflito com a qualidade de vida” (LEITE e
AYALA, 2011, p. 25). “A problemática ambiental questiona os processos econômicos
e tecnológicos que estão sujeitos à lógica de mercado, resultando em degradação
do ambiente e prejudicando a qualidade de vida” (LEITE e AYALA, 2011, p. 27).
O quadro de colapso dos ecossistemas e desequilíbrio ambiental colocando em
risco a vida em todas as suas formas e a tensão entre crescimento econômico e
desenvolvimento sustentável são problemas que perseguem as sociedades
contemporâneas.
A crise ambiental [...] introduz uma alteração na relação entre natureza e
sociedade. Se, na Primeira Modernidade, a natureza estava fora do meio
social, a sua progressiva destruição pela actividade humana obriga, na
sociedade contemporânea, a que a fronteira que separava sociedade e
natureza seja posta em causa (BECK, GIDDENS e LASH, 1997, p. 73).
Na hodierna situação em que se encontra a degradação ambiental, a manutenção
do equilíbrio ecológico é um dos grandes desafios da humanidade. A sociedade
começa a vislumbrar que toda a vida no planeta deriva e depende de um ambiente
hígido e equilibrado. “Assim, a temática ambiental exsurge como matéria de extrema
relevância, permeando todos os segmentos da comunidade global, uma vez que a
conservação do bem ambiental é questão de sobrevivência para toda a
humanidade” (ABREU, 2013b, p. 8).
Múltiplos fatores contribuíram para a crise na contemporaneidade. Bruno Gomes
Borges da Fonseca (2013, p. 25) assevera: “A revolução tecnológica, a globalização
econômica e o aumento da densidade demográfica contribuíram para a formação de
uma sociedade massificada, pluralista e conflituosa”. E complementa: “Aos conflitos
singulares acresceram os coletivos e ao lado dos individuais afloraram os interesses
metaindividuais”.
Especificamente acerca da crise ambiental, enfatiza-se: “O modo de vida humano,
baseado, preponderantemente, em valores econômicos, causou impactos no
ambiente nunca vivenciados em toda a história” (LEITE, 2012, p. 163). “Um dos
26
fundamentos da atual ‘crise ecológica’ é, sem dúvida, a concepção de que o humano
é externo e alheio ao natural” (ANTUNES, 2011, p. 7).
Além dos fatores políticos e econômicos advindos da globalização, unem-se
questões geográficas e demográficas e, notoriamente, problemas sociais e
ambientais na definição dos riscos atuais e no momento de crise. A atitude dos
seres humanos em relação à crise ambiental é uma via de mão dupla: a percepção
da espécie humana como superior aos demais seres vivos, posicionando-se
externamente ao meio ambiente é um fator causador da crise; contudo, também é a
modificação desta concepção, um potencial elemento para minimizar a crise. A
postura do ser humano como ser integrante do ambiente e dependente dos recursos
naturais é imprescindível ao futuro de todos.
Oportuna a constatação de Leonardo Boff (2004, p. 100) neste sentido: “A ideia que
o ser humano (compreendido pessoal ou coletivamente) faz de si mesmo e de sua
posição no universo é determinante na definição de suas relações para com a
natureza, para com a Terra como um todo e para com o seu destino”. Se a espécie
humana não se sente parte da Casa Comum que é a Terra, a tutela ambiental se
torna mera imposição e não há construção da consciência em prol do ambiente.
A ausência de integração entre humanidade e meio natural é um elemento
favorecedor da crise. “O ser humano está sobre as coisas para fazer delas
condições e instrumentos da felicidade e do progresso humano. Ele não se entende
junto com elas, numa pertença mútua, como membros de um todo maior”. (BOFF,
2004, p. 23, grifo do autor).
O ser humano, como espécie animal5 que é, não se comporta como tal, agindo de
forma exploratória irracional, esquecendo de sua extrema dependência em relação
ao meio ambiente que, reitere-se, tem recursos esgotáveis. A postura dos seres
racionais ante aos problemas ambientais é uma questão-chave para construção de
uma realidade social com menos riscos. Como ressalta Ulrick Beck (2006, p. 333):
5 Em termos biológicos de classificação das espécies (taxonomia), a espécie Homo sapiens é do
Reino Animalia (portanto, um animal), Filo Chordata, Classe Mammalia, Ordem Primata, Família
Homininae, Gênero Homo.
27
“Risks presuppose human decisions. They are [...] consequences of human
decisions and interventions”6.
A sociedade de risco nascida na modernidade, marcada pela constante ameaça de
catástrofes e pela hodierna crise ambiental, ainda perdura na contemporaneidade.
As incertezas, perigos e riscos que cercam a humanidade transformam a dádiva da
vida na Terra em instabilidade e medo. O passado e o presente afetam e
condicionam o futuro.
Um dos fatores para o colapso ambiental que, no presente trabalho, será destacado
é a crise dos paradigmas ambientais. As chamadas escolas de pensamento
ambiental e sua influência na construção, maximização ou minimização dos riscos
ambientais e da degradação do meio natural serão objeto de estudo no item que
segue.
1.2 A CRISE DOS PARADIGMAS AMBIENTAIS
Diante do hodierno cenário de crise ambiental, que, inclusive, ameaça a vida no
Planeta, e de toda sua complexidade, a discussão dos paradigmas ambientais e de
sua superação exsurge como imperativa. Novas formas de encarar o mundo natural
adquiriram status de imprescindibilidade na sociedade de risco. A relação “ser
humano-natureza” carece de reavaliação e reestruturação e ao direito é mister a
abertura aos influxos das ciências ambientais.
Thomas Kuhn, ao analisar a estrutura das revoluções científicas, define paradigmas
como “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes de uma ciência” (KUHN, 1998, p. 13). Paradigmas são concepções que
6 “Riscos pressupõem decisões humanas. Eles são consequência das decisões e intervenções
humanas”. Tradução nossa.
28
em um determinado momento histórico são aceitas pela maioria como verdade e
passam a modelar os comportamentos e pensamentos.
Os paradigmas indicam as crenças, técnicas e valores partilhados por uma
comunidade científica para resolução de problemas e as próprias soluções
concretas aos quebra-cabeças da ciência, empregados como modelos ou exemplos.
“Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e,
inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um
paradigma” (KUHN, 1998, p. 219).
Considerando as especificidades de cada área da ciência, os paradigmas
configuram-se nos diferentes ramos do conhecimento de forma distinta, cada área é
detentora de modelos paradigmáticos próprios. Tais padrões não são únicos para
toda a ciência, cada comunidade científica, dentro de sua área de atuação, reúne
seus conceitos e concepções.
Com o desenvolvimento das noções de inter/trans/pluri/multidisciplinaridade na
complexidade da realidade humana, os conhecimentos abrem-se para a influência
de outros conhecimentos e as áreas da ciência adquirem status de
complementaridade, perdendo o outrora teor excludente das informações. Edgar
Morin (2002, p. 189) alerta:
É preciso encontrar o caminho de um pensamento multidimensional que, é
lógico, integre e desenvolva formalização e qualificação, mas não se
restrinja a isso. A realidade antropossocial é multidimensional, ela contém,
sempre, uma dimensão individual, uma dimensão social e uma dimensão
biológica. O econômico, o psicológico e o demográfico que correspondem
às categorias disciplinares especializadas são as diferentes faces de uma
mesma realidade; são aspectos que, evidentemente, é preciso distinguir e
tratar como tais, mas não se deve isolá-los e torná-los não comunicantes.
Os paradigmas fluem de um sistema de conhecimento para outro, formando um
sistema aberto de influxos, comunicantes entre si. Entretanto, algumas áreas,
habitualmente, fechadas, como o Direito, revelam certa dificuldade em abrirem-se a
esta hodierna realidade complexa, porosa e intercomunicante dos conhecimentos.
Por isso, alguns paradigmas jurídicos, em especial na seara ambiental, como será
29
discutido a seguir, ainda não foram superados e perduram conjuntamente com
novos paradigmas, que já foram consagrados em outras áreas do conhecimento.
Reitera Kuhn (1998, p. 110) que “nenhum paradigma aceito como base para a
pesquisa científica resolve todos os seus problemas”, surgindo, assim, terreno fértil
para a novidade dentro da ciência. Esses problemas não resolvidos desestabilizam a
ciência normal – geram uma crise –, propiciando o surgimento de novas teorias e até
mesmo de novos paradigmas. “Uma crise pode terminar com a emergência de um
novo candidato a paradigma e com uma subseqüente batalha por sua aceitação”
(KUHN, 1998, p. 116).
O Direito Ambiental e o pensamento jurídico-ambiental sofreram modificações ao
longo do tempo e evoluíram com as mudanças de paradigmas da sociedade e das
outras áreas do saber. Nesse processo evolutivo, denominado por Thomas Kuhn
(1998, p. 122) de “revolução científica” – “transição para um novo paradigma” –,
novas concepções foram desenvolvidas, novas acepções inseridas, novos influxos
considerados e paradigmas alterados, com o surgimento de novas escolas de
pensamento jurídico-ambiental.
Notadamente, na atual conjuntura de crise e degradação ambientais, a proteção do
ambiente com vistas “à manutenção do equilíbrio ecológico é um dos grandes
desafios da humanidade. Para se analisarem melhor as formas de tutelar o ambiente
é imprescindível compreender as escolas de pensamento que norteiam os estudos
jurídico-ambientais” (ABREU e BUSSINGUER, 2013).
O primeiro paradigma jus-ambiental foi o antropocentrismo. A terminologia
antropocentrismo advém de um vocábulo híbrido de composição greco-latina, do
grego: antropos, o homem; do latim: centrum, centricum, o centro. Nesta concepção
o ser humano é o centro das preocupações ambientais. A espécie humana ascende
ao status de referência máxima e absoluta de valores, em torno da qual gravitam os
demais seres.
Inegavelmente, “o ser humano nas sociedades atuais se colocou como centro de
tudo. Tudo deve partir dele e retornar a ele. Tudo deve estar a seu serviço” (BOFF,
30
2004, p. 100). “A visão antropocêntrica tradicional caracteriza-se pela preocupação
única e exclusiva com o bem-estar do homem” (LEITE, 2012, p. 164). “O ser humano
se arroga uma posição de soberania como quem dispõe a seu bel-prazer das coisas
que estão ao [seu] alcance” (BOFF, 2004, p. 103).
Por um longo tempo foi assim, os componentes do meio ambiente “foram relegados
a um papel secundário e de subserviência ao ser humano, que colocando-se no eixo
central do universo, cuidava do entorno como um déspota, senhorio de tudo”
(RODRIGUES, 2005, p. 90). “Uma palavra resume a antropologia imperial e
antiecológica que vige nos sonhos, projetos ideais, instituições e valores atuais: o
antropocentrismo” (BOFF, 2004, p. 101).
Com base na visão antropocêntrica, o Direito Ambiental se voltaria para a satisfação
das necessidades humanas (FIORILLO, 2012, p. 69), não haveria proteção
ambiental se não houvesse benefício direito e imediato à espécie humana, todas as
benesses da tutela do meio ambiente deveriam convergir para o homem, centro de
todo o ambiente. Mesmo nas definições de ambiente, o antropocentrismo está
arraigado, com a exclusão da espécie humana: “meio ambiente é conceito que
define um conjunto exterior ao Ser Humano” (ANTUNES, 2000, p. 168).
O meio ambiente recebia proteção secundária, mediata, carecendo de tutela
autônoma. A tutela protetiva se estabelecia em relação ao ambiente como bem
privado, visando-se a proteção do interesse financeiro do indivíduo, dono do bem.
Os bens ambientais eram protegidos por sua valoração financeira, pelo valor
econômico que demonstravam ter para a espécie humana, em regra, considerados
res nullius, id est, coisa de ninguém. Tal visão é resultado de uma concepção
utilitarista, pautada na visão de mercado, a chamada “fase econômica da proteção
dos bens ambientais”. (RODRIGUES, 2005, p. 90)
Nos dias atuais exemplos dessa proteção mediata dos bens ambientais ainda são
observados, como as normas que regulam o direito de vizinhança no Código Civil
Brasileiro, que autorizam a tutela ambiental indiretamente a partir da proteção de um
direito tipicamente privado. Destarte:
31
O homem continuava a assistir ao espetáculo da primeira fila, vendo apenas
a si mesmo, sem enxergar os demais personagens e, próprio, de tudo, sem
identificar que o personagem único e principal é o conjunto de interações
decorrentes da participação de todos os personagens (RODRIGUES, 2005,
p. 94).
Ainda, com o mesmo viés ideológico, “a fase sanitária de proteção dos bens
ambientais” estabeleceu-se (RODRIGUES, 2005, p. 94). A associação era entre os
bens ambientais vitais e a saúde humana. A espécie humana passou a preocupar-se
em proteger os bens ambientais tidos como vitais por estar protegendo sua própria
saúde.
A legislação ambiental priorizava a tutela da saúde, confundindo-se, inclusive, a
proteção da saúde com a defesa do meio ambiente (RODRIGUES, 2005, p. 94).
Todavia, a proteção do meio ambiente com vistas à saúde reflete o início da
mudança de pensamento. O reconhecimento da dependência do ser humano em
relação ao ambiente possibilitou a reflexão acerca do papel da humanidade na
defesa do ambiente e da forma pela qual as atividades antrópicas afetam a
natureza.
Este foi um primórdio de consciência ambiental, já que “o paradigma ético-
antropocêntrico continuava o mesmo, inalterado e imutável” (RODRIGUES, 2005, p.
94). Não existia, portanto, a proteção ética, altruísta, genuína e direta do meio
ambiente, nem em nível constitucional quanto infra-constitucional. Como informa
Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin (1999, p. 53):
Faltando uma base incontroversa de apoio na Constituição, o legislador
ordinário foi buscar suporte na salvaguarda da saúde, sob o argumento de
que ela não pode ser assegurada em ambiente degradado. Ou seja,
degradação ambiental seria sinônimo de degradação sanitária. Uma
argumentação de cunho estritamente homocêntrico [antropocêntrico], com
indisfarçável conteúdo economicista e utilitarista. Naquele período, tal
raciocínio vingou e serviu para dar sustentação à intervenção legislativa,
recebendo, inclusive, respaldo judicial. (grifo do autor)
Iniciou-se a constatação de que a degradação ambiental, causada pelas ações
humanas, é maior que a capacidade dos sistemas naturais de se autorregular. A
capacidade de reação da natureza ficou aquém em relação às agressões sofridas,
por isso o desequilíbrio ambiental.
32
Eis o problema: com base no paradigma do antropocentrismo, esta situação de crise
ambiental se instaurou, com o rompimento da homeostase dos ecossistemas. A
contrario sensu, para minimizar a crise é imprescindível a alteração do paradigma e
da forma pela qual a humanidade enxerga e se relaciona com o meio.
A concepção eminentemente antropocêntrica mantém-se arraigada em alguns
setores da sociedade contemporânea, o que impede muitos avanços em projetos
que visam a conservação do meio, em especial, a conservação de espécies em vias
de extinção, a instalação de Unidades de Conservação e as políticas públicas que
visam a redução dos índices de degradação.
Apesar de inúmeras críticas possíveis ao paradigma antropocêntrico de proteção
ambiental e de já existirem novas escolas de pensamento, o antropocentrismo
continua tendo adeptos e sendo disseminado, principalmente, na cultura jurídica e
social do Brasil. Como outrora já foi afirmado, o Direito demonstra dificuldade em se
abrir aos demais conhecimentos de outras áreas.
Em outras searas do conhecimento como a Biologia e a Ecologia (ciências
ambientais de modo geral) a escola antropocêntrica não tem destaque e é
severamente combatida. Percebe-se que a influência das ciências ambientais está
iniciando um processo de alteração da percepção ambiental dos juristas. A proteção
das demais formas de vida e do meio abiótico começa a tomar proporções vultosas.
É cediço que na história da humanidade o processo de modificação de paradigmas
não é imediato, demanda um longo período de adaptação à nova realidade. Com a
passagem da visão antropocêntrica para a biocêntrica/ecocêntrica7, por óbvio, não
foi diferente. Essa mudança de paradigma exigiu considerável lapso temporal. “A
consideração aprofundada do sentido e do valor da vida sacudiu o jugo do
antropocentrismo” (MILARÉ, 2009, p. 88).
7 No presente trabalho utilizar-se-ão as expressões biocentrismo e ecocentrismo com a mesma
conotação, id est, de paradigma que se contrapôs diretamente ao antropocentrismo, apesar de
etimologicamente diferentes, são ontológica e axiologicamente semelhantes.
33
A vida, em todas as suas formas – não mais a vida humana –, passou a ser
considerada o valor mais expressivo do ecossistema planetário, reconhecendo-se a
importância de todos os seres vivos por si mesmos e para a manutenção do
equilíbrio do ambiente. Os biomas e os seres vivos que os constituem tornaram-se o
centro da proteção ambiental.
Com o foco voltado para a vida e todos os aspectos a ela inerentes, abrolhou o
biocentrismo, vocábulo híbrido de composição greco-latina, do grego: bios, a vida;
do latim: centrum, centricum, o centro e o ecocentrismo, do grego oikos, casa. Em
suma, a vida (não humana) e os ecossistemas como personagens centrais da tutela
ambiental. O “valor vida passou a ser um referencial inovador para as intervenções
do homem no mundo natural” (MILARÉ, 2009, p. 88).
O paradigma antropocêntrico começou a perder força, abrindo espaço para essas
novas concepções, voltadas para a proteção dos fatores não humanos dos sistemas
naturais. Segundo Peter Singer (1993, p. 188) “os ecologistas [...] queriam preservar
a integridade da biosfera unicamente por si mesma, independentemente dos
possíveis benefícios para os seres humanos que poderiam daí advir”. Paolo
Maddalena (1990, p. 84) traz a lume que:
Ad um principio antropocentrico si va lentamente sostituendo un principio
biocentrico; ovviamente, non nel senso che al valore uomo si sostittuisce il
valore natura, ma nel senso che si pone como valore la ‘comunità biotica’, al
cui vertice sta l’uomo8.
A concepção biocêntrica, em termos de ordenamento jurídico-ambiental brasileiro,
surgiu com o advento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei nº 6938/81),
que, eliminou a concepção antropocêntrica, tornando personagem central “todas as
formas de vida” (BRASIL, 1981), conforme disposição do art. 3°, inciso I do referido
diploma legal, e não mais o ser humano como outrora. Acerca da referida lei:
O fato de marcar uma nova fase do Direito Ambiental deve-se, basicamente
[...] 1. Adoção de um novo paradigma ético em relação ao meio ambiente,
8 “Um princípio antropocêntrico se vai lentamente substituindo por um principio biocêntrico;
obviamente, não no sentido de que ao valor homem se substitui o valor natureza, mas no sentido que
se impõe como valor a ‘comunidade biótica’, em cujo vértice está o homem”. Tradução nossa.
34
colocando no eixo central do entorno a proteção a todas as formas de vida.
Encampou-se, pois, um conceito biocêntrico (RODRIGUES, 2005, p. 99).
Ainda com o mesmo diploma legal, extrai-se a visão ecocêntrica, que amplia a
preocupação central da proteção ambiental, não apenas para as diferentes formas
de vida, mas também para o meio abiótico – “conjunto de condições, leis, influências
e interações de ordem química, física e biológica” (art. 3º, inciso I da Lei nº 6938/81
– BRASIL, 1981) – que as cerca e que permite sua sobrevivência.
A Política Nacional do Meio Ambiente trouxe a lume a tutela do meio natural e seus
componentes bióticos e abióticos de forma globalizada e não mais individualizada de
acordo com os benefícios trazidos para o ser humano. Mas ainda discute-se apenas
o meio ambiente natural. O ser humano foi excluído das preocupações ambientais e
continua externo ao meio.
Para o paradigma bio-ecocêntrico “deve-se preservar o meio ambiente
independentemente de haver qualquer benefício ao ser humano (a natureza é titular
de direitos)” (COELHO, 2011, p. 388). Preleciona Édis Miláre (2009, p. 90):
Convindo em que o ecossistema planetário (ou mundo natural) tem valor
intrínseco por força do ordenamento do Universo, não apenas valor de uso,
estimativo ou de troca, é imperioso admitir que ele necessita da tutela do
Direito, pelo que ele é em si mesmo, independentemente das avaliações e
dos interesses humanos. Se o ordenamento jurídico humano não os tutela,
o ordenamento natural do Universo fará isso por sua própria força,
independente de nossas prescrições positivas, eis que não raras vezes a
Natureza vingou-se do homem e das suas agressões e, certamente,
continuará a fazê-lo. (grifo do autor)
O paradigma bio-ecocêntrico estabelece como prioridade de discussão e proteção a
vida e os ecossistemas, ou seja, o meio ambiente natural. A natureza, de modo
geral, tanto os fatores vivos (seres biótico – ressalte-se todas as espécies não
apenas a humana) quanto os fatores que auxiliam a vida (abióticos – como água, ar
atmosférico, solo, minerais) e suas inter-relações são protegidos, tendo em vista,
sua importância para a homeostase.
Indubitavelmente, “temos que reconhecer, independentemente do bem humano, o
valor da ecosfera em si, temos que redescobrir a dignidade intrínseca da natureza”
(MILARÉ, 2009, p. 158). Contudo, a exclusão dos seres humanos em relação à
35
proteção do ambiente é equivocada. A espécie humana é parte integrante do meio
natural e, por isso, os problemas sociais também são questões ambientais.
O paradigma antropocêntrico foca nos seres humanos e relega os seres não
humanos e os ecossistemas. O paradigma bio-ecocêntrico enfatiza a vida de modo
geral e os fatores abióticos e repele a espécie humana. Em ambos os casos, as
situações antagônicas desvinculam a humanidade do meio ambiente, o que é
prejudicial tanto para a tutela ambiental quanto para a efetivação da dignidade
humana.
Os dois paradigmas ambientais são problemáticos e não se sustentam na hodierna
realidade complexa da sociedade de risco. Um terceiro paradigma exsurge de modo
a equilibrar os anteriores, buscando a proteção do ambiente e da humanidade
conjuntamente. Este tema será enfrentado posteriormente, relacionando-se a
construção do sentimento constitucional ambiental brasileiro e ao constitucionalismo.
1.3 O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL COMO CATEGORIA
JURÍDICA
Na Grécia antiga, os filósofos já se dedicavam a desnudar os sentimentos e as
emoções humanas. A máxima socrática “Conhece-te a ti mesmo” releva a
necessidade humana de refletir sobre sua vida, sua existência e suas percepções do
mundo. A partir destes esboços primordiais da filosofia, os sentimentos tornaram-se
objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento.
Inicialmente, os filósofos acreditavam que a felicidade era vinculada à vontade dos
deuses9, a religiosidade condicionava os sentimentos humanos. Sócrates alterou o
paradigma entendendo que a busca pela felicidade era responsabilidade de cada
indivíduo. “[...] parte-se do homem a perquirição dos fenômenos sociais e
9 Na antiguidade grega a sociedade era baseada no politeísmo e prevaleciam os mitos e lendas. “A
filosofia desenvolveu-se a partir da mitologia. O objetivo da filosofia foi sempre o de manter o delicado
equilíbrio entre a humanidade e o cosmos” (MORRISON, 2006, p. 21).
36
mundanos. [...] O conhecimento, como virtude, ilumina as faculdade humanas e o
impele ao bem, levando-o também à felicidade” (CASTILHO, 2012, p. 40-41).
Aristóteles defendia que as metas e objetivos almejados pelos indivíduos
constituíam a instrumentalização para alcançar a felicidade. “A vida humana não é
um fenômeno estático, mas sim um fenômeno ativo – desde o momento em que
nasce, a pessoa luta por tornar-se humana, para viver uma vida plena” (MORRISON,
2006, p. 52). “[...] a busca pela felicidade, que é o sumo bem, que é um fim em si
mesmo, uma virtude perfeita que visa o bem próprio e o bem do outro, sendo
essencial e vital para o homem” (KROHLING, 2011, p. 27). Tudo o que o ser
humano faz e busca são expressões instrumentais para a felicidade e, portanto, para
a plenitude de vida.
Charles Darwin, consagrado pelos estudos acerca da evolução das espécies,
também se debruçou a analisar as expressões emocionais humanas e animais,
destacando que a emoção tem grande relevância para a garantia da vida (dos
animais de modo geral e do homem), individualmente e como espécie. Em sua
dissertação, Carvalho (2005, p. 113) aprofunda o tema, concluindo que “as emoções
desempenham papel tão importante quanto essas três outras faculdades mentais
[instinto, razão e moral] na explanação de Charles Darwin sobre a mente animal e
humana”.
A Bíblia Sagrada utiliza o termo sentimento como sinônimo para compreensão e
percepção (BOYER, 1997, p. 574). A título exemplificativo, no livro de Filipenses,
capítulo 2, versos 2 e 5, respectivamente, “[...] completai o meu gozo, para que
sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo animo, sentindo a mesma coisa” e
“de sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus”, a utilização do verbo sentir e do substantivo sentimento denotam noção de
compartilhamento, entre os indivíduos, das mesmas sensações e impressões de
mundo .
O termo sentimento advém do latim, do verbo sentire (sentir), e está habitualmente
relacionado a questões psicológicas e emocionais. O substantivo masculino
37
sentimento compõe-se da junção do verbo sentir com um sufixo – “mento” –,
definido, gramaticalmente, pela língua portuguesa, como:
[...] 2 Faculdade ou capacidade de sentir, de receber impressões mentais. 3
Sensação psíquica, tal como as paixões, o pesar, a mágoa, o desgosto etc.
4 Disposição para ser facilmente comovido ou impressionado. 5 Emoção
terna ou elevada, tal como o amor, a amizade, o patriotismo. [...] S. interno:
a consciência. (DICIONÁRIO MICHAELIS ON LINE, 2009, grifo do autor)
O vocábulo sentimento tem relação com a percepção das coisas e do mundo pelas
pessoas, com a forma pela qual os acontecimentos quotidianos e rotineiros ou
acidentais e traumáticos afetam os cinco sentidos humanos10 e se fazem perceber
pelo corpo. Os sentimentos, portanto, estão vinculados às sensações e às respostas
do corpo, sejam respostas físicas ou psíquicas, demonstrando a emoção (positiva ou
negativa) do indivíduo em relação a determinado fato ou acontecimento.
Biologicamente, o corpo humano possui sistema sensorial formado por “receptores
sensoriais, estruturas especializadas na percepção de estímulos provenientes do
ambiente (exteroceptores) e do interior do corpo (interoceptores)” (LOPES, 1999, p.
339), que reagem aos mais variados estímulos, como mecânicos, térmicos,
químicos, luminosos, de dor. O sistema nervoso11 é o centro de comando do corpo,
recebendo, processando e interpretando as informações captadas pelos receptores
sensoriais e respondendo aos estímulos.
Fisiologicamente, o sistema nervoso funciona a partir de uma percepção, que é
conduzida a uma região nervosa que a processa, gerando uma resposta ao
estímulo. “O sistema nervoso determina as respostas do corpo a mudanças nos
ambientes interno e externo” (HILDEBRAND, 1995, p. 331). Do ponto de vista
biológico, “a emoção pode ser definida como um conjunto de reações químicas e
neurais subjacentes à organização de certas respostas comportamentais básicas e
necessárias à sobrevivência dos animais” (LENT, 2008, p. 254).
10 Os cincos sentidos clássicos herdados pelos mamíferos são visão, olfato, tato, gustação e audição.
(POUGH, HEISER e MCFARLAND, 1999, p. 663).
11 O sistema nervoso central é formado pelo encéfalo (cérebro, cerebelo e bulbo) e pela medula
espinal. O sistema nervoso periférico é formado pelas terminações nervosas, gânglios e nervos.
(LOPES, 1999, p. 333).
38
Os “sistemas das emoções” – ao menos como vêm sendo entendidos
recentemente – parecem estar organizados em rede; nestas não existem
componentes morfofuncionalmente regulatórios mais pronunciados, ou seja,
todos os elementos exercem papéis regulatórios semelhantes entre si.
Pode-se, então, compreender que tais sistemas dependem da integração de
seus componentes de uma forma complexa, não hierárquica, a qual
necessita ainda ser mais bem explicada. (ESPERIDIÃO-ANTONIO et al,
2008, p. 58)
O sistema sensorial propicia interação do corpo com o ambiente (seja natural,
artificial, cultural ou do trabalho), possibilitando a percepção subjetiva do mundo em
suas diversas nuances e permitindo aos indivíduos a verificação de suas próprias
sensações acerca de seu entorno. Viver é sentir. Desde seu nascimento, o ser
humano experimenta novas sensações e morre com a certeza de não ter vivenciado
todas as sensações existentes.
Psicologicamente, a relação entre estímulo e resposta ainda é mais complexa.
Fatores outros, além dos biológicos, anatômicos e fisiológicos, influenciam
diretamente nas reações emocionais frente aos acontecimentos.
A emoção é uma experiência subjetiva que envolve a pessoa toda, a mente
e o corpo. É uma reação complexa desencadeada por um estímulo ou
pensamento e envolve reações orgânicas e sensações pessoais. É uma
resposta que envolve diferentes componentes, nomeadamente uma reação
observável, uma excitação fisiológica, uma interpretação cognitiva e uma
experiência subjetiva (PINTO, 2001).
Na mesma linha, Lent (2010) assevera que se admitem três grandes utilidades da
emoção: a sobrevivência do indivíduo, a sobrevivência da espécie e a comunicação
social. Socialmente, as emoções cumprem a função de transmitir os sentimentos de
um indivíduo para o outro ou para o grupo, facilitando a interação e o convívio
sociais. Marilena Chauí (2000, p. 7), acerca da atitude filosófica, enfatiza que “são as
crenças e sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência”.
Na área da psiquiatria, emoção remonta a “uma designação genérica que engloba o
sentir (afeto) e a expressão, física e involuntária, desse sentimento. É, pois, um
fenômeno que se passa ao mesmo tempo [...] na mente e no corpo. [...] [mas] é na
expressão física que reside sua essência” (SILVA, 2006, p. 89). Ação e reação
fazem parte da manifestação dos sentimentos.
39
No campo jurídico, alguns autores se propuseram a investigar os fatores
psicológicos como sentimento de justiça, consciência do justo, sentimento jurídico,
ética dos sentimentos, consciência coletiva, convicção jurídica, consciência jurídica,
dentre outros, merecendo destaque o estudo do sentimento constitucional de Pablo
Lucas Verdú.
O autor espanhol Pablo Lucas Verdú, em sua obra “El sentimiento constitucional:
aproximación el estúdio del sentir constitucional como modo de integración
política12, se arvora na seara psicológica para buscar definições como sentimento
(sentir), sensações e consciência e aplicá-las ao Direito, mais precisamente, à teoria
da constituição e ao constitucionalismo.
No contexto contemporâneo em que o positivismo e o normativismo jurídicos
sozinhos são insuficientes para satisfazer a racionalidade do Direito e corresponder
aos anseios da sociedade, se evidenciam teorias – como a de Lucas Verdú – que
buscam a superação da racionalidade positivista pura e conseguem incluir na
ciência jurídica discussões éticas, filosóficas e sociais.
Um intróito necessário trazido com esmero por Pablo Lucas Verdú, a título de alerta,
é que a utilização da terminologia sentimento não diz respeito a emoções volúveis e
sensações voláteis e inconstantes, e sim, a uma relação moral e ética, baseada na
solidariedade e na convivência comum.
Cuando decimos que los valores son aprehendidos por el sentimiento, no
pretendemos comprenderlos como algo emocional, sensitivo, más o menos
pasajero, sino como una dimensión moral que nos enaltece por obedecer a
un impulso ético. No egoísta, ni individualista, sino solidario con los seres
humanos13. (LUCAS VERDÚ, 2009a, p. 125)
Como assevera Lucas Verdú (2004, p. 3):
12 “O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de
integração política”. Tradução nossa.
13 “Quando dizemos que os valores são apreendidos pelo sentimento, não pretendemos compreende-
los como algo emocional, sensitivo, mais ou menos passageiro, senão como uma dimensão moral
que nos enaltece por obedecer a um impulso ético. Não egoísta, nem individualista, senão solidário
com os seres humanos”. Tradução nossa.
40
O momento do sentir jurídico abrirá caminho à medida que toda estimativa
jurídica, antes de ser fundada em argumentos racionais, passe a ser sentida
e vivida. É quando aparece um aspecto emotivo que entra em choque com
o excesso de construções conceituais. (grifo do autor)
O sentir jurídico, que justificou a luta dos povos pela conquista de seus direitos, que
fundamentou as revoluções sociais, que proporcionou a queda de regimes
totalitários, que, ainda nos dias atuais, motiva reivindicações, passeatas, greves,
manifestações, não está previsto na Constituição ou previamente estabelecido em
qualquer norma jurídica. Esta reação não é imposta por lei, obrigatória e coercitiva.
O sentir, filosoficamente considerado, como ensina Ladande (1996, p. 1008), “ter a
consciência de qualquer coisa”, se expressa no mundo do Direito pelo sentir jurídico
que aflora com a consciência coletiva das pessoas. A insurgência dos cidadãos
contra as injustiças e a luta pelos direitos demonstram a existência deste sentir
jurídico. São a ação e a reação sociais constitucionalmente consideradas.
Na área do Direito Constitucional, “a luta pela Constituição tem sido sentida e vivida
muito mais apaixonadamente. Com efeito, a luta pela Constituição frente ao Antigo
Regime, a confrontação absolutismo/liberalismo, [...] foram combates apaixonados e
intensamente vividos” (LUCAS VERDÚ, 2004, p. 3). “O ter (anseios populares
veemente demonstrados) e o estar em (ordenação racional da convivência política)
Constituição foram sentimentos patentes de países que lutaram por independência”
(MOREIRA, 2010a, p. 27, grifo do autor).
O sentir constitucional busca a compatibilização entre as necessidades/anseios
sociais e as normas racionalmente criadas mediante o processo legiferante. As
aspirações dos cidadãos nem sempre são atendidas pelos poderes constituídos,
sendo, portanto, necessária a luta pelos direitos e garantias. Este movimento que
impulsiona os cidadãos a conquistarem seus objetivos é o sentimento jurídico-
constitucional.
Eis a lição de Ignacy Sachs (1998, p. 156):
Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos
direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com
41
barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do
qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em
estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos.
Joaquín Herrera Flores (2002, p. 16) ao analisar a visão complexa dos direitos
humanos e a racionalidade de resistência: “A visão complexa [...] assume a
realidade e a presença de múltiplas vozes, todas com o mesmo direito a expressar-
se, a denunciar, a exigir e a lutar”.
Os direitos humanos não são, unicamente, declarações textuais. Tampouco,
são produtos unívocos de uma cultura determinada. Os direitos humanos
são os meios discursivos, expressivos e normativos que pugnam por
reinserir os seres humanos no circuito de reprodução e manutenção da
vida, permitindo-lhes abrir espaços de luta e de reivindicação. São
processos dinâmicos que permitem a abertura e a conseguinte
consolidação e garantia de espaços de luta, pela particular manifestação da
dignidade humana. (HERRERA FLORES, 2002, p. 18-19)
Os direitos são frutos das lutas e o que leva os cidadãos a saírem de sua inércia
habitual e lutar é o sentimento jurídico-constitucional. Não existiriam direitos sem a
atuação ativa dos indivíduos. Não existiriam mudanças no cenário jurídico dos
Estados sem as reivindicações de seu povo.
Os cidadãos tornam-se órfãos sem as garantias mínimas dos direitos fundamentais.
Da mesma forma, sem a luta pelos direitos, as conquistas sociais não seriam
atingidas. “Não somos nada sem direitos. Os direitos não são nada sem nós”
(HERRERA FLORES, 2002, p.20).
O sentir constitucional vai além da relação cultural entre os indivíduos. Os traços
étnicos e a nacionalidade ficam aquém do sentimento constitucional. Ser parte de
uma nação, por vínculos físicos, culturais e geográficos, é mera consequência da
nacionalidade. Sentir-se parte de uma nação demanda vínculo direto com o
ordenamento jurídico e com os direitos fundamentais.
Jürgen Habermas (2011, p. 283), que trabalha com a ideia de patriotismo
constitucional, ressalta: “A identidade da nação de cidadãos não reside em
características étnico-culturais comuns, porém na prática de pessoas que exercitam
ativamente seus direitos democráticos de participação e de comunicação”.
42
O vínculo de nascimento não torna os cidadãos participantes efetivos da construção
da nação e do sentimento jurídico. O sentir constitucional exsurge com a real
inclusão das pessoas nos processos de participação, nas lutas pelos direitos e nas
conquistas por esses direitos. Os cidadãos individualmente sentem-se parte de um
todo coletivo quando suas aspirações e conquistas são efetivadas na prática pelos
poderes públicos.
Gisele Cittadino (2007, p. 67), sobre o patriotismo constitucional e sua interação com
a cultura e a história, aduz que aquele é “sustentado por princípios que dependem
de uma fundamentação [...] que se orienta por princípios éticos universalmente
válidos como princípios de justiça, igualdade dos direitos humanos e respeito aos
seres humanos [...]”.
O patriotismo constitucional “é uma atitude, uma postura, um esclarecimento cívico,
por meio do qual os cidadãos aceitam as raias da solidariedade social se
resguardam no direito e na Constituição” (BONFIM, 2010, p. 14). O sentir
constitucional cria nos cidadãos a confiança nos preceitos constitucionais, mesmo
quando a Constituição impõe os deveres fundamentais, como garantidores da
igualdade e da justiça.
Mesmo o patriotismo constitucional demanda uma relação dos cidadãos baseada no
sentir jurídico, nos ideais de justo e de justiça, nos valores constitucionalmente
estabelecidos. “A Constituição reconhece os valores superiores do ordenamento
jurídico e os protege [...]” (MORAIS e NASCIMENTO, 2006, p. 10). O sentimento
jurídico reside na confiabilidade dos cidadãos neste reconhecimento e na aplicação
destes valores.
Pablo Lucas Verdú se utiliza da máxima de René Descartes “penso, logo existo”
para concluir que “a Constituição é sentida, logo existe” (LUCAS VERDÚ, 2004, p.
4), relacionando o sentimento constitucional, à efetividade da Constituição, à adesão
dos cidadãos e à norma propriamente dita.
A existência de norma escrita, formal, que cumpra o devido processo legislativo é
indispensável em países que seguem o sistema de tradição romano-germânica da
43
civil law, como é o caso do Brasil. Entretanto, a norma por si só, mesmo que
formalmente perfeita, é insuficiente para criar direitos e deveres que sejam
socialmente aceitos. Apesar de imperativa, a norma, quando não é aceita pelos
cidadãos, perde parte de sua efetividade. O déficit na efetividade das leis, em
especial, da Constituição enfraquece o sentimento jurídico-constitucional.
Jürgen Habermas (2011) corrobora que o patriotismo constitucional é fonte de
legitimidade de toda a estruturação do Poder Constituinte. Bonfim (2010, p. 14)
esclarece que “[...] é necessário estabelecer como prioridade a efetivação dos
direitos humanos e da soberania popular como suportes legítimos do Estado
democrático de Direito”.
O sentir constitucional é o reflexo dos anseios dos cidadãos nas normas jurídicas.
Quando os cidadãos se percebem refletidos na norma, uma vez que seus interesses
foram respeitados e seus direitos fundamentais garantidos, esta norma é legítima e
o sentimento jurídico (ou constitucional) foi alcançado.
Lucas Verdú (2004, p. 5) reitera que “em algumas comunidades o Direito é mais
sentido do que compreendido. A adesão aos mandados jurídicos depende mais do
convencimento intrínseco de que isso é bom para a convivência do que de sua
compreensão ou da ficção normativa”. O sentir constitucional não é expresso na Lei
Maior ou em qualquer outra norma jurídica, não é impositivo ou coator, não
demanda conhecimento jurídico e científico, não é técnico.
O sentir constitucional se expressa na convivência coletiva de uma nação, com
cidadãos que cumprem as leis, que prestam suas obrigações e deveres e que
acreditam na concretização dos direitos e em sua importância para a manutenção da
própria sociedade.
O sentimento constitucional possibilita a interação entre o mundo normativo e o
mundo real, entre o processo legislativo e a efetividade das normas. Os cidadãos
verificam que o cumprimento das normas é benéfico a toda coletividade, assim
encaram a Constituição como norma efetivadora dos direitos no chão da vida.
Outrossim:
44
Graças ao sentimento jurídico, a normatividade jurídica penetra
profundamente na sociedade e sua efetividade é alcançada mais
adequadamente. Não se trata apenas de concluir que a racionalidade
normativa se impõe por causa de suas virtualidades conceituais e formais.
Relacionada com o sentimento jurídico, incorpora-se intensamente à vida
dos cidadãos, que passam a senti-la como algo seu. A heteronomia se
cumpre porque é sentida; produz uma atração que é aceita de bom grado.
(LUCAS VERDÚ, 2004, p. 5)
O sentimento jurídico é a sensação de confiança da sociedade no ordenamento
jurídico vigente. Os cidadãos encaram a ordem jurídica de seu país como justa e
equitativa, garantidora efetiva da igualdade material entre os indivíduos. Quando
esse sentimento se estabelece em relação à Constituição, que traduz a ordem
fundamental de determinada sociedade, há, portanto, o sentimento constitucional.
Elucida Lucas Verdú (2004, p. 69):
Em todo ordenamento jurídico maduro e com certa capacidade de lograr
adesão social, opera um sentimento do Direito [...]. O sentimento jurídico é a
convicção emocional, intimamente vivida por um grupo social, sobre sua
crença na justiça e na eqüidade do ordenamento positivo vigente, que
motiva a adesão em relação a este e o rechaço ante sua transgressão.
Aqui, o sentimento jurídico é uma afecção positiva (adesão ao
ordenamento). (grifo do autor)
O sentimento jurídico cria a sensação de pertencimento ao grupo social que
estabeleceu normas jurídicas vigentes, tidas como justas e adequadas à realidade
histórica vivenciada pelo grupo, proporcionando o respeito a essas normas. A
adesão ao ordenamento jurídico denota coesão social, os cidadãos veem-se
refletidos nas leis criadas e, consequentemente, confiam e acreditam que sua
aplicação trará justiça e paz social.
Como sintetiza Pablo Lucas Verdú (2004, p. 69-70): “Em resumo, o sentimento
jurídico aparece como expressão emotiva do justo e equitativo na convivência. Sua
justificação depende de critérios de solidariedade e bem-estar”. A existência do
sentir jurídico pressupõe a existência de coesão e pertencimento, de um vínculo que
liga os cidadãos e os fazem sentir parte de um todo. Sentir é estar implicado em
algo.
45
Os valores socialmente conquistados e aceitos, em especial, os direitos
fundamentais, são fatores de integração entre os cidadãos, quando realizados no
seio da sociedade. Lênio Luiz Streck (2011, p. 47) assevera que o Estado
Democrático de Direito “tem como questão fundamental a incorporação da efetiva da
questão da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado garantir através do
asseguramento mínimo de condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade”.
A consciência constitucional “[…] es una facultad del hombre, en cuanto ciudadano,
que le permite identificarse con el orden constitucional de su país en la medida que
satisface sus convicciones político-sociales”14 (LUCAS VERDÚ, 1997, p. 62). A
consciência do ter, do estar e do sentir-se em Constituição é necessária à realização
efetiva da ordem constitucional.
Marilena Chauí (2000, p. 431), ao analisar o senso e a consciência moral, adverte
que,
[...] o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça,
honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos
provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso,
contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e a decisões que conduzem a
ações com conseqüências para nós e para os outros. [...] O senso e a
consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções,
decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade.
Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto,
nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva.
O sentimento e a consciência jurídico-constitucionais expressam-se nas atitudes dos
cidadãos para com a sociedade, o Estado e para com os outros. Os valores da
solidariedade, da igualdade e da justiça, dependendo do contexto vivenciado, podem
ser ensejadores da efetividade constitucional ou motivo de sua degradação. Quando
a Constituição é cumprida de modo a atingir tais valores, a efetividade se fortalece.
Entretanto, quando a Constituição é descumprida, menosprezando-se esses valores,
a descrença e a desestima constitucional aumentam.
14 “[...] é uma faculdade do homem, enquanto cidadão, que lhe permite se identificar com a ordem
constitucional de seu país na medida em que satisfaz suas convicções político-sociais”. Tradução
nossa.
46
Como inicialmente foi dito, sentimento se relaciona com sensação e resposta, deste
modo, quando os cidadãos sentem que determinada norma ou determinado ato do
poder público é injusto, reagem de modo contrário à norma ou ao ato. Este binômio
ação e reação, sentir e responder, no âmbito do Direito é o sentimento jurídico-
constitucional.
O sentimento constitucional, como define Lucas Verdú (2004, p. 75),
consiste na adesão interna às normas e instituições fundamentais de um
país, experimentada com intensidade mais ou menos consciente porque
estima-se (sem que seja necessário um conhecimento exato de suas
peculiaridades e funcionamento) que são boas e convenientes para a
integração, manutenção e desenvolvimento de uma justa convivência.
A interação entre ter e estar em Constituição se faz necessária. “A mi entender el
Tener y Estar en Constitución son efectivos cuando operan satisfactoriamente,
apoyándose en principios valorativos, socio políticos y prácticos”15 (LUCAS VERDÚ,
2009b, p. 277).
Toda Constitución si pretende lograr la adhesión sentida de una mayoría
importante de los ciudadanos, ha de contar con una fundamentación
axiológica, es decir con el convencimiento de que sus preceptos se apoyan
en principios éticos universales16. (LUCAS VERDÚ, 2009b, p. 278).
O sentimento constitucional consagra a afeição dos cidadãos pelos valores e
princípios eleitos como indispensáveis pela sociedade para a realização da justiça e,
por isso, expressos na Constituição Federal. Como exemplos destes valores e
princípios mais caros para a sociedade brasileira na Lei Maior de 1988, se destacam
a dignidade da pessoa humana e a cidadania (que são fundamentos da República –
art. 1º, inciso III e II, respectivamente), construção de uma sociedade justa, livre e
solidária, erradicação da pobreza e promoção do bem de todos (que são objetivos
da República – art. 3º, incisos I, III e IV, nesta ordem) e o direito a vida, a liberdade e
a igualdade (que são direitos individuais – art. 5º, caput).
15 “A meu entender o Ter e Estar em Constituição são efetivos quando operam satisfatoriamente,
apoiando-se em princípios valorativos, sócio-políticos e práticos”. Tradução nossa.
16 “Toda Constituição só pretende lograr a adesão sentida de uma maioria importante dos cidadãos,
há de contar com uma fundamentação axiológica, notadamente com o convencimento de que seus
preceitos se apóiam em princípios éticos universais”. Tradução nossa.
47
Como preleciona Moreira (2010a, p. 18): “Na verdade, quando se fala em sentimento
constitucional, fala-se diretamente do sentimento de pertencimento do povo, não de
uma minoria (privilegiada) do povo, mas de todo o povo à Constituição” (grifo do
autor).
Com efeito, a caracterização do sentimento constitucional apresenta um
conteúdo ético, de reconhecimento dos valores fundamentais do indivíduo
frente à arbitrariedade e à injustiça. Ignorar o envolvimento crítico dos
sujeitos destinatários das normas consiste em uma visão reducionista do
procedimento de conformação do ordenamento jurídico. (VIEIRA, 2013, p.
3)
Os teores ético e garantista do sentimento constitucional frente à intervenção estatal
na vida dos cidadãos e na tutela dos direitos fundamentais se estabelecem como
uma armadura protetora contra as mazelas e tiranias do próprio Estado. A reação
dos indivíduos constitucionalmente conscientes é, seguindo as leis da física,
proporcional à ofensa e da mesma intensidade da agressão sofrida. O espectro de
proteção dos valores relevantes torna-se amplo.
Um desses valores expressos na Lei Maior de 1988 e que merece destaque é o
meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225). Em relação à temática
ambiental, o sentimento constitucional é sobremaneira valioso para a efetivação do
direito/dever fundamental ao ambiente salubre e harmônico.
O sentimento constitucional ambiental incorpora à teoria de Pablo Lucas Verdú as
ideias de direito-dever fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
de consciência ambiental, de mudança de postura frente aos problemas ambientais
e de superação das fronteiras nacionais.
O artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil estatui o direito-
dever fundamental ao meio ambiente dotado de equilíbrio ecológico. A garantia ao
ambiente equilibrado é um direito fundamental e a proteção e defesa do meio é
dever de todos.
O incentivo à participação, permanente e responsável, da sociedade na proteção do
meio ambiente é um valor intrínseco ao exercício da cidadania plena. Só se constrói
48
uma sociedade livre, justa e solidária com a união do Poder Público e dos cidadãos,
individual ou coletivamente, em prol da defesa dos valores e princípios basilares
consagrados na Constituição, dentre os quais, a conservação do ambiente.
A conscientização ambiental possibilita aos indivíduos um agir reflexivo, ético e ativo
para transformação da realidade destrutiva do meio natural, construindo a cidadania
ambiental e efetivando os valores e princípios de conservação do ambiente
expressos na Constituição de 1988, transformando o atual contexto de
ressentimento e descrença constitucional em uma conjuntura de estima e confiança
na Lei Maior, com a construção do sentimento constitucional ambiental brasileiro e a
efetiva preservação do ambiente.
Tendo em vista que os danos ambientais não respeitam limites territoriais, impõe-se
a transcendência do conceito clássico de Estado com a delimitação exata de um
território. As fronteiras transnacionais perdem a força quando as questões
ambientais são trazidas à baila. Como esclarece Habermas (2011, p. 280-281), “a
dissolução das chaves semânticas que definem a cidadania e a identidade nacional
corresponde ao fato de que a forma clássica do Estado nacional se encontra hoje
em dissolução”.
Destarte, o sentimento constitucional ambiental também não se fixa precipuamente
ao território brasileiro, e sim ao meio ambiente como um todo e sua relevância para
a manutenção do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida. A proteção da floresta
Amazônica é responsabilidade e preocupação dos brasileiros, entretanto, a
Amazônia adentra nas fronteiras do outros países.
A transnacionalidade de um ecossistema não impede que o sentimento
constitucional ambiental exista quanto a ele. O meio ambiente deve ser encarado
como um todo (holismo ambiental) e sua defesa como dever de todos.
Notoriamente, quanto mais próximo do sistema natural o cidadão estiver, mais se
sentirá parte daquela comunidade biótica e, por isso, com maior facilidade, se
sentirá impelido a defendê-lo.
49
Para analisarem-se as questões atinentes ao sentimento constitucional brasileiro na
seara ambiental é imprescindível discutir, brevemente, a temática “meio ambiente” e
sua construção dentro da história do constitucionalismo no Brasil, destacando o
influxo das normas internacionais.
50
2 A TEMÁTICA AMBIENTAL NA HISTÓRIA JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: UMA BREVE ANÁLISE
Neste capítulo objetivou-se analisar as principais influências legislativas, inclusive
internacionais, na construção da história jurídico-constitucional ambiental brasileira e
correlacioná-las aos paradigmas estudados no segundo sub-capítulo do primeiro
capítulo.
Desde o ano de 1500 (d.C), quando as terras americanas a oeste e ao sul da
Europa foram encontradas por Portugal e Espanha, e o atual território do Brasil, até
então dos indígenas, foi desvelado para os europeus, já havia regulamentação
portuguesa para algumas práticas voltadas às questões ambientais. Com a
formação da colônia as normas portuguesas começaram a viger no Brasil.
De 1500 até 1988 um longo caminho foi percorrido pelo ordenamento jurídico-
constitucional do Brasil para implementação do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Os principais documentos jurídicos que surgiram no
Brasil ou que inspiraram a legislação brasileira, em especial que guiaram a
Constituição da República Federativa de 1988 na temática ambiental, serão
trabalhados neste capítulo.
Com o avanço exploratório europeu para além mar, no ano de 1500 os navios
portugueses desembarcam em terra brasilis e proclamaram ao mundo seu
“descobrimento”. O Brasil, outrora habitado apenas pelos povos nativos, torna-se
colônia de exploração de Portugal.
A riqueza natural exuberante foi o primeiro indicativo de que as “novas” terras
poderiam gerar vultosos lucros. E um dos primeiros recursos naturais explorados foi
o pau-brasil (gênero Caesalpinia), árvore endêmica da Mata Atlântica, cuja madeira
de qualidade é transformada em móveis e o extrato em tinta vermelha para
indústrias têxteis de alta costura. O batismo da colônia, anteriormente denominada
51
Terra de Santa Cruz, adveio da abundância da arvora à época, que impressionou os
europeus.
Em 1605, com a atividade exploratória do pau-brasil incessante por mais de 100
anos e a espécie à beira da extinção, a Coroa portuguesa expediu o Regimento do
Pau-Brasil, visando à conservação da árvore, tendo em vista os prejuízos sofridos
pela coroa com a ausência de regulamentação.
Eu Ei-rei. Faço saber aos que este Meu Regimento virem, que sendo
informado das muitas desordens que lia no certão do páo brasil, e na
conservação delle, de que se tem seguido haver hoje muita falta, e ir-
se buscar muitas legoas pelo certão dentro, cada vez será o damno
mayor se se não atalhar, e der nisso a Ordem conveniente, e
necessaria, como em cousa de tanta importancia para a Minha
Real Fazenda, tomando informações de pessoas de experiência das
partes do Brasil, e comunicando-as com as do Meu Conselho, Mandei
fazer este Regimento, que Hei por bem, e Mando se guarde daqui em
diante inviolavelmente. (REGIMENTO..., 1605, grifo nosso)
Eis o primeiro exemplo da fase econômica de proteção do meio ambiente na história
do Brasil. A Coroa determinou a proteção do pau-brasil com escopo apenas de
garantir a exploração futura e os lucros advindos desta exploração. A licença para
corte da espécie se tornou obrigatória, para que os tributos fossem devidamente
exigidos pela Metrópole, sob pena de confisco da propriedade e, pasme-se, pena de
morte.
Parágrafo 1. Primeiramente Hei por bem, e Mando, que nenhuma
pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito páo brasil, por si, ou
seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do
Provedor mór de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em
cujo destricto estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o
contrário fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de toda
sua fazenda. (REGIMENTO..., 1605, grifo nosso)
Em 1760, com a expedição de Alvará de 9 de julho, institui-se a proibição do corte
de árvores em mangues (ALVARÁ..., 1760). Os moradores do entorno
comercializavam os produtos vegetais obtendo lucro sem repasse à Coroa. A
madeira das árvores era vendida para lenha por um preço irrisório, mas a casca era
utilizada em curtumes para fabricação de solados de sapatos, gerando renda
considerável e isenta de tributação, fato que ocasionou a proibição da destruição
52
dos manguezais. Outro exemplo de proteção ambiental com intuito de lucro pela
Metrópole.
O paradigma antropocêntrico, desde os primórdios da história brasileira, revela-se
arraigado e demonstra consequências negativas ao ambiente. “O Direito é produzido
por humanos e voltado para os seus valores. Assim, [...] é compreensível que o
ambiente ainda fique, na esfera jurídica, refém das necessidades de ordem
econômica” (LEITE, 2012, p. 166).
O aspecto econômico é excessivamente valorizado nas sociedades ocidentais
desde há muito tempo. Na relação entre a metrópole portuguesa e a colônia
brasileira, reitere-se, colônia de exploração, não foi diferente. O intuito de lucro foi o
guia das interações entre ambas, em especial, com os recursos naturais abundantes
que a colônia tinha a oferecer à metrópole.
Com os triunfos de Napoleão Bonaparte em sua empreitada de dominação da
Europa, os problemas com a Inglaterra e a iminente invasão do território de Portugal,
em 1808 a Corte portuguesa transfere-se para o Brasil. Dom João VI, príncipe
regente, liberou o comércio brasileiro, na chamada “abertura dos portos às nações
amigas”, que foi um dos primeiros indícios da crise colonial.
Com a Carta de Lei 16 de dezembro de 1815, o Brasil alça ao status de Reino Unido
de Portugal. Em 1822, com a proclamação da Independência torna-se Império. Em
1824, a comissão nomeada por D. Pedro I elaborou a Constituição, que “foi então
outorgada, imposta por D. Pedro I e, apesar de críticas contundentes em todas as
províncias acabou por ser assimilada por imposição” (CASTRO, 2007, p. 354).
A Carta de 1824, primeira Constituição brasileira não tratou da temática ambiental.
Só em 1830, com o Código Criminal, que a questão ambiental reaparece, mesmo
que secundariamente. Como afirma Sirvinskas (2009, p. 27), “[...] o Código Criminal
de 1830, na Monarquia, previa o crime de corte ilegal de árvores [...]”. Os artigos 178
e 257, que tratam, respectivamente, da destruição ou causação de danos a
construções, monumentos e bens públicos e do furto (dos crimes contra a
propriedade), in verbis:
53
Art. 178. Destruir, abater, mutilar, ou damnificar monunentos, edificios, bens
publicos, ou quaesquer outros objectos destinados á utilidade, decoração,
eu recreio publico.
Penas - de prisão com trabalho por dous mezes a quatro annos, e de multa
de cinco a vinte por cento do valor do damno causado.
[...]
FURTO
Art. 257. Tirar a cousa alheia contra a vontade de seu dono, para si, ou para
outro.
Penas - de prisão com trabalho por dous mezes a quatro annos, e de multa
de cinco a vinte por cento do valor furtado (BRASIL, 1830).
No ano de 1850, Dom Pedro II edita a lei nº 601, de 18 de setembro (BRASIL, 1850),
que tratou sobre as terras devolutas do Império. Em 1862, o Imperador determinou o
replantio da floresta da Tijuca, trabalho que durou até 1888, com o intuito de
“recuperação dos mananciais hídricos” (LIMA, 2007, p. 14).
A Proclamação da República ocorre em 1889 e em 1891 a Constituição foi
promulgada. O tema meio ambiente continua silente no texto constitucional brasileiro
até porque a Constituição de 1891 é “a encarnação, em texto legal, da teoria liberal
na sua pureza. Importaram-se dos Estados Unidos as instituições e os valores do
liberalismo político [...]” (SARMENTO, 2010, p. 20).
No ano de 1911, por meio de Decreto nº 8843, de 16 de junho, criou-se a primeira
reserva florestal no Brasil, na região do Acre, a Floresta Estadual do Antimari
(FUNTAC, 2008). Em 1916, com o advento do Código Civil, a questão ambiental
toma maiores proporções legislativas, ainda que indiretamente. A proteção do
Código civilista é meramente individualista e pautada no direito de propriedade. O
direito civil tutela o meio ambiente como forma de garantia e manutenção da
propriedade privada.
Com o advento da Constituição de 1934, a questão ambiental resumiu-se as
definições de competência da União e titularidade do subsolo e quedas d’água,
“objetivando a racionalização econômica das atividades e não a defesa ambiental”
(SÉGUIN e CARRERA, 2001, p. 37). As respectivas previsões estão nos artigos 5º
(Organização Federal – disposições preliminares) e 118 (Da ordem econômica e
social):
54
Art 5º - Compete privativamente à União:
[...]
XIX - legislar sobre:
[...]
j) bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,
águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração;
[...]
§ 3º - [...] A competência federal para legislar sobre [...] riquezas do subsolo,
mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca,
e a sua exploração não exclui a legislação estadual supletiva ou
complementar sobre as mesmas matérias. As leis estaduais, nestes casos,
poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir as lacunas ou
deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta.
[...]
Art 118 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas
d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de
exploração ou aproveitamento industrial (BRASIL, 1934a).
A visão econômica e estritamente voltada para o estabelecimento das competências
federais presentes na Constituição de 1934 não foi em vão. “De alguma forma, a CF
de 1934 estimulou o desenvolvimento de uma legislação infraconstitucional que se
preocupou com a proteção do meio ambiente, dentro de uma abordagem de
conservação de recursos econômicos” (ANTUNES, 2011, p. 59).
Ainda no ano de 1934, foram decretados o Código Florestal (Decreto nº 23.793 –
BRASIL, 1934b), o Código de Minas (Decreto nº 24.642 – BRASIL, 1934c) e o
Código de Águas (Decreto nº 24.643 – BRASIL, 1934d). Segundo Menarin (2010, p.
328) o Museu Nacional do Rio de Janeiro, ofereceu “apoio e infra-estrutura para a
realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, realizada
entre os dias 08 e 15 de abril de 1934”. O evento destacou-se pelas “duas formas de
valorização da natureza que o permearam: o mundo natural como recurso
econômico a ser usufruído racionalmente e o seu culto e fruição estética”
(MENARIN, 2010, p. 328).
No dia 14 de junho de 1937 foi criada a primeira Unidade de Conservação brasileira,
o Parque Nacional do Itatiaia. Em 30 de novembro foi criada a legislação pertinente
ao tombamento no Brasil (Decreto nº 25), com o fito de proteger os patrimônios
histórico, artístico e cultural. Como expressa o artigo 1º:
Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens
móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
55
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico (BRASIL, 1937).
O Decreto nº 25 não trabalhou com a expressão “meio ambiente”. Mas, com as
construções doutrinárias futuras (em especial com a contribuição do jurista José
Afonso da Silva, precursor no Brasil da ideia ampliada de ambiente), em que o meio
ambiente cultural e o meio ambiente artificial fazem parte dos estudos ambientais, o
decreto foi um modesto avanço.
Enfatiza Raul Machado Horta (2002, p. 271) que “no período republicano o tema
ambiental se confundia com a autorização conferida à União para legislar sobre
defesa e proteção da saúde ou com a proteção aos monumentos históricos,
artísticos e naturais, às paisagens [...]”.
A Constituição de 1946 “buscou conciliar liberalismo e democracia com o Estado
Social” (SARMENTO, 2010, p. 49). Uadi Lammêgo Bulos (2012, p. 493) detalha os
tópicos elementares desta Lei, destacando-se a determinação de que “a ordem
econômica fosse organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a
liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”.
A proteção ambiental continuou secundária e voltada para a satisfação das
necessidades humanas economicamente consideradas. A visão utilitarista do
ambiente e a centralização das preocupações ambientais na figura humana
mantêm-se inabaladas. O tratamento constitucional do ambiente perdurou inserido
nos bens e competências da União.
Carla Amado Gomes (2012, p. 15) ressalta que “no final dos anos de 1960, falecia a
crença na Natureza como fonte de utilidades perpétuas e nascia um foco de
preocupação que não mais abandonaria a agenda política, interna e internacional”.
Acontecimentos (como publicações de obras ambientalistas), eventos (como o Clube
de Roma) e tragédias (como a contaminação por mercúrio da Baia de Minamata no
Japão e o naufrágio do petroleiro Torrey Canyon) ambientais iniciaram o chamado
“despertar da era ecológica”.
56
No ano de 1964 é editado o Estatuto da Terra, pela lei nº 4.504, regulamentando a
Reforma Agrária e a Política Agrícola brasileiras. A Constituição de 1946 já trazia a
possibilidade de desapropriação por interesse social, mas com o Estatuto da Terra,
criou-se a definição de função social da propriedade, com os requisitos cumulativos,
vinculando-se à proteção do meio ambiente. O artigo 2º prescreve:
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de aces so à propriedade da
terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralment e a sua função social
quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho
entre os que a possuem e a cultivem (BRASIL, 1964, grifo nosso).
O novo Código Florestal de 1965, instituído pela lei nº 4.771, foi uma das leis mais
importantes na história ambiental brasileira antes de 1988, tanto que vigeu até 2012,
quando foi revogado pela lei nº 12.651. O Código Florestal estabeleceu as áreas de
reserva legal e de preservação permanente demonstrando a preocupação com a
manutenção dos recursos naturais, principalmente a biodiversidade e os recursos
hídricos.
Exemplificativamente, o artigo 1º do Código, ao conceituar área de preservação
permanente e reserva legal, relaciona a proteção dessas áreas com a conservação
ambiental, a preservação dos recursos, inclusive a variabilidade genética das
espécies animais e vegetais, a proteção da biodiversidade e das populações nativas,
a manutenção dos processos ecológicos e do equilíbrio ambiental. É a previsão do
artigo 1º, § 2o, incisos II e III:
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por:
[...]
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o
e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo
e assegurar o bem-estar das populações humanas;
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse
rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos
processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e
proteção de fauna e flora nativas; (BRASIL, 1965)
57
A Constituição de 1967 permaneceu silente em relação à tutela específica do
ambiente, mantendo as previsões anteriores pertinentes à União. Ainda em 1967, a
lei nº 5.197 e o decreto-lei nº 221, estabeleceram, respectivamente, os Códigos de
Caça e de Pesca, com a proteção da fauna silvestre e da ictiofauna. A proibição do
artigo 1º da lei nº 5.197/67 estabelece-se, principalmente, pela propriedade das
espécies, que é do Estado.
Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu
desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a
fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são
propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição,
destruição, caça ou apanha (BRASIL, 1967).
O utilitarismo é evidente pela proibição das condutas de utilizar, perseguir, destruir,
caçar e apanhar. Como são “bens públicos”, se houver qualquer lesão à fauna
silvestre, haverá prejuízo patrimonial estatal. Não são condutas proibidas, por
exemplo, maltratar ou exercer crueldade. A proteção ambiental antropocêntrica
fundada nos interesses econômicos continua.
No ano de 1968 foi criado o Clube de Roma, formado por “cientistas, economistas,
políticos, diplomatas, académicos, [...] um think tank preocupado com o futuro da
Humanidade” (GOMES, 2012, p. 16). “O objetivo específico de fomentar consciência
a longo prazo nos líderes mundiais e nos responsáveis em tomar decisões relativas
à delicada interação entre o desenvolvimento económico humano e a fragilidade do
planeta foi cumprido” (THE CLUB OF ROME, 1968).
O Clube de Roma contribuiu para a criação de Ministério do Ambiente em inúmeros
países. Em 1972, o primeiro relatório do Clube foi divulgado, “The limits to Growth”
(“Os limites para o crescimento”), que “vendeu mais de 12 milhões de cópias em 30
línguas ao redor do mundo” (THE CLUB OF ROME, 1968). Este relatório “traçava
um futuro apocalíptico caso não fossem travados os limites de crescimento em
quatro factores: população, industrialização, poluição e esgotamento dos recursos
naturais” (GOMES, 2012, p. 16).
58
Em 1972, um grande marco mundial na tutela do meio ambiente foi a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo. “Algumas
pessoas, já preocupadas e conscientes das limitações do planeta Terra, passaram,
de formas variadas, a exteriorizar seu inconformismo” (FREITAS, 2002, p. 21). As
iniciativas advindas da Conferência maximizaram o processo de conscientização
ambiental.
A Conferência de Estocolmo gerou como fruto a Declaração de Estocolmo, que é o
“primeiro documento internacional de vulto que firmou vinte e seis princípios na área
ambiental” (BULOS, 2012, p. 1598). Proclama a referida Declaração:
1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o
cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para
desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e
tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa
em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem
adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala
sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente
humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem
e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida
mesma (ONU, 1972).
A Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano inspirou a
legislação brasileira, inclusive a Constituição de 1988, ao declarar a
indispensabilidade do ambiente para a garantia dos direitos fundamentais, em
especial, para manutenção e qualidade de vida, a responsabilidade de todos
(Poderes Públicos, instituições e empresas privadas, comunidades e cidadãos) pela
proteção ambiental (item 7) e solidariedade com as presentes e futuras gerações
(item 6).
A tutela ambiental, a partir da Declaração de 1972, “assumiu dimensão internacional
irrefreável” (BULOS, 2012, p. 1598). Ademais, reconheceu a condição de
vulnerabilidade do ambiente frente às ameaças humanas. Por exemplo, no item 6:
Chegamos a um momento da história em que devemos orientar nossos atos
em todo o mundo com particular atenção às conseqüências que podem ter
para o meio ambiente. Por ignorância ou indiferença, podemos causar
danos imensos e irreparáveis ao meio ambiente da terra do qual dependem
nossa vida e nosso bem-estar (ONU, 1972).
59
No ano de 1975 foi editado o Decreto-lei nº 1.413, “que pode ser considerado o
primeiro diploma legal brasileiro de objetiva proteção ambiental” (FREITAS, 2002, p.
23). O decreto trata do controle da poluição do ambiente por atividades industriais e
dispõe em seu artigo 1º: “As indústrias instaladas ou a se instalarem em território
nacional são obrigadas a promover as medidas necessárias a prevenir ou corrigir os
inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente”
(BRASIL, 1975).
Somente em 1981, com o advento da Política Nacional do Meio Ambiente, pela lei nº
6.938, que, efetivamente, houve o primeiro grande abalo ao paradigma
antropocêntrico no Brasil. Sirvinskas (2009, p. 26) assevera que deu-se “ensejo à
fase holística, que consistia em proteger de maneira integral o meio ambiente por
meio de um sistema ecológico integrado”.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi o pontapé inicial da vida pública do
Brasil na regulamentação da tutela do ambiente, principalmente, pelo pioneirismo no
estabelecimento de uma política pública de longo prazo, em contraposição às
iniciativas isoladas e momentâneas outrora verificadas no país.
Acerca da lei nº 6.938/81, oportuna a constatação de Édis Milaré (2009, p. 405):
Sua implementação, seus resultados, assim como a estabilidade e a
efetividade que ela denota, constituem um sopro renovador e, mais ainda,
um salto de qualidade na vida pública brasileira. Seus objetivos nitidamente
sociais e a solidariedade com o planeta Terra, que, mesmo implicitamente,
se acham inscritos em seu texto, fazem dela um instrumento legal de
grandíssimo valor para o País e, de alguma forma, para outras nações sul-
americanas com as quais o Brasil tem extensas fronteiras.
A Política Nacional do Meio Ambiente instaura no Brasil um momento de alteração
de foco das políticas ambientais: o homem deixa de ser o centro das atenções
ambientais e a vida em todas as suas formas torna-se o núcleo da tutela ambiental.
As questões meramente econômicas e sanitárias perdem espaço para as questões
eminentemente ambientais.
No ano de 1987 foi publicado o Relatório Brundtland, também conhecido como
“Nosso Futuro Comum” (“Our Common Future”), elaborado pela Comissão Mundial
60
de Meio Ambiente e Desenvolvimento. “Este documento, lúcido e extenso, resume
as colocações que vinham sendo elaboradas a respeito do assunto
[desenvolvimento sustentável]” (MILARÉ, 2009, p. 84).
Os temas levantados por “Nosso Futuro Comum” como sustentabilidade, produção,
consumismo, desenvolvimento, economia global, riscos, população, crise, ecologia,
energia foram sobremaneira relevantes no fortalecimento das discussões da
proteção ambiental mundial e brasileira.
O paradigma antropocêntrico ainda não foi superado, mas sua versão pura (radical)
já foi reduzida, assumindo uma vertente mais equilibrada, o chamado
antropocentrismo mitigado. A vinculação entre os cuidados com o ambiente e a vida
humana continua intacta. Entretanto, outras questões entram nas pautas de
discussão como os direitos sociais, a qualidade de vida e a dignidade.
Preceitua o “Our Common Future” sobre o conceito de desenvolvimento sustentável
(item I):
4 The satisfaction of human needs and aspirations in the major objective of
development. The essential needs of vast numbers of people in developing
countries for food, clothing, shelter, jobs - are not being met, and beyond
their basic needs these people have legitimate aspirations for an improved
quality of life. A world in which poverty and inequity are endemic will always
be prone to ecological and other crises. Sustainable development requires
meeting the basic needs of all and extending to all the opportunity to satisfy
their aspirations for a better life17 (ONU, 1987).
Em 1988, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil foi o
grande marco do constitucionalismo brasileiro. Uma Lei democrática e cidadã,
voltada para a construção de uma sociedade justa, solidária e livre. Na seara
ambiental: “[...] a primeira Constituição brasileira a positivar o meio ambiente foi a de
17 “4 A satisfação das necessidades e aspirações humanas são o principal objetivo do
desenvolvimento. As necessidades essenciais de um grande número de pessoas em países em
desenvolvimento para alimentação, vestuário, habitação, emprego - não estão sendo atendidas, e
além de suas necessidades básicas essas pessoas têm aspirações legítimas de uma melhor
qualidade de vida. Um mundo em que a pobreza e a desigualdade são endêmicas será sempre
propenso a crises ecológicas e outras crises. O desenvolvimento sustentável exige satisfação das
necessidades básicas de todos e estende a todos a oportunidade de satisfazer as suas aspirações
para uma vida melhor”. Tradução nossa.
61
1988, prescrevendo normas avançadíssimas e adotando técnica de notável
amplitude e de reconhecida atualidade” (BULOS, 2012, p. 1598).
No ano de 1992 aconteceu a Conferência das Nações Unidas em Meio Ambiente e
Desenvolvimento do Rio de Janeiro, mais conhecida como Eco-92, que foi um marco
na história ambiental mundial. Vinte anos depois, em 2012, ocorre a Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável a Rio+20, em que se
reafirmaram as preocupações com a sustentabilidade.
Em fins da década de 90, mais precisamente no ano de 1999, o Poder Legislativo
brasileiro editou a Lei nº 9795, de 27 de abril, que dispõe sobre a Educação
Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. O referido diploma
legal esclarece que a Educação Ambiental configura-se como processos por meio
dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente.
Outrossim, a lei nº 9795/99 estabelece a responsabilidade de distintas instituições na
proteção do meio ambiente e na promoção da educação ambiental. Sintetiza Abreu
(2008, p. 05):
[...] responsabilidade do Poder Público no engajamento da sociedade na
conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; das Instituições
de Ensino em promover a educação ambiental de maneira integrada aos
programas educacionais que desenvolvem; dos Meios de Comunicação
em colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de
informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a
dimensão ambiental em sua programação; da Sociedade em geral em
manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades
que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a
identificação e a solução de problemas ambientais. (grifo do autor)
Um dos objetivos fundamentais da Educação Ambiental é o incentivo à participação
individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do
meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania. Tal objetivo é alcançado quando diferentes
setores e instituições priorizam a temática ambiental.
62
Apenas será possível a concepção da ideia de preservação dos componentes
ambientais para as gerações futuras se o ser humano passar a ter uma consciência
pública em relação ao ambiente e uma das formas de se adquirir essa
conscientização é a educação ambiental (RODRIGUES, 2005, p. 262).
Assevera Dias (2000, p.100) que educação ambiental é “um processo por meio do
qual as pessoas apreendam (sic) como funciona o ambiente, como dependemos
dele, como o afetamos e como provemos a sua sustentabilidade”. Ainda traz a lume
as principais pretensões da Educação Ambiental, quais sejam desenvolver nos
indivíduos conhecimentos, compreensões, habilidades e motivações para que a
sociedade adquira os valores, mentalidades e as atitudes necessárias para trabalhar
com as problemáticas ambientais e encontrar soluções sustentáveis.
Enfim, a educação ambiental proporciona que os indivíduos vislumbrem os
problemas socioambientais de forma diferenciada, não mais encarando o patrimônio
natural com uma mercadoria, e sim, atuando, individual e coletivamente, para intervir
na sociedade de modo a criar novos modelos, novos padrões, novos valores que
priorizem a proteção do meio ambiente. Carvalho (2004, p. 156-157) aduz que a
educação ambiental crítica tem a “intenção de contribuir para uma mudança de
valores e atitudes, formando um sujeito ecológico capaz de identificar e
problematizar as questões socioambientais e agir sobre elas”.
A educação ambiental objetiva despertar em toda a sociedade a consciência de que
o ser humano é parte integrante do meio ambiente. Tal princípio constitucional busca
incessantemente a superação da visão antropocêntrica, que fez com que o homem
se sentisse sempre o centro de tudo, esquecendo-se da importância da natureza, da
qual é parte integrante e dependente.
Portanto, para que haja consciência ecológica efetiva com a modificação dos
paradigmas atuais da degradação ambiental e do consumismo é imprescindível a
atuação de uma educação ambiental crítica e inovadora, e não a versão ingênua
presente em discursos “ecologicamente corretos”, mas sem aplicação prática com
efetividade e eficiência.
63
Em 1998, foi editada a Lei nº 9.605, a Lei de Crimes Ambientais, que tipificou,
especificamente, os crimes contra o meio ambiente. “Indubitavelmente, o maior
mérito da Lei 9.605/98 está em ter aglutinado e sistematizado a quase totalidade das
disposições relativas ao tratamento criminal das condutas lesivas ao meio ambiente”
(FURLAN e FRACALOSSI, 2010, p. 412).
No ano de 2012, o Código Florestal, antiga Lei nº 4.771/65, foi revogado pela Lei nº
12.651/12, após polêmica e controvérsia. O antigo Código, em vigor desde 1965,
não atendia mais aos anseios da complexa relação ser humano-natureza do
contexto contemporâneo.
Os principais avanços trazidos pela Constituição de 1988, que a tornam “um
documento essencialmente ambientalista” (BULOS, 2012, p. 1598) e um divisor de
águas na história jurídico-constitucional ambiental brasileira serão analisados no
próximo capítulo.
64
3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
AMBIENTAL: UMA NOVA CONCEPÇÃO DA PROTEÇÃO DO MEIO
AMBIENTE
No terceiro e derradeiro capítulo, trabalhar-se-á com a ideia inovadora do sentimento
constitucional ambiental e sua construção no Brasil. O sentir constitucional em sua
vertente ambiental carece de estudos científicos, o que torna esta análise
imprescindível para a definição de uma nova postura do ser humano em sua relação
com a natureza, especialmente no Brasil, que é uma nação rica em recursos
naturais e biodiversidade.
O Brasil se destaca mundialmente como um país notadamente rico em recursos
naturais e com uma natureza exuberante e, por isso, tem papel primordial na
preservação do meio ambiente e na minimização dos riscos e da crise ambiental.
Como diria a famosa música de Jorge Ben Jor (1969): “moro num país tropical,
abençoado por Deus e bonito por natureza”.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco no constitucionalismo brasileiro,
primordialmente, na seara ambiental. Temas inovadores foram inseridos em seu
texto, destacando-se o direito-dever fundamental de proteção do ambiente e
manutenção do equilíbrio ambiental para garantia da qualidade de vida dos seres
humanos e das demais espécies.
No primeiro capítulo foram trazidos os conceitos introdutórios e gerais do sentimento
jurídico-constitucional. Cabendo a análise do ressentimento constitucional e do
problema da efetividade da Constituição (e de sua força normativa) como fator para
construção do sentir constitucional ambiental brasileiro ao terceiro capítulo.
E por último, para complementar a crise dos paradigmas antropocêntrico e bio-
ecocêntrico, a apreciação da nova concepção da interação ser humano e meio
natural, o holismo ambiental. O paradigma holístico, que engloba a visão sistêmica
do ambiente e apresenta a ecologia profunda (deep ecology) como base teórica,
65
propõe a inclusão dos seres humanos nas preocupações ambientais, não como
protagonistas, mas como espécie. Esta nova postura diante dos problemas do
ambiente é mister a concretização do sentimento constitucional ambiental no Brasil.
3.1 O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, foi um
marco na história jurídico-ambiental brasileira. Nenhuma outra Lei Maior trouxe em
seu bojo um capítulo específico pertinente à tutela do meio ambiente. Dentro do
Título VIII – Da Ordem Social, o Capítulo VI – Do Meio Ambiente, em seu único
artigo – 225 – apresentou um grande avanço nas preocupações do Brasil com o
ambiente. O texto constitucional, no que se refere à temática ambiental, foi motivo,
inclusive, de comentários elogiosos internacionalmente.
Dentre os avanços trazidos pela Constituição da República destaca-se que a Carta
de 1988 se afastou do paradigma estritamente antropocêntrico e ultrapassou a
concepção de dignidade como condição limitada à vida humana, “o constituinte
concebeu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito de todos e
requisitos essencial à sadia qualidade de vida” (LEITE e FERREIRA, 2010, p.10).
Eis a dicção do artigo 225:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;18 (BRASIL, 1988)
18 Continua o artigo 225:
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
66
O artigo 225 abarcou um amplo rol de temas em grande completude, que vão desde
a instituição do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do dever
fundamental de proteção do mesmo, à tutela dos processos ecológicos, do
patrimônio genético e dos biomas e também incluiu a obrigatoriedade dos estudos
prévios de impacto ambiental, instituiu os princípios da prevenção, da precaução e
da educação ambiental e tratou da exploração dos recursos minerais, da instalação
de usinas nucleares e da responsabilidade ambiental (civil, administrativa e penal),
dentre outros assuntos.
Já em seu artigo 1º, caput, a Constituição de 1988 estabelece que a República
Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, fundamentando-
se, enfaticamente, na dignidade humana e na cidadania. Com isso, valores
relevantes como igualdade, solidariedade, qualidade de vida e justiça foram
privilegiados.
O Estado Democrático de Direito “ao mesmo tempo em que se tem a permanência
em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pela
questão da igualdade” (MORAIS, 2002, p. 38). “A partir do Estado Democrático de
Direito sugerido pelo texto constitucional, a cidadania no Brasil deve ser
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado,
de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense
e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos
naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal,
sem o que não poderão ser instaladas.
67
reestruturada [...], [com] a melhoria das condições sociais [...]” (MOREIRA, 2010b, p.
213).
O Brasil destaca-se como uma nação notoriamente desigual, marcada pelo abismo
econômico e social entre as classes e pela pobreza. Como afirmam Barros,
Henriques e Mendonça (2000, p. 123) em seu estudo: “Um país desigual, exposto ao
desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social que exclui parte
significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e
cidadania”.
A cidadania plena engloba não apenas a realização dos direitos políticos e
individuais, mas e, principalmente, a efetivação dos direitos sociais e ambientais. As
exclusões social e ambiental marcham próximas, por isso, tanto os problemas
sociais quanto ambientais condicionam o exercício da cidadania no Brasil.
Os brasileiros que, apesar de serem detentores de título de eleitor e exercerem seus
direitos políticos, por exemplo, com o voto, vivem em condições sub-humanas não
praticam a cidadania em sua plenitude. Os indivíduos que têm fome, sede, que
morrem nas filas dos hospitais, que vivem em lixões, enfim, que padecem com o
descaso do Estado, não são cidadãos plenos. Estes brasileiros excluídos constituem
apenas uma grande massa para manobras políticas, nos dizeres de Peter Sloterdijk
(2002, p. 22) um “pretume de gente”.
Cabe ao Estado Democrático de Direito retomar a cidadania destes indivíduos, que,
furtivamente, lhes foi roubada ao longo da história do Brasil. A concretização dos
valores da Lei Maior na realidade hodierna plural, complexa e desigual é árdua
tarefa, mas, imprescindível à construção de uma sociedade justa, solidária e livre e à
concretização do sentimento constitucional.
Lênio Luiz Streck (2011, p. 47) assevera que o Estado Democrático de Direito “tem
como questão fundamental a incorporação da efetiva da questão da igualdade como
um conteúdo próprio a ser buscado garantir através do asseguramento mínimo de
condições mínimas de vida ao cidadão e á comunidade”. Desta forma, “a lei passa a
ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado”.
68
O Estado Democrático de Direito mantém a garantia das liberdades individuais,
direitos políticos e sociais, ampliando a proteção para os direitos difusos, em
especial os que se relacionam com o destino da humanidade e com as futuras
gerações, destacando-se a proteção do meio ambiente.
Ao Estado, em sua atuação, cumpre defender os direitos e garantias fundamentais
em toda sua extensão, priorizando a dignidade humana e a qualidade de vida. “O
paradigma do estado democrático de direito surge como caminho diferente, por
sustentar mote inclusivo, ao sorver, em uma mesma proposta, as bandeiras liberais
e sociais, que atuam como estratégias de ação” (COURA e FONSECA, 2013).
Eis a constatação de Ney de Barros Bello Filho (2006, p. 31): “O Estado e todo o
sistema constitucional apóiam-se em uma teia de princípios e em uma cadeia de
valores acerca dos quais houve opção do constituinte. Um destes valores -
convertidos em princípios - é o da dignidade da pessoa humana”.
À luz do Estado Democrático de Direito, o autor português José Joaquim Gomes
Canotilho construiu a ideia do Estado Constitucional Ecológico (denominado, por
alguns autores, de Estado de Direito Ambiental), tecendo as seguintes
considerações:
(1) o Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de Direito
democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios
ecológicos; (2) o Estado ecológico aponta para formas novas de
participação política sugestivamente condensadas na expressão
democracia sustentada. No entanto, se as duas ideias rectrizes – estado
ecologicamente informado e conformado e democracia adequada às
exigências de desenvolvimento ambientalmente justo e duradouro –
parecem não oferecer grandes discussões, já o mesmo não se passa
quando abandonamos os títulos metafóricos e nos embrenhamos na
indispensável tarefa de análise das dimensões juridicamente constitutivas
de tal Estado e de tal democracia. (CANOTILHO, 2001, p. 9)
A Lei Maior brasileira de 1988 estabeleceu a tutela do meio ambiente de forma
expressa (artigo 225), alçando a temática ao status constitucional e aproximando o
Estado Democrático de Direito brasileiro ao Estado de Direito Ambiental. Oportuna a
assertiva de Leite, Pilati e Jamundá (2007, p. 107):
69
O status que uma Constituição confere ao ambiente pode denotar ou não
maior proximidade de dado Estado da realidade propugnada pelo conceito
de Estado de Direito Ambiental, haja vista que o aspecto jurídico é muito
importante para a configuração e solidificação de estruturas efetivas, no
âmbito do Estado e da sociedade, que visem à proteção do ambiente.
Além do artigo 225, em outros momentos a Constituição faz menção à proteção
ambiental diretamente. Já no título II, “dos direitos e garantias fundamentais”, em
seu artigo 5º, inciso LXXIII, a possibilidade de ajuizamento de ação popular pelos
cidadãos contra atos lesivos ao meio ambiente. No título VII, que estabelece a
ordem econômica e financeira, em seu artigo 170, inciso VI, a defesa do meio
ambiente é um princípio que deve reger as atividades econômicas.
Ainda no mesmo título, no artigo 186, inciso II, a função social da propriedade só é
cumprida quando respeitada a preservação do meio ambiente. No título VIII, “da
ordem social”, no capítulo específico sobre a saúde, em seu artigo 200, inciso VIII, a
obrigação do sistema único de saúde em colaborar com a proteção do meio
ambiente.
Ante aos exemplos, exsurge a efetiva preocupação do Constituinte de 1988 com a
tutela ambiental e com a construção de um Estado Constitucional Ecológico no
Brasil. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações
atuais e vindouras e sua aplicação às demais disciplinas jurídicas e à sociedade
como um todo denota a relevância concedida ao tema.
O Estado de Direito Ambiental “pode ser compreendido como produto de novas
reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que
confere à proteção do meio ambiente” (LEITE e FERREIRA, 2010, p. 13). A
inquietação da humanidade com os problemas ambientais demandou uma nova
postura dos Estados.
A inclusão do meio ambiente no rol de direitos fundamentais constitucionalmente
previstos e garantidos e o dever de proteção e preservação do ambiente salubre e
equilibrado são expressões dessa nova atitude. “O Estado de Direito Ambiental é um
conceito de cunho teórico-abstrato que abarca elementos jurídicos, sociais e
políticos na busca de uma situação ambiental favorável à plena satisfação da
70
dignidade humana e harmonia dos ecossistemas” (LEITE, PILATI e JAMUNDÁ,
2007, p. 107).
Para Canotilho (2001, p. 12-15), os pressupostos essenciais ao processo de
construção do Estado Constitucional Ecológico são a concepção integrativa (ou
integrada) do ambiente, a institucionalização dos deveres fundamentais ecológicos e
o agir integrativo da administração.
A concepção integrada do ambiente “aponta para a necessidade de uma protecção
global e sistemática que não se reduza à defesa isolada dos componentes
ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora, fauna) ou dos
componentes humanos [...]” (CANOTILHO, 2001, p. 12). O artigo 225 da
Constituição Federal de 1988 cumpre este pressuposto, estabelecendo o equilíbrio
ecológico como fator indispensável ao direito fundamental ao meio ambiente.
Essa percepção integrativa do meio demanda uma visão sistêmica e complexa do
ambiente, com a consideração das relações, interações e processos que constituem
os sistemas naturais e seu equilíbrio. Não apenas os fatores bióticos e abióticos são
tutelados, mas todo o conjunto de fatores em sua complexidade dinâmica e
interativa, inclusive com a inserção dos seres humanos nas preocupações
ambientais. Esse tema coaduna-se com a ideia de holismo ambiental que será
trabalhada mais a frente.
A institucionalização dos deveres fundamentais ecológicos é indispensável à
concretização do direito ao meio harmônico. A Constituição de 1988 abarcou o
dúplice direito-dever fundamental ao ambiente equilibrado, acoplando a participação
dos entes públicos – em seus diferentes âmbitos de atuação – e dos cidadãos na
proteção ambiental.
Atualmente, com as discussões acerca da responsabilidade ambiental, que se
assenta “na participação activa do cidadão na defesa e protecção do meio ambiente.
[...] Parece indiscutível que a tarefa ‘defesa e protecção do ambiente’ [...], não pode
nem deve ser apenas uma tarefa do Estado ou das entidades públicas”
(CANOTILHO, 2001, p. 13). O texto constitucional expressamente prescreve o dever
71
de tutela ambiental para os cidadãos e para o Estado, tema que será objeto de
discussões ainda neste capítulo.
A acepção integrada do ambiente articula-se com a atuação administrativa e com a
inclusão dos cidadãos na defesa e promoção da qualidade ambiental. “Por outras
palavras: a protecção sistemática e global do ambiente não é uma tarefa solitária
dos agentes públicos, antes exige novas formas de comunicação e de participação
cidadã” (CANOTILHO, 2001, p. 14, grifo do autor). Novamente, a Lei Maior brasileira
atinge este desígnio com a imposição do dever fundamental de proteção do
ambiente tanto para o Poder Público quanto para toda a coletividade.
A efetiva participação dos indivíduos e da sociedade como um todo nas questões
ambientais engrandece as discussões, tornando-as elemento da vida quotidiana do
país e fortalecendo o sentimento constitucional ambiental. Sentir-se parte integrante
e ativa das soluções para os problemas ambientais com a cooperação de toda a
coletividade e dos cidadãos individualmente nas conquistas é indicativo de uma
nova postura do Brasil ante ao tema ambiental.
A Lei Maior, como outrora foi constatado, instituiu o binômio direito-dever
fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além da previsão do
direito fundamental, o Constituinte, outrossim, consagrou o dever fundamental de
proteção do ambiente, tanto para o Estado quanto para os particulares. Poder
Público e sociedade deverão se engajar na tutela ambiental para preservação dos
recursos naturais para as gerações atuais e vindouras.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, consequentemente, o
dever de protegê-lo traduzem-se como formas da expressão e desenvolvimento da
dignidade humana, um dos fundamentos basilares e inconcussos do Estado
Democrático de Direito brasileiro e ainda com maior vigor do Estado Constitucional
Ecológico.
Tratando-se especificamente da ciência jurídico-ambiental, Antunes (2011, p.10)
aduz que “o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a
função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento
72
econômico e à proteção dos recursos naturais”. O Direito Ambiental visa, portanto,
tutelar a vida, conservando a diversidade, a salubridade e a capacidade de suporte
dos recursos do planeta, propiciando a utilização e gozo dos bens ambientais pela
humanidade presente e futura e mantendo as condições do meio adequadas para
todas as formas de vida.
Corrobora Durand (2003, p.257) que “além das liberdades individuais, o espírito dos
Direitos Humanos também é o de proteger sempre e em todo lugar a dignidade e a
igualdade dos indivíduos [...]”. A vida digna é dependente da garantia do meio
ambiente salubre e equilibrado. Além dos recursos indispensáveis à própria
existência fisiológica da vida, os fatores ambientais proporcionam a satisfação de
outras necessidades humanas, como o lazer.
Dentro das classificações dos direitos fundamentais, o direito ao meio ambiente
enquadra-se na terceira geração (ou dimensão), em que se encontram os direitos de
solidariedade. Esses são direitos que preocupam-se com o destino da humanidade,
tratam-se de “derechos colectivos, pues los beneficios que derivan de ellos cubren a
la colectividad y no solo al individuo em particular”19 (CHACON e CRUZ, 2005,
p.192).
A legislação interna e internacional, além da própria Constituição e da jurisprudência
pátria, corroboram com o entendimento de que a dignidade humana está vinculada
às questões ambientais. Enuncia a Declaração da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente Humano, conhecida como Declaração de Estocolmo de 1972,
em seu primeiro princípio:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute
de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade que
lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações
presentes e futuras. (ONU, 1972)
Ratifica, em 1992, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
em seu princípio 1: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o
19 “direitos coletivos, pois os benefícios que derivam deles cobrem a coletividade e não apenas o
indivíduo em particular”. Tradução nossa.
73
desenvolvimento sustentável. Têm o direito a uma vida saudável e produtiva, em
harmonia com a natureza” (ONU, 1992b).
Traz à lume o ordenamento jurídico brasileiro, como objetivo da Política Nacional de
Meio Ambiente (lei nº 6938/81), em seu art. 2º, “a preservação e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao
desenvolvimento sócio-econômico, [...] e à proteção da dignidade da vida humana
[...]” (BRASIL, 1981).
E o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3540-1 em 2005, com
relatoria de Celso de Mello:
A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE:
EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE
ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de
terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero
humano. Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação
de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações,
esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual. O
adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de
que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos
intergeneracionais [sic] marcados pelo desrespeito ao dever de
solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de
uso comum das pessoas em geral (BRASIL, 2005).
Da salubridade do meio ambiente decorre a manutenção da vida humana digna e de
qualidade, decorrendo, assim, a relevância da inserção do direito ao meio
ecologicamente equilibrado nos direitos fundamentais da pessoa humana,
garantindo-se a qualidade dos recursos, solidariamente, para as futuras gerações e
para toda a humanidade.
Direitos e deveres são as duas faces da mesma moeda, coexistindo
simbioticamente: não há direito sem dever e tampouco dever sem direito20. Assevera
Nabais (2007, p.164) que “[...] tanto os direitos como os deveres fundamentais
integram o estatuto constitucional do indivíduo, ou melhor [,] da pessoa”. “O direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por exemplo, está intimamente ligado
20 Este é o posicionamento adotado neste trabalho com base nos estudos do Grupo de Pesquisa da
FDV “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”, entretanto, sabe-se que não é
entendimento pacífico.
74
ao cumprimento do dever fundamental que cada pessoa tem de protegê-lo e
preservá-lo” (TAVARES e PEDRA, 2012, p. 26).
Os cidadãos têm seus direitos garantidos pelo Estado, mas também são
garantidores de direitos com o Estado. Assim, os indivíduos adquirem
responsabilidades perante toda a coletividade, dentre as quais, se destacam as
obrigações constitucionalmente previstas: os deveres fundamentais.
O grupo de pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”
da Faculdade de Direito de Vitória, no primeiro semestre do ano de 2013, dialógica e
dialeticamente, construiu um conceito de dever fundamental:
Dever fundamental é uma categoria jurídico-constitucional, fundada na
solidariedade, que impõe condutas proporcionais àqueles submetidos a
uma determinada ordem democrática, passíveis ou não de sanção, com a
finalidade de promoção de direitos fundamentais21.
O dever fundamental de defesa do ambiente é uma imposição constitucional aos
cidadãos e ao Estado que visa assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Dada a relevância do direito assegurado – indispensável à vida e à
qualidade de vida de todos os seres vivos do planeta –, a cogência do dever foi um
avanço primoroso da Constituição de 1988.
Merece destaque ainda, a definição clássica de deveres fundamentais proposta por
Gregório Peces-Barba Martínez:
[...] aquellos deberes juridicos que se refieren a dimensiones básicas de la
vida del hombre en sociedad, a bienes de primordial importancia, a la
satisfacción de necesidades básicas o que afectan a sectores
especialmente importantes para la organización y el funcionamiento de las
públicas, o al ejercicio de derechos fundamentales, generalmente en el
ámbito constitucional22 (PECES-BARBA MARTÍNEZ, 1987, p. 336).
21 Conceito construído coletivamente pelos membros do grupo de pesquisa “Estado, Democracia
Constitucional e Direitos Fundamentais”, no 1º semestre de 2013, coordenado pelos professores Dr.
Daury Cesar Fabriz e Dr. Adriano Sant’Ana Pedra, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
Mestrado e Doutorado – em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória
(FDV).
22 “[...] aqueles deveres jurídicos que se referem a dimensões básicas da vida do homem em
sociedade, a bens de primordial importância, a satisfação de necessidades básicas ou que afetam
setores especialmente importantes para a organização e funcionamento das Instituições públicas, ou
ao exercício de direitos fundamentais, geralmente em âmbito constitucional”. Tradução nossa.
75
E a definição contemporânea de Júlio Pinheiro Faro:
deveres são aquilo que cada indivíduo tem ante o Estado e a sociedade de
contribuir para a formação de uma base material que satisfaça as
necessidades básicas das instituições públicas (manutenção do maquinário
estatal) e efetive os bens de primordial importância para que haja o correto
exercício dos direitos fundamentais de todas as pessoas humanas (FARO,
2012, p. 175-176).
Os deveres jurídicos alçam o status constitucional de deveres fundamentais quando
são imprescindíveis à convivência da coletividade, tratando de temáticas relevantes
para a organização do Estado e efetivo funcionamento da máquina pública e para o
exercício dos direitos fundamentais, em especial, para a garantia da dignidade
humana.
Exemplificativamente, a proteção dos recursos hídricos é um dever que se impõe a
todos, dada à sua importância. “As áreas protegidas pelo Código Florestal têm
função ecológica relevante para o equilíbrio do meio. As nascentes [...] possibilitam
que a água presente em reservatórios subterrâneos aflore e abasteça os cursos
d’água [...]” (ABREU e FABRIZ, 2013, p. 17), garantindo a quantidade de água doce
disponível para os ecossistemas, inclusive para a satisfação das necessidades
humanas.
A escassez de água doce é um dos problemas ambientais enfrentados pela
sociedade de risco. Asseveram Abreu e Fabriz (2012, p. 131): “O homem acreditava
que a água potável do planeta não acabaria e, atualmente, se observa uma
preocupação da sociedade e da ciência com esta questão”. As atividades
antrópicas, principalmente, com o excesso de resíduos, geraram altos níveis de
poluição, criando o risco da esgotabilidade desse recurso natural indispensável à
vida.
Alexandra Aragão (2012, p. 160) defende a existência de três níveis de cumprimento
do dever de proteção do meio ambiente: “o dever de promover ativamente a
melhoria do estado do ambiente”, “o dever de evitar a degradação progressiva e
76
gradual dos ecossistemas, habitats e recursos naturais” e “o dever de prevenir e
precaver a ocorrência de acidentes ambientais”.
A responsabilidade de defender e preservar o ambiente é de todos. O
compartilhamento dessa responsabilidade entre Estado e cidadãos não visa apenas
à manutenção dos recursos naturais, mas também a mitigação da hodierna
sociedade de risco. Como informam Beck e Willms (2004, p. 109): “Risks are bound
up with human decisions. They are a necessary by-product of the progress of
civilization, and a conceptual by-product as well”23.
Com os elevados níveis de degradação ambiental é primordial o engajamento tanto
dos poderes públicos quanto da coletividade em prol do combate ativo ao ritmo
depredatório da sociedade contemporânea. O consumo excessivo, o modelo
exploratório, as tecnologias poluidoras, a descomunal quantidade de resíduos e a
ausência de tratamento adequado para esses, são problemas, dentre outros, que
convergem para a destruição do ambiente e de seus recursos.
Cada cidadão pode contribuir para a melhoria do ambiente com atitudes simples e
eficazes, que em conjunto com a atuação dos entes estatais tornam a promoção do
ambiente possível. Afinal, o meio ambiente e seus recursos não são bens de
consumo. Os recursos naturais são esgotáveis e passíveis de perda de sua
qualidade: a água potável pode se tornar imprópria para o consumo, o petróleo
tende a se esgotar, a biodiversidade se extingue, o ar torna-se impuro e maléfico à
saúde, as toxinas tornam os alimentos perigosos.
Além de agir ativamente em prol da melhoria do ambiente, a todos incumbe o dever
de agir de maneira a impedir que a degradação ambiental se torne pior. Os cuidados
com os ecossistemas (e seus fatores constituintes – bióticos e abióticos), com o
habitat das espécies e com os recursos ambientais de modo geral são
indispensáveis ao equilíbrio ecológico e a manutenção das condições ambientais
mínimas existentes.
23 “Riscos estão ligados às decisões humanas. Eles são um subproduto necessário do progresso da
civilização, e um subproduto conceitual também”. Tradução nossa.
77
É dever de todos evitar que os problemas ambientais e a destruição da natureza
atinjam níveis ainda maiores. Os patamares degradatórios já são suficientes para
ameaçar a vida, em todas as suas formas, no planeta. A garantia, para as futuras
gerações, das mesmas condições ambientais atuais, é o mínimo que se pode exigir
da geração presente.
Ademais, a obrigação de reduzir os riscos, perigos e acidentes ambientais também é
compartilhada por toda sociedade. A responsabilidade pela minimização da
sociedade de risco impõe-se como dever com vínculo no presente e para o futuro. A
qualidade de vida atual e as condições para a qualidade de vida futura dependem
das ações contemporâneas.
O dever fundamental de preservação e promoção do meio ambiente denota o
vínculo indelével entre a garantia da vida digna e a proteção dos recursos e
interações naturais. O artigo 225 tanto garante o fundamento jurídico quanto lógico
dos deveres fundamentais.
Juridicamente, o alicerce dos deveres fundamentais é a Constituição. Sem previsão
constitucional, não há dever fundamental, e sim, mero dever legal. “O que significa
que na ausência de uma disposição constitucional a prever os deveres, obsta ao seu
reconhecimento como deveres fundamentais, como deveres no plano constitucional”
(NABAIS, 2002, p. 16).
Acerca do fundamento lógico, “os deveres fundamentais são expressão da
soberania fundada na dignidade da pessoa humana” (NABAIS, 2007, p. 170-171). A
natureza proporciona a qualidade de vida dos seres humanos, tanto com os
recursos indispensáveis à própria existência da vida quanto com os fatores que
melhoram a vida como o lazer. Como relembra Pablo Lucas Verdú (1998, p. 62) “[...]
la preocupación por el entorno vital, de modo que se valoriza al ambiente adecuado
para el desarrolo de la persona”24.
24 “[...] a preocupação com o entorno vital, de modo que se valoriza o ambiente adequado para o
desenvolvimento da pessoa”. Tradução nossa.
78
Como os deveres fundamentais correlacionam-se com matérias de alta relevância
social, os proveitos trazidos pelo cumprimento de tais deveres extrapolam os limites
individuais do titular do direito correspondente ao dever. Toda a coletividade é
beneficiada direta ou indiretamente com o regular exercício dos deveres
fundamentais fortalecendo, destarte, o Estado Democrático de Direito.
El ejercicio de un deber fundamental no reporta beneficios exclusivamente
al titular del derecho subjetivo correlativo, cuando existe, sino que alcanza
una dimensión de utilidad general, beneficiando al conjunto de los
ciudadanos y a su representación jurídica, el Estado25. (PECES-BARBA
MARTÍNEZ, 1987, p. 336).
O texto constitucional consagra o princípio da solidariedade intergeracional com a
necessidade de preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ambiental para as
gerações atuais e vindouras. A solidariedade sincrônica diz respeito à conservação
do meio ambiente para as gerações presentes e a solidariedade anacrônica para as
gerações futuras.
O fundamento para a existência dos deveres fundamentais é a solidariedade. O
dever de proteção do meio ambiente, por ser uma questão de direito difuso,
proporciona benefícios que atingem toda a sociedade, não apenas em seu aspecto
sincrônico, mas também anacrônico. Extrapolam-se, inclusive, os limites temporais e
físicos, uma vez que a tutela ambiental visa a garantir a qualidade de vida de seres
humanos que sequer se encontram no planeta.
As consequências positivas do dever de preservação do ambiente geram efeitos
intergeracionais, assim como as consequências negativas da sociedade de risco
também o fazem. As gerações porvindouras estão ambientalmente reféns das
atitudes das gerações hodiernas.
Os direitos de solidariedade, em especial os direitos ecológicos, são direitos que,
“implicando directamente com o comportamento de todos os indivíduos duma
colectividade e sendo exercidos num quadro de reciprocidade e de solidariedade,
25 “O exercício de um dever fundamental não traz benefícios exclusivamente ao titular do direito
subjetivo correlato, quando existe, mas alcança uma dimensão de utilidade geral, beneficiando ao
conjunto de cidadãos e a sua representação jurídica, o Estado”. Tradução nossa.
79
têm um conteúdo necessariamente definido em função do interesse comum [...]”26
(NABAIS, 2007, p. 320-321).
O interesse comum e a promoção dos direitos fundamentais são primordiais na
configuração dos deveres fundamentais. “Los deberes que ella [ética normativa]
impone – sean negativos o positivos – no constituyen un fin en si mismos sino que
tienen un carácter eminentemente instrumental, es decir, asegurar la protección de
bienes que se consideran valiosos”27 (GARZÓN VALDÉS, 1986, p. 31).
José Casalta Nabais apresenta dois sentidos para a solidariedade. Em sentido
objetivo, “alude à relação de pertença [...], de partilha e de corresponsabilidade que
liga cada um dos indivíduos [...] aos demais membros da comunidade”. Em sentido
subjetivo, “a solidariedade exprime o sentimento, a consciência dessa mesma
pertença à comunidade” (NABAIS, 2007, p. 134).
A responsabilidade dos cidadãos para com a tutela ambiental transcende o
momento hodierno e se projeta para o futuro. A sensação de pertencimento à
comunidade biótica é imprescindível à construção de uma sociedade justa e
solidária. A conotação futura da proteção dos recursos naturais se dirige à
preservação das espécies e de sua qualidade de vida.
O sentimento constitucional aplicável à seara ambiental possibilita a construção de
um sentir coletivo em prol da defesa e da promoção do ambiente. A confiabilidade
nas definições do texto constitucional como fator de pertença dos seres humanos à
comunidade biótica é indispensável ao fortalecimento de uma nova postura da
humanidade frente à natureza.
Ademais, o direito à proteção do meio ambiente está relacionada ao princípio da
igualdade intra e intergeracional, uma vez que, as gerações futuras dependem do
26 “[...] direitos que, implicando diretamente com o comportamento de todos os indivíduos de uma
coletividade e sendo exercidos num quadro de reciprocidade e de solidariedade, têm um conteúdo
necessariamente definido em função do interesse comum [...]”. Tradução nossa.
27 “Os deveres que ela [ética normativa] impõe – sejam negativos ou positivos – não constituem um
fim em si mesmos, mas têm um caráter eminentemente instrumental, ou seja, assegurar a proteção
de bens que se consideram valiosos”. Tradução nossa.
80
atual uso dos recursos naturais existentes (CHACON e CRUZ, 2005, p.195). A
garantia do meio ambiente equilibrado para as gerações vindouras depende do
comprometimento das gerações presentes em sua defesa.
A preservação e a sustentabilidade do uso racional dos recursos naturais devem ser
encaradas de modo a assegurar um padrão constante de melhoria da qualidade de
vida dos seres humanos que, necessitam da utilização desses recursos para garantir
sua própria vida (ANTUNES, 2011, p.19), inclusive para garantia da perpetuação da
espécie no planeta, afinal, as gerações futuras sofrerão as conseqüências das
atitudes das gerações atuais.
Neste sentido, Sirvinskas (2009, p.45) reitera que “os recursos naturais devem ser
racionalmente utilizados para a subsistência do homem, em primeiro lugar, e das
demais espécies, em segundo”. Os recursos ambientais são caracterizados por sua
finitude, por isso o uso irracional e desmedido gera esgotabilidade acelerada. A
maioria dos recursos é imprescindível à manutenção da vida e a exaustão desses
recursos cria riscos incertos com efeitos imprevisíveis, inclusive, em ultima ratio, a
morte.
Para evitar que os recursos se esgotem é necessário que os seres humanos utilizem
sua racionalidade – principal característica que os distingue dos demais animais –
para preservar os recursos naturais e usufruí-los de modo adequado e sem
desperdícios, garantindo a vida com qualidade para as gerações vindouras e para as
demais espécies habitantes do planeta.
O direito-dever de conservação do meio ambiente, bem sobremaneira valioso, é
indispensável para a manutenção do equilíbrio no planeta e, portanto, é uma
questão vital para a espécie humana. O ser humano, como ser biótico que é, integra
o meio e depende da natureza e da salubridade de seus recursos tanto quanto os
demais seres vivos, por isso o dever de proteger o ambiente faz parte de um dever
maior de solidariedade.
Dentro do Estado de Direito Ambiental, com a constitucionalização da temática
ambiental (por alguns autores este fenômeno foi denominado de “esverdear da
81
Constituição”), a relação entre qualidade de vida humana e proteção do meio
ambiente se torna indispensável. O equilíbrio ecológico, com a manutenção da
homeostase natural dos ecossistemas, a tutela da biodiversidade, a conservação
dos recursos naturais, se aliam ao desenvolvimento econômico, às atividades
produtivas, e à garantia dos direitos sociais, para conformação da sustentabilidade e
da democracia sustentada.
A Resolução nº 37/7, de 1982, da Assembleia Geral da ONU, que proclamou a
“World Charter for Nature” estabelece como princípio geral:
Ecosystems and organisms, as well as the land, marine and atmospheric
resources that are utilized by man, shall be managed to achieve and
maintain optimum sustainable productivity, but not in such a way as to
endanger the integrity of those other ecosystems or species with which they
coexist28 (ONU, 1982).
A Carta da Terra (ONU, 1992a), em seu preâmbulo, reitera: “Devemos somar forças
para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza,
nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz”. E
ainda, no item II (integridade ecológica), número 5, alínea a, defende a integridade
dos sistemas ecológicos, cabendo ao Estado: “Adotar planos e regulamentações de
desenvolvimento sustentável em todos os níveis que façam com que a conservação
ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas de
desenvolvimento”.
Segundo Paulo de Bessa Antunes (2011, p. 12) “o direito ao meio ambiente é um
direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável
qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos
naturais”. Assim, tal direito possui “uma dimensão humana, uma dimensão ecológica
e uma dimensão econômica que devem ser compreendidas harmonicamente”.
Essas diferentes dimensões compõem a sustentabilidade.
28 “Ecossistemas e organismos, bem como os recursos minerais, marinhos e atmosféricos que são
utilizados pelo homem, devem ser geridos para alcançar e manter a produtividade sustentável ótima,
mas não de forma a colocar em risco a integridade de outros ecossistemas ou espécies com as quais
eles coexistem”. Tradução nossa.
82
A sustentabilidade proporciona o crescimento econômico compatível com a proteção
do meio ambiente e com a garantia dos direitos sociais, em especial com o
desenvolvimento humano. Não existe sociedade sustentável sem preocupação com
as mazelas sociais: pobreza, miséria, fome, educação, saúde são temas centrais
nas discussões da sustentabilidade nos moldes atuais.
A sociedade de risco, com a industrialização e com os avanços científicos e
tecnológicos, é um campo fértil para a disseminação das desigualdades sociais e
ambientais. Como informa Giddens (2005, p. 74): “Ao lado desses problemas
ecológicos crescentes, a expansão das desigualdades dentro e entre as sociedades
é um dos mais sérios desafios com que se defronta o mundo no raiar do segundo
milênio”.
Releve-se que “[...] os ônus decorrentes do progresso, especialmente se realizado,
como ainda o é hoje, de forma irresponsável, devem ser preferencialmente
eliminados [...]” (SANTOS JUNIOR e LOURES, 2002, p. 174), ou, pelo menos,
minimizados. Os riscos ambientais e sociais no contexto contemporâneo demandam
atenção especial, uma vez que colocam em cheque o futuro digno dos seres
humanos e dos demais seres vivos.
Dentre os principais desafios do século XXI, a manutenção da qualidade do
ambiente com a redução dos problemas ambientais e a superação do momento de
crise se destacam. Para tanto, o restabelecimento do equilíbrio ecológico com a
homeostase dos sistemas naturais é imperiosa.
O equilíbrio ecológico ganhou destaque diante da opção constituinte de utilizar a
expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” no caput do artigo 225, ao
invés de apenas “meio ambiente”. Esta adjetivação do ambiente traz a lume a
conclusão de que todos têm direito não a qualquer ambiente, e sim, a um ambiente
cujo equilíbrio ecológico foi mantido, privilegiando, assim, o fator qualitativo do meio.
A Constituição de 1988 “estende a proteção para além do ser vivo, abrangendo suas
relações ecossistêmicas” (MILARÉ, 2009, p. 203). O que o Constituinte quer evitar “é
a idéia, possível, de um meio ambiente equilibrado sem qualificação ecológica, isto
83
é, sem relações essenciais dos seres vivos entre si e deles com o meio” (SILVA,
2002, p.88).
Equilíbrio ecológico é um conceito amplo, que engloba inúmeras variáveis e
condições e tem relação direta com a harmonia entre os fatores bióticos (vivos como
flora e fauna) e abióticos (não vivos como ar, água, solo, recursos minerais), com a
qualidade do ambiente, com o uso sustentável dos recursos, com a coexistência
entre desenvolvimento econômico e conservação do meio.
O equilíbrio ecológico também é priorizado no inciso I do § 1º do mesmo artigo 225,
ao estabelecer o dever do Poder Público de “preservar e restaurar os processos
ecológicos essenciais”. Édis Milaré (2009, p. 189) aduz que por processos
ecológicos se pode “subentender aqueles que garantem o funcionamento dos
ecossistemas e contribuem para a salubridade e higidez do meio ambiente”.
Os processos ecológicos denotam as interações, entre os seres vivos e entre esses
e o meio abiótico, indispensáveis ao equilíbrio ambiental e à vida. “A noção de
equilíbrio ecológico não pode se afastar do entendimento de que entre os
organismos vivos e o meio ambiente desenvolvem-se várias situações simultâneas e
recíprocas cuja natureza é essencialmente ativa” (LEITE e FERREIRA, 2010, p. 21).
Destarte, segundo Abreu (2013b, p. 3), “todos os fatores que compõem o meio
ambiente, sejam bióticos (vivos, como fauna e flora) ou abióticos (não vivos, como
água, ar atmosférico, minerais) devem ser protegidos, pois interagem entre si
garantindo o equilíbrio dos ecossistemas”.
O próprio ambiente tem capacidade de controle e gestão de suas relações e
processos (autorregulação), todavia, essa capacidade não é infinita, há limites que
devem ser respeitados para que o equilíbrio seja mantido. Quando as condições
extrapolam o tolerável, o meio natural não consegue mais se autorregular, o
equilíbrio é destruído.
Rompendo-se a harmonia habitual (homeostase) os processos ficam alterados,
gerando problemas ambientais graves advindos, indubitavelmente, desse
84
desequilíbrio ecológico, causado, primordialmente, pela espécie humana. Como
explicitam Vendramini e Alves (2006, p. 177), “não é possível a proteção de um bem
isolado, mas uma proteção integrada dos bens que compõem o meio ambiente, uma
vez que a destruição de um provoca uma cadeia destrutiva”.
A degradação ambiental hodierna é maior que a capacidade da natureza de
autorregulação. A capacidade tampão dos ecossistemas é inferior aos ataques
depredatórios da humanidade. Os danos ambientais rompem com a homeostase
dos sistemas naturais, promovendo o desequilíbrio do meio ambiente.
Naturalmente, os ecossistemas são capazes de atingir ao equilíbrio de forma
dinâmica, reagindo aos fatores desarmoniosos na busca da manutenção da
homeostase. A autorregulação é este “conjunto de processos que controlam o
sistema e o mantém dentro de uma faixa de estabilidade” (WATANABE, 1997, p.
20).
A homeostase é a “tendência apresentada pelos sistemas biológicos de resistirem
às mudanças ambientais e permanecerem nem estado de equilíbrio; manutenção de
um equilíbrio relativo num sistema biológico por mecanismos reguladores
intrínsecos” (WATANABE, 1997, p. 140).
Essa capacidade natural de manutenção da estabilidade dos ecossistemas é a
capacidade tampão, definida como a capacidade “que o sistema possui para resistir
às perturbações externas, tanto dos parâmetros abióticos como dos bióticos”
(WATANABE, 1997, p. 33).
O excesso de agressões antrópicas ao meio – poluição de todas as formas,
diminuição da biodiversidade com a extinção de espécies, aumento da temperatura
global, redução das chuvas, alteração dos ciclos biogeoquímicos, inserção de
organismos geneticamente modificados nos ambientes naturais, apenas a título
exemplificativo – não é abarcado pela capacidade de autorregulação dos
ecossistemas.
85
O sistema tampão dos ambientes naturais já atingiu a capacidade máxima de
atuação, não conseguindo acompanhar a degradação ambiental, que continua
aumentado exponencialmente. Se o ambiente sofre mais agressões do que tem
condição de suportar, o desequilíbrio ambiental se instaura e a homeostase é
perdida.
Traz a lume José Afonso da Silva (2002, p. 88):
Não ficará o Homem privado de explorar os recursos ambientais na medida
em que isso também melhora a qualidade de vida humana; mas não pode
ele, mediante tal exploração, desqualificar o meio ambiente e seus
elementos essenciais, porque isso importaria desequilibrá-lo e, no futuro,
implicaria seu esgotamento.
A tutela ambiental não objetiva impedir qualquer atividade que afete o equilíbrio
ecológico – afinal todas as atividades humanas, de alguma forma, afetam o meio
ambiente –, mas sim, visa proteger o ambiente de modo a manter a homeostase,
permitindo o desenvolvimento de atividades da forma menos impactante possível,
evitando a alteração do equilíbrio ambiental e o esgotamento dos recursos naturais e
tomando medidas cabíveis para minimizar o impacto gerado por essas atividades
antrópicas potencialmente danosas.
Tutelar o bem ambiental é uma forma de buscar a qualidade do meio ambiente e de
garantir que todos os seres vivos permaneçam vivos, inclusive o ser humano, afinal,
o ser humano é parte integrante da natureza e do meio ambiente, tanto quanto
indivíduo (espécie) tanto quanto coletivamente (sociedade) (ABREU e SAMPAIO,
2007, p. 76).
A manutenção da homeostase ou o atingimento de um novo equilíbrio dos sistemas
naturais são imperiosos para a minimização da crise ambiental da hodierna
sociedade de risco. A qualidade de vida de todos os seres vivos e a conservação da
vida dependem dos cuidados e da defesa do ambiente pelos seres humanos.
O direito à higidez ambiental “é indispensável à qualidade de vida das presentes e
futuras gerações, consubstanciando-se no princípio da dignidade da pessoa
humana” (ABREU e SAMPAIO, 2007, p. 78). “Para se ter uma noção da importância
86
do bem em questão, basta reconhecermos que sem um meio ambiente sadio, não é
possível exercer qualquer outro direito” (VENDRAMINI e ALVES, 2006, p. 184).
Do meio ambiente salubre advém todos os recursos imprescindíveis à vida
(fisiologicamente considerada). Água límpida e potável para satisfação humana,
água doce e solo fértil para agricultura e pecuária, proteção da camada de ozônio
contra os raios solares nocivos à saúde, a temperatura adequada ao organismo
humano, o ar atmosférico puro, os alimentos, os minerais e vitaminas. A alteração
de quaisquer desses recursos pode gerar prejuízos sérios à vida, levando,
fatalmente, à morte.
Além da vida fisiológica (contrária à morte), a Lei Maior garante a qualidade de vida,
incluindo na proteção ambiental fatores relacionados ao bem-estar dos seres
humanos e ao cuidado das espécies. O lazer, as normas trabalhistas de modo geral
(repouso semanal, férias, segurança no trabalho), o direito à saúde, o tratamento
isonômico, a proibição de crueldade contra os animais, a proteção da
biodiversidade, as áreas de preservação permanente, a conservação dos biomas
são exemplos de vida qualificada.
Outrossim, outros fatores se destacam no plus da qualidade de vida como as
paisagens naturais, os monumentos históricos, a cultura, as praias com bons níveis
de balneabilidade, parques naturais e urbanos, o meio ambiente do trabalho, o
respeito às normas pertinentes à poluição visual, a conservação das espécies e dos
cursos hídricos, as normas urbanísticas.
A Constituição de 1988 avançou na tutela ambiental. A construção teórica do Estado
de Direito Ambiental (Estado Constitucional Ecológico) aplica-se à atual realidade
brasileira com o “esverdear” constitucional. Outra inovação relevante foi a instituição
do direito-dever fundamental ao meio ambiente salubre, compartilhando a
responsabilidade pela proteção e promoção do ambiente entre Estado e cidadãos,
com fundamento na solidariedade. Outrossim, destaca-se a instituição do equilíbrio
ecológico como fator indispensável à garantia do direito ao ambiente.
87
Após a análise das principais novidades do texto constitucional, ainda é preciso
avaliar a outra face do sentimento constitucional – o ressentimento constitucional – e
a força normativa da Constituição brasileira para compreensão da construção do
sentimento constitucional ambiental no Brasil.
3.2 A OUTRA FACE DO SENTIMENTO CONSTITUCIONAL
O respeito à Constituição transcende o mundo das normas jurídicas (e sua
imperatividade), adentrando as fronteiras do mundo da vida. A Lei Maior adquire
caráter adesivo junto à sociedade quando se torna efetiva e alcança sentimento dos
cidadãos. A obediência às suas normas e o respeito coletivo pela Constituição são
expressões do domínio do sentir constitucional.
O sentimento jurídico-constitucional é uma das faces do sentir jurídico. Karl
Loewenstein (1970, p. 199) assere que a expressão sentimento constitucional
refere-se ao comportamento psicológico e sociológico do existencialismo político. É
a consciência que integra e une a coletividade destinatária do texto constitucional
em prol da permanência e consolidação de suas normas.
O sentir constitucional proporciona a adesão dos cidadãos às normas e ao
ordenamento jurídico como um todo. A obediência e o respeito à Lei Fundamental,
sentida como reflexo dos anseios sociais e garantidora dos direitos conquistados e
prerrogativas adquiridas, são expressões do sentimento constitucional.
A outra face do sentir jurídico, a versão negativa, é o ressentimento jurídico-
constitucional. Pablo Lucas Verdú (2004, p. 69) o caracteriza como “a vivência de
uma profunda frustração e/ou indignação a respeito da persistência do ordenamento
jurídico em vigor”. A repulsa ao ordenamento jurídico ocorre quando as sensações
que prevalecem no seio social são a injustiça, a falta de equidade e de
solidariedade.
88
A faceta do sentir jurídico-constitucional que vai se expressar no mundo da vida
depende, em especial, do contexto histórico vivenciado e da maturidade da nação.
Um passado de lutas com eventos traumáticos, uma história de movimentos sociais,
a existência outrora de regimes totalitários – que gera nas gerações presentes
vergonha pelo passado e medo pelo futuro – são fatores históricos que criam um
forte sentimento jurídico-constitucional e aumentam o patriotismo constitucional.
Esses eventos históricos marcantes denotam e maximizam a maturidade da nação.
Maturidade essa que se reflete no contexto jurídico com o sentir constitucional. “A
ideia de patriotismo constitucional demonstra a maturidade de uma nação pela
construção e reconstrução da Constituição pelos sujeitos constitucionais” (BONFIM,
2010, p. 15).
Pertinente a consideração de Habermas (2011, p. 289) ao destacar que
os princípios constitucionais não podem concretizar-se nas práticas sociais,
nem transforma-se na força que impulsiona o projeto dinâmico da criação
de uma associação de sujeitos livres e iguais, se não forem situados no
contexto de história de uma nação de cidadãos e se não assumirem uma
ligação com os motivos e modos de sentir e de pensar dos sujeitos
privados.
O sentimento constitucional surge da história efetivamente vivida pela nação, da
participação real dos cidadãos nos eventos importantes do passado e do presente e
do aprendizado com estes eventos. Como lembra Cittadino (2007, p. 59): “O
passado deixa de ser fonte de legitimação de práticas sociais e se transforma em
um legado a partir do qual é possível extrair lições”.
O sentir jurídico pode ter aspecto negativo, quando a sociedade não verifica o
ordenamento jurídico como justo e equânime, pelo contrário, a sensação é de que
as leis são instrumento de injustiça e desigualdade social, por isso, há rejeição das
normas e sua não aceitação. O que prevalece é o sentimento de descrença,
indignação, revolta e decepção ante as mazelas produzidas pela aplicação do
ordenamento em vigor.
Preleciona Pablo Lucas Verdú (2004, p. 69),
89
[...] o sentimento jurídico pode ter conotações negativas (repulsa do
ordenamento), de modo que essa convicção emocional, intimamente vivida,
versa sobre a crença na injustiça e na falta de equidade do ordenamento
que regula a convivência, devendo, por isso, ser rechaçado. (grifo do autor)
A não aderência dos cidadãos ao ordenamento jurídico pela atuação dos poderes
estatais que negligenciam suas necessidades mais básicas, que afrontam seus
direitos fundamentais, que impedem sua plena realização enquanto indivíduos e
enquanto grupo social, que lesam a dignidade humana, é a expressão do
ressentimento constitucional.
O ressentimento jurídico-constitucional relaciona-se com o descumprimento dos
preceitos fundamentais do ordenamento vigente. Os valores sociais relevantes, por
isso, expressamente previstos nas leis, são relegados a segundo plano e não
concretizados na prática. Segundo Pablo Lucas Verdú (2004, p. 69), este
ressentimento
[...] consiste na convicção intimamente vivida, (res) sentida (ou seja,
reiterada pela decepção e/ou indignação), porque se viram frustradas ou
diminuídas as concepções particulares sobre a justiça e eqüidade mantidas
pelo grupo, na medida em que o ordenamento vigente não as acolhe da
mesma forma que as concebe.
A discussão acerca do sentimento e ressentimento jurídicos também se aplica,
especificamente, à Constituição Federal. Quando debate-se o sentimento
constitucional, obviamente por se tratar da norma jurídica fundadora de um Estado,
ainda maior relevância é expressa no tema. Pelo mesmo motivo, “o ressentimento
constitucional é mais grave do que o ressentimento jurídico” (LUCAS VERDÚ, 2004,
p. 70).
O ressentimento constitucional traduz-se pela desestima dos cidadãos pelo texto da
Constituição. Os valores e princípios constitucionais, tão caros e relevantes, perdem
a credibilidade, uma vez que não são cumpridos e efetivados. A sociedade se torna
desacreditada na Lei Fundamental e, nas palavras de Lassale (1933, p. 23), “a
Constituição se torna apenas uma folha de papel”, perdendo, parafraseando Hesse
(1991), sua “força normativa”.
90
A ausência de sentimento constitucional com o reiterado desrespeito à Constituição,
que é utilizada como instrumento de dominação pelos Poderes constituídos e não
como lei fundamental garantidora da ordem social e dos direitos fundamentais, é
denominada por Fábio Konder Comparato (1998) de “morte espiritual” da
Constituição.
Destacam-se as observações de Comparato (1998):
Não sejamos ridículos. A Constituição de 1988 não está mais em vigor. [...]
A Constituição é hoje o que a Presidência quer que ela seja, sabendo-se
que todas as vontades do Planalto são confirmadas pelo Judiciário. [...] Ela
[a Constituição] continua a existir materialmente, seus exemplares podem
ser adquiridos nas livrarias [...] e suas disposições são invocadas pelos
profissionais do Direito [...]. Mas é um corpo sem alma.
O texto de Fábio Konder Comparato “uma morte espiritual” foi publicado em 1998,
10 (dez) anos após a promulgação da Constituição da República. Passados 15
(quinze) anos da publicação do texto e 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da
Lei Fundamental conclui-se que parte das críticas de Comparato ainda são
aplicáveis e tem fundamento.
A Constituição está em vigor, mas seu texto não exerce a função social querida pelo
povo ao legitimar o Poder Constituinte. Por vezes, o ressentimento constitucional
superou o sentimento constitucional. Ironicamente, a Lei Maior, que deveria garantir
direitos fundamentais e evitar o arbítrio estatal, se tornou, em muitas ocasiões, mera
ferramenta para concretização de interesses de governo.
Eis a constatação de Gonçalves e Abreu (2013): “el Estado brasileño […] está
viviendo una situación de excepción permanente en la regulación ambiental”29 e,
ainda, Paula e Fabriz (2011, p. 992): “Se os tempos sombrios decorrentes da
existência de um paradigma de governo mantém de modo permanente um estado
de exceção no Estado de Direito [...]”.
29 “o Estado brasileiro [...] está vivendo uma situação de exceção permanente na regulamentação
ambiental”. Tradução nossa.
91
Corrobora Corval (2009, p. 57) que no século XXI surge uma nova construção
jurídico-constitucional, a “situação de exceção permanente”. Segundo Pablo Lucas
Verdú (2009b, p. 281):
Cuando las relaciones entre el pueblo y gobierno se retrasan o tergiversan
entonces es lógico, aunque lamentable, que la sociedad se desilusione,
incluso se irrite y entonces sectores más o menos extensos, pero
significativos, sienten que han sido defraudados30.
O estado de exceção, enquanto paradigma de governo, na realidade
contemporânea, não é mais excepcional, tornou-se a regra. No Brasil, formalmente,
se vive em um Estado Democrático de Direito, mas existem manifestações e indícios
da existência velada de um Estado de Exceção Permanente brasileiro.
O estado de exceção, objeto de estudo de Giorgio Agamben, traduz-se numa zona
de indeterminação entre política e direito, sendo um fenômeno extrajurídico para
alguns e jurídico para outros. No estado de exceção quem decide é o soberano: a lei
perde sua força, é suspensa e os atos do soberano adquirem força de lei. O vínculo
entre a ordem jurídica e o estado de exceção é o próprio soberano.
A própria definição de Agamben (2004, p. 12) revela esta complexidade paradoxal:
“o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter
forma legal”. E mais, o estado de exceção define um “‘estado da lei’ em que, de um
lado, a norma está em vigor, mas não se aplica (não tem ‘força’) e em que, de outro
lado, atos que não têm valor de lei adquirem sua ‘força’” (AGAMBEN, 2004, p. 61).
O poder excessivo de uma única figura é fator enfraquecedor do sentimento
constitucional. “É óbvio que a arbitrariedade suscita o ressentimento jurídico”
(LUCAS VERDÚ, 2004, p. 101). A não observância dos preceitos da Constituição e
sua constante relativização com os arbítrios praticados pelos três Poderes da
República enraízam a desestima constitucional.
Índios, moradores de comunidades pobres e presos vivem sob um regime
de exceção, sujeitos a variadas formas de opressão e violência pela ação e
30 “Quando as relações entre povo e governo se retardam ou se distorcem então é lógico, ainda que
lamentável, que a sociedade se desilude, e se irrite e então setores mais ou menos extensos, porém
significativos, sentem que foram defraudados”. Tradução nossa.
92
pela omissão do Estado. Em relação a tais grupos vulneráveis, é alarmante
a naturalização da brutalidade sistemática e a insensibilidade coletiva
quanto à gravidade da questão. (PEREIRA, 2013)
Este cenário que se descortina é preocupante: o estado de exceção se tornou
permanente no Brasil. Não de modo formal e legalmente instituído, mas de forma
mascarada, velada, o que é ainda pior. Injustiças ocorrem, os poderes digladiam-se
para medir forças, o Judiciário se arvora como consciência máxima da sociedade, as
leis ambientais são criadas, alteradas e revogadas pelos reais fatores de poder, as
desigualdades sociais e ambientais acentuam-se. Com isso, o sentimento
constitucional perde forças.
Walter Benjamin (2012, p. 245) em seu texto “Sobre o conceito de história”, item VIII,
alerta a todos:
A tradição dos oprimidos ensina-nos que o “estado de exceção” em que
vivemos é a regra. Temos de chegar a um conceito de história que
corresponda a essa ideia. Só então se perfilará diante dos nossos olhos,
como nossa tarefa, a necessidade de provocar o verdadeiro estado de
exceção; e assim a nossa posição na luta contra o fascismo melhorará. A
hipótese de ele se afirmar reside em grande parte no fato de os seus
opositores o verem como uma norma histórica, em nome do progresso. O
espanto por as coisas a que assistimos ‘ainda’ poderem ser assim no século
vinte não é um espanto filosófico. Ele não está no início de um processo de
conhecimento, a não ser o de que a ideia de história de onde provém não é
sustentável.
O progresso, seus efeitos e avanços foram benéficos à humanidade. Os
transplantes de órgãos tornaram-se possíveis, os seres humanos puderam voar
(com o uso de aeronaves), a conquista do espaço virou realidade, a cura de
doenças graves foi alcançada, a produção em larga escala transformou-se em regra,
a tecnologia e a ciência atingiram patamares inimagináveis.
Mas qual é o custo do progresso? A experimentação com seres humanos nos
campos de concentração nazistas foi precursora de algumas destas conquistas.
Sem qualquer tipo de normatização bioética e de respeito à dignidade humana, os
prisioneiros do Nazismo eram cobaias dos experimentos científicos que levaram à
hodierna evolução.
93
Medicamentos e vacinas ainda são testados em grupos vulneráveis na África e nas
Américas. Substâncias proibidas em países da Europa e nos Estados Unidos ainda
são permitidas no hemisfério sul. A experimentação e os testes com os animais
continuam no século XXI. O ritmo exploratório das indústrias modernas perdura na
contemporaneidade.
O sofrimento, o sangue e a vida de inúmeros seres humanos e a degradação do
ambiente foram o preço do progresso civilizacional. Os riscos aos quais a sociedade
está submetida maximizam-se com a permanência do estado de exceção. O
sentimento constitucional perde-se em meio às mazelas, aos perigos, às incertezas
e aos medos.
A “banalização do mal”, utilizando-se da expressão de Hannah Arendt (1999, p. 11),
combinada com a exclusão social, política, econômica e ambiental, aliada a
existência de um mar de “subcidadãos”, nos dizeres de Jessé Souza (2003, p. 167)
e a constante figura do “homo sacer” de Agamben (2010, p. 83), aliadas à
naturalização das desigualdades e o processo de invisibilização social, configuram
uma realidade cruel e preocupante no Brasil.
Na atual conjuntura, o Estado não cumpre seu papel de consolidação dos preceitos
constitucionais. Exsurge um grande obstáculo: “o sentimento constitucional, que
envolve a valorização sentimental da Constituição, é incompatível com a indiferença
popular em relação à Constituição” (HORTA, 2002, p. 100).
E continuam as incongruências: o Estado Democrático de Direito é inconciliável com
a indiferença popular; a indiferença popular surge devido ao descumprimento da
Constituição, principalmente, pelos Poderes da República; o sentimento
constitucional não coaduna com o rechaço aos direitos fundamentais; a
inobservância das garantias e direitos pelo Estado deságua na indiferença popular.
E assim caminha o sentimento constitucional brasileiro: em um círculo vicioso.
O Supremo Tribunal Federal, pelo ministro relator Celso de Mello, no julgamento do
Mandado de Injunção nº 470/RJ, expõe:
94
O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente
constituídos - representa um dos mais tormentosos aspectos do processo
de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República, ao mesmo
tempo em que, estimulando gravemente a erosão da consciência
constitucional, evidencia o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das
liberdades públicas pelos poderes do Estado. (BRASIL, 1995).
O ressentimento constitucional relaciona-se tanto com a desvalorização do texto
constitucional pelo Estado Democrático de Direito quanto pela erosão da
consciência constitucional e pela perda de sua intensidade. A “desvalorização
advém da inobservância da Constituição pelos titulares do Poder” (HORTA, 2002, p.
102). A erosão “decorre da indiferença pela Constituição” (HORTA, 2002, p. 102)
que se tornou instrumento para manutenção do poder ilimitado do Estado e não para
garantia dos direitos fundamentais.
Outro fator de interferência negativa na estima constitucional, segundo Raul
Machado Horta (2002, p. 103), é “o amortecimento da Constituição, a perda de sua
intensidade”. A Lei Maior nem sempre tem sua efetivação imediata. A Constituição
“transformou-se no depósito de promessas, uma espécie de tratado para o futuro”
(HORTA, 2002, p. 103).
Os compromissos assumidos pela Constituição de 1988 denotam as diretrizes para
atuação futura dos entes federativos, dos Poderes da República e seus órgãos.
Entretanto, a preocupação com o futuro não exime a responsabilidade com o
presente. O descumprimento das normas constitucionais no momento hodierno com
a promessa de cumprimento a posteriori amortiza sua força, o que compromete o
sentir vinculado à Constituição.
O sentimento constitucional se enfraquece com a agressão aos direitos
fundamentais de parcela da população brasileira. Os grupos que não se veem
refletidos no ordenamento jurídico-constitucional criam rejeição às normas e sentem-
se ressentidos em relação à Constituição e ao próprio Estado Democrático de
Direito.
A consciência constitucional perde-se em meio às mazelas sociais e ambientais. “O
certo é que nenhuma proibição poderia impedir à consciência humana o proceder de
95
modo autônomo em tal juízo, nem poderia destruir nossa faculdade natural de sentir
como justa ou injusta uma determinada lei, ainda que esteja vigente” (VECCHIO,
1993, p.492).
Diante deste cenário, a sensação que prevalece em alguns momentos no Brasil é
versão negativa do sentimento constitucional. A indignação com as decisões dos
poderes constituídos, a decepção com a realidade de uma efetividade mínima da Lei
Maior, a falta de apreço e confiança na Constituição, a carência de
comprometimento do Estado com a concretização dos valores e princípios
constitucionais, esses (e outros) fatores originaram a descrença que parte dos
cidadãos brasileiros desenvolveu em relação à Lei Fundamental de 1988.
Outra discussão relevante na temática sentimento/ressentimento constitucional é a
efetivação do texto constitucional e sua força normativa. Na seara ambiental,
destaca-se o debate acerca do artigo 225 para construção do sentimento
constitucional ambiental.
3.3 O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL E A FORÇA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
O ter e o estar em Constituição configuram uma dicotomia que afeta o sentir
constitucional. Ter uma Constituição formal não significa que a nação esteja em
Constituição e sinta-se parte dela. A existência de um texto escrito que estrutura o
Estado e a ordem interna pode configurar apenas uma “folha de papel” se não for
efetivamente aplicado de modo justo e equitativo.
Ter uma Constituição formalmente perfeita é insuficiente para tornar os cidadãos
parte do Estado constitucional. O estar em Constituição demanda a atuação dos
entes públicos em prol dos direitos e garantias assegurados pelo “ter Constituição” e
o sentir constitucional pressupõe que os cidadãos confiam na concretização dos
direitos fundamentais pelo Estado e verificam no chão da vida sua efetivação.
96
A relação entre patriotismo constitucional e efetividade da Constituição se assenta
na solidariedade e na equidade entre os cidadãos. “Quando os cidadãos se
reconhecem diferentes culturalmente e iguais em direitos fundamentais, é possível
perceber que a solidariedade social está amparada na Constituição” (BONFIM,
2010, p. 14). A justiça sócio-ambiental, ao ser alcançada, fortifica a estima pelos
preceitos constitucionais.
O sentimento jurídico-constitucional, conforme leciona Pablo Lucas Verdú (2004, p.
61-64), caracteriza-se pela “espontaneidade”, “fragilidade”, é “expansivo”,
“representativo” e “público”. Cada uma dessas características aplica-se à construção
do sentimento constitucional ambiental.
A espontaneidade do sentir jurídico remonta à sua origem, como “fruto de uma
vontade ou de um impulso íntimo” (LUCAS VERDÚ, 2004, p. 61). O apreço à
Constituição é espontâneo, não advém de sua imperatividade, de sua força
normativa e de sua supremacia. O sentimento constitucional diferencia-se da
racionalidade normativa, não se originando da imposição legal.
O sentimento constitucional ambiental surge da postura dos seres humanos em
relação ao meio ambiente. O texto constitucional (artigo 225) traz a previsão de um
direito-dever de todos, mas para que sua efetivação aconteça no mundo
naturalístico é necessária uma nova concepção da interação dos brasileiros com o
ambiente natural exuberante que os cerca. O holismo, neste ínterim, destaca-se
como paradigma favorecedor do sentir constitucional ambiental.
A fragilidade dos sentimentos jurídico e constitucional é a “capacidade que têm de
se transformar perante o jogo de elementos algedônicos [...]” (LUCAS VERDÚ,
2004, p. 62). O sentimento transmuda-se em ressentimento dependendo da vida
política da nação e dos eventos ocorridos. O sentir constitucional é suscetível aos
acontecimentos sociais, políticos e jurídicos, prevalecendo sua versão positiva ou
negativa decorrente destes.
97
O sentimento jurídico é expansivo, tendendo a “estender-se por imitação em outros
segmentos sociais” (LUCAS VERDÚ, 2004, p. 62). Os movimentos em prol dos
direitos fundamentais em diversos momentos históricos no Brasil espalharam-se
pelos diferentes segmentos sociais. No século XX, as manifestações populares
pelas “diretas já” contra a ditadura militar na década de 80 e os “caras-pintadas” em
prol do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello na década de 90
foram exemplos notórios da expansão do sentimento jurídico-constitucional na
história brasileira.
Já no século XXI, os movimentos populares tomaram forças no ano de 2013 com
inúmeras manifestações no país inteiro. Os protestos foram notícias no mundo e
renderam algumas conquistas pleiteadas pelos manifestantes. Mas a maior de todas
as conquistas foi o fim da inércia dos cidadãos frente às arbitrariedades do Estado.
O sentimento jurídico-constitucional brasileiro reacendeu-se no raiar do novo
milênio.
A música “(For God’s sake) Give more power to the people”31 composta por Eugene
Record e interpretada por Joss Stone retrata bem a situação:
For God's sake, gotta give more power to the people
For God's sake, give more power to the people
There's some people up there hoggin' everything
Telling lies and giving alibis about the people's money and things
[…]
There're some people who are starving to death
[…]
If you don't have enough to eat, how can you think of love?
[…]
Cut this jive and see who's got the power
[…]
They know were not satisfied, so we begging to holler
[…]
There's no price for happiness, there's no price for love
Up goes the price of living and you're right back where you were
So whatever you got, just be glad you got it
Now we're gonna get on up and get some more of it
For God's sake, you gotta give more power to the people
For God's sake, give more power to the people32 (RECORD, 2012).
31 “(Pelo amor de Deus) Dê mais poder ao povo”. Tradução nossa.
32 “Pelo amor de Deus, tem que dar mais poder ao povo
Pelo amor de Deus, dê mais poder ao povo
Há algumas pessoas lá em cima monopolizando tudo
Contando mentiras e dando desculpas sobre o dinheiro e as coisas do povo
[...]
98
O próprio texto constitucional em seu artigo 1º, parágrafo único, expressa: “Todo o
poder emana do povo [...]” (BRASIL, 1988). As manifestações populares relembram
aos entes públicos e seus representantes que o titular do poder é o povo. Esses
movimentos são notórias formas de expressão do sentir constitucional brasileiro no
chão da vida.
A Constituição de 1988 operou conquistas relevantes, em especial, no campo dos
direitos e garantias fundamentais. Contudo, ainda existem “verdadeiras zonas de
exclusão de direitos humanos. Há grupos invisíveis cujos direitos fundamentais são
sistematicamente negligenciados” (PEREIRA, 2013).
A insatisfação popular frente à corrupção, aos mandos e desmandos dos reais
fatores de poder, à lesão e ao desrespeito aos direitos fundamentais, às
arbitrariedades do Estado, às injustiças sociais, enfim, às afrontas à própria
Constituição denotam o sentimento constitucional. A luta pelos direitos fortalece
esse sentimento.
Os cidadãos, ao abandonarem sua inércia e apatia para lutarem por seus direitos,
pela efetivação da Constituição e pelo respeito às suas normas, revigoram o sentir
constitucional em sua faceta positiva – a estima pela Lei Maior –, afastando o
ressentimento e a falta de confiabilidade nas normas e na atuação do Estado
Democrático de Direito.
Há algumas pessoas que estão morrendo de fome
[...]
Se você não tem o suficiente para comer, como você pode pensar em amor?
[...]
Corte essa onda e veja quem tem o poder
[...]
Eles sabem que nós não estamos satisfeitos, então nós começamos a gritar
[...]
Não há preço para a felicidade, não há preço para o amor
O custo de vida sobre e você está de volta onde você estava
Então seja o que for que você conseguiu, apenas seja grato por ter conseguido
Agora nós vamos levantar e conseguir um pouco mais disso
Pelo amor de Deus, você tem que dar mais poder ao povo
Pelo amor de Deus, dê mais poder ao povo”. Tradução nossa.
99
Raul Machado Horta (1992, p. 17) assevera: “O desconhecimento, a ignorância, o
desprezo e o desrespeito sistemático à Constituição negam o sentimento
constitucional e fazem da Constituição uma ‘folha de papel’ que se agita na direção
do vento”. Com o raciocínio inverso, quando os cidadãos deixam de ser inertes e
posicionam-se contrariamente à desobediência e ao descumprimento da
Constituição revigoram o sentimento constitucional e colaboram para que sua força
normativa e efetividade máxima sejam alcançadas.
Complementarmente, Pablo Lucas Verdú (2004, p. 63) expõe: “O desencanto, o
derrotismo, o pessimismo são fases prévias desse tipo de ressentimento [jurídico-
constitucional], seus aliados naturais”. Com as manifestações hodiernas no Brasil,
foram afastados os sintomas da desestima constitucional, que começavam a ser
demonstrados pela sociedade.
O ressentimento constitucional que enfraquece a estabilidade e a duração da
Constituição origina-se da profunda indignação dos cidadãos perante o próprio
ordenamento jurídico. “A desvalorização da Constituição escrita, a erosão da
consciência constitucional e a caducidade da Constituição são manifestações que
abalam a sua permanência” (HORTA, 2002, p. 104).
O sentimento jurídico e o sentimento constitucional são representativos e públicos,
“porque evidenciam a posição anímica de um grupo social em relação ao
ordenamento jurídico em sua totalidade ou em relação a partes dele” (LUCAS
VERDÚ, 2004, p. 62). O sentir jurídico-constitucional é meio condutor da consciência
jurídica e constitucional, uma vez que as demonstrações da sensibilidade do país
em relação aos fatos sociais denotam a existência ou não desta consciência.
Os eventos no ano de 2013 explicitaram a consciência política e constitucional dos
brasileiros. Cidadãos de diferentes grupos e segmentos sociais, com interesses
distintos e representando diversas classes se uniram para protestar e mostrarem sua
insatisfação e indignação. O sentir constitucional expressou-se no “reconhecer a
Constituição como elemento suficiente apto a promover mudanças que tragam ‘bem-
estar’ e que sejam benfazejas à população” (MACIEL, 2006, p. 13).
100
Como declara Myers (2006, p. 361): “Ninguém precisa lhe dizer que os sentimentos
dão cor à vida, ou que em momentos de estresse eles podem perturbá-la ou mesmo
salvá-la”. O sentimento constitucional coloriu novamente a vida dos brasileiros,
salvando-lhes do oceano de apatia e passividade.
Oportuno destacar que o “sentimento de apreço pela Constituição, [é uma] condição
de possibilidade para torná-la realizável” (MACIEL, 2006, p. 11). A efetividade da Lei
Maior e o cumprimento de sua força normativa dependem do sentimento
constitucional como forma de “adhesión e integración sentida por los ciudadanos a
sus instituciones básicas”33 (LUCAS VERDÚ, 1998, p. 59).
A participação e a união dos cidadãos nas manifestações afastaram o pessimismo e
a omissão frente às lesões ao Estado Constitucional brasileiro, o que,
indubitavelmente, foi uma grande realização. Entretanto, apartar a ameaça do
ressentimento constitucional não é suficiente para concretizar os direitos
fundamentais. A efetividade da Constituição brasileira de 1988 não está nem
próxima do desejável.
A realidade constitucional brasileira, dentro do Estado Democrático de Direito, cinde-
se em duas: a realidade jurídica com a defesa e garantia dos direitos fundamentais e
a realidade naturalística com a ausência de efetividade destes direitos e garantias. A
dignidade humana e a igualdade como direitos fundamentais frente aos problemas
reais enfrentados pela população como a pobreza e a miséria.
Daury Cesar Fabriz (2003, p. 52) alerta que “além de ter consciência de estar no
mundo, postula-se a condição ‘melhor’, nessa existência no mundo. Postula-se uma
existência digna, em todos os sentidos”. Assim, “a pessoa humana e sua dignidade
constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado” (FABRIZ, 2003, p. 280). A
consciência constitucional abarca a consciência de estar no mundo e de pleitear um
mundo melhor para todos.
33 “adesão e integração sentida pelos cidadãos de suas instituições básicas”. Tradução nossa.
101
Corrobora Ronald Dworkin (2003, p. 334) que “o direito à dignidade [...] exige que a
comunidade lance mão de qualquer recurso necessário para assegurá-lo”. A tutela
do ambiente está vinculada à dignidade humana e à qualidade de vida para todos
com a proteção dos recursos naturais, do equilíbrio ecológico e com a garantia da
igualdade entre os seres humanos.
Em tempos mais recentes, “a conformação do Estado Constitucional Ecológico
aparece ligada às ideias de justiça intergeracional e de direitos de futuras gerações”
(CANOTILHO, 2001, p. 10).
Considerando que a injustiça social e a degradação ambiental têm a mesma
raiz, haveria que se alterar o modo de distribuição – desigual – de poder
sobre os recursos ambientais e retirar dos poderosos a capacidade de
transferir os custos ambientais do desenvolvimento para os mais
despossuídos. Seu diagnóstico assinala que a desigual exposição aos
riscos deve-se ao diferencial de mobilidade entre os grupos sociais: os mais
ricos conseguiriam escapar aos riscos e os mais pobres circulariam no
interior de um circuito de risco (ACSELRAD, 2010, p. 109).
A desigualdade da sociedade brasileira reflete na esfera ambiental, em especial com
a formação de grupos excluídos ambientalmente, que em regra, também são vítimas
de exclusão social e econômica, afastando o país do ideal de sustentabilidade. “Na
realidade atual [...] a injustiça e a discriminação ambientais ainda são uma grave
preocupação na comunidade internacional e dentro dos Estados” (MILARÉ, 2009, p.
132-133). E continua Édis Milaré (2009, p. 132-133): “No Brasil, isso é decorrência
inevitável do profundo abismo socioeconômico existente entre as regiões
geográficas ou geoeconômicas e, ainda mais, entre os segmentos da sociedade”.
A justiça ambiental relaciona-se não apenas com a proteção do meio ambiente, mas
com os cuidados com os seres humanos que dependem deste ambiente e que
sofrem as consequências da exclusão dos recursos ambientais, financeiros e
sociais. As vítimas da exclusão ambiental formam grupos vulneráveis que,
normalmente, sofrem com a pobreza, com a miséria e com a indignidade. A falta de
participação política e a invisibilidade social demonstram, frente a estes grupos, que
a Constituição brasileira de 1988, apesar de ser detentora de “força normativa”,
carece de efetividade e estabelece-se quase como “folha de papel”.
102
Ferdinand Lassalle (1933) diferencia a Constituição real e Constituição meramente
escrita (“folha de papel” ou Constituição jurídica). Os fatores reais de poder
constituem forças ativas e eficazes que informam o ordenamento jurídico e tornam-
se o direito ao serem expressos em uma folha de papel.
A Constituição escrita pode reunir em seu texto estes reais fatores de poder, não
necessariamente representando a Constituição real e verdadeira, que se constrói no
quotidiano social.
Onde a Constituição reflete os fatores reais e efetivos do poder, não pode
existir um partido político que tenha por lema o respeito à Constituição,
porque ela já é respeitada, é invulnerável. Mau sinal quando esse grito
repercute no país, pois isto demonstra que na Constituição escrita há
qualquer coisa que não reflete a Constituição real, os fatores reais do poder.
E se isto acontecer, se esse divórcio existir a Constituição escrita está
liquidada; não existe Deus nem força capaz de salvá-la (LASSALLE, 1933).
Deste modo, a integração entre a norma escrita e sua efetividade é indispensável
para a permanência da lei como válida, vigente e eficaz. A ausência de
correspectividade entre a abstração da lei e a realidade concreta é fator que
enfraquece sua força normativa e o sentimento constitucional dos cidadãos. Konrad
Hesse (1991, p. 10-11) reitera que “a Constituição jurídica [...] sucumbe
cotidianamente em face da Constituição real”. Ainda assevera Lassalle (1933):
Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder,
a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais
e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não
têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do
poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que
devemos sempre lembrar.
A Constituição da República Federativa do Brasil, no que tange à seara ambiental,
está apenas como “folha de papel”. Apesar do art. 225 garantir o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, o art. 170 garantir a ordem econômica, o art.
5º garantir o direito à vida e à igualdade, o art. 1º garantir a dignidade humana e a
cidadania, a efetivação destes direitos ainda é incipiente.
A força normativa da Constituição depende do contexto histórico de sua criação, da
vontade de poder e, principalmente, da vontade de Constituição. “A norma
103
constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência
reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser
concretizada na realidade” (HESSE, 1991, p. 14). A consciência constitucional e o
sentimento de estima pelos preceitos da Lei Maior favorecem sua efetivação e
fortalecem sua força normativa.
Como outrora já foi analisado, “o sentimento constitucional é a expressão capital da
afeição pela justiça e pela equidade, porque concerne ao ordenamento fundamental,
que regula, como valores, a liberdade, a justiça e a igualdade, bem como o
pluralismo político” (LUCAS VERDÚ, 2004, p. 70).
Na seara ambiental, o artigo 225 da Constituição da República Federativa é
completo e complexo. As inovações trazidas pela Lei Fundamental foram primorosas
na defesa e na promoção do ambiente. Entretanto, o sentimento constitucional
ambiental brasileiro ainda não atingiu o mesmo patamar do sentimento
constitucional demonstrado nas manifestações populares do século XXI.
A consciência ambiental está aquém da consciência constitucional geral. Paulo
Freire (1980, p. 26) ensina que a conscientização
[...] consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A
conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de
apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a
realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma
posição epistemológica. [...] A conscientização não pode existir fora da
“práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética
constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o
mundo que caracteriza os homens.
A conscientização em prol da proteção do meio ambiente implica não apenas em
tomada de consciência da realidade, mas principalmente, no reconhecimento da
realidade com olhar crítico. A conscientização demanda, obrigatoriamente, reflexão.
O conhecimento não é apenas adquirido e os problemas não são só diagnosticados.
O conhecimento é utilizado e os problemas são desvelados e analisados em busca
de soluções viáveis na tentativa de transformar a realidade ambiental.
104
A nova postura do vínculo entre seres humanos e mundo natural “se estabelece
sobre a ideia de conscientização, na articulação entre conhecimentos, valores,
atitudes e comportamentos, podendo promover a transformação radical da
sociedade atual, rumo à sustentabilidade [...]” (TOZONI-REIS, 2004, p. 100).
A mudança de atitude com a tomada de consciência em relação aos problemas
ambientais torna-se fator preponderante para a construção do sentimento
constitucional e da cidadania plena. “Quanto mais conscientizados nos tornamos,
mais capacitados estamos para ser anunciadores e denunciadores, graças ao
compromisso de transformação que assumimos” (FREIRE, 1980, p. 28). A
conscientização possibilita aos cidadãos serem ativos e pró-ativos na defesa do
meio ambiente, com a participação efetiva e transformadora.
O incentivo à participação, permanente e responsável, da sociedade na proteção do
meio ambiente é um valor intrínseco ao exercício da cidadania plena. Só se constrói
uma sociedade livre, justa e solidária com a união do Poder Público e dos cidadãos,
individual ou coletivamente, em prol da defesa dos valores e princípios basilares
consagrados na Constituição, dentre os quais, a conservação do ambiente.
O sentimento constitucional ambiental e a efetivação do artigo 225 da Constituição
perfazem-se primordiais na atual conjuntura de sociedade de risco e crise ambiental.
As normas de proteção do meio ambiente são imperativas e, por isso devem ser
cumpridas. No entanto, a defesa do ambiente não se resume ao cumprimento da
legislação. Sem a modificação da postura dos brasileiros ante ao mundo natural as
leis tornam-se inócuas.
O sentir ambiental carece de enraizamento na sociedade brasileira. A cooperação
mútua em prol da defesa ambiental, do desenvolvimento sustentável e da
preservação dos recursos naturais demanda mais do que a previsão constitucional
do artigo 225. Uma concepção ambiental não centrada nos seres humanos (e em
suas necessidades) e ao mesmo tempo em que não os exclui do meio desponta
como novo paradigma. Neste ínterim, a consciência ambiental toma relevo.
105
A conscientização ambiental possibilita aos indivíduos um agir reflexivo, ético e ativo
para transformação da realidade destrutiva do meio natural, construindo a cidadania
ambiental e efetivando os valores e princípios de conservação do ambiente
expressos na Constituição de 1988, transformando o atual contexto do sentir
constitucional em uma conjuntura de estima e confiança na Lei Maior, com a
construção do sentimento constitucional ambiental brasileiro e a efetiva preservação
do ambiente.
Importantes avanços sociais e ambientais já foram conquistados pela população
brasileira, mas ainda há um caminho íngreme a ser trilhado para que a efetividade
da Lei Maior seja, enfim, alcançada em um nível aceitável. A luta pela concretização
dos direitos fundamentais, especialmente, pelo meio ambiente ecologicamente
equilibrado é de todos.
A efetividade da Constituição da República Federativa do Brasil está longe de sua
máxima realização. A evolução das normas ambientais brasileiras – que foi
analisada no segundo – demonstra que um longo percurso foi percorrido e triunfos
foram alcançados na área ambiental.
O sentir jurídico-constitucional brasileiro retoma sua força no século XXI. Ao
sentimento constitucional ambiental e à efetivação das normas protetivas do
ambiente faltam a solidificação da consciência ambiental e a mudança de paradigma
da relação seres humanos e ambiente. Uma nova postura da humanidade,
principalmente do Brasil, por seus recursos naturais abundantes e natureza
exuberante, frente ao mundo natural exsurge como primordial para a minimização da
sociedade de risco e a efetiva construção do sentimento constitucional ambiental.
3.4 HOLISMO AMBIENTAL E ECOLOGIA PROFUNDA
No primeiro capítulo analisou-se o contexto da crise ambiental na sociedade de
risco, com seus conceitos e fundamentos, traçando-se a correspectividade entre o
106
atual período de iminente colapso do ambiente, o momento de crise dos paradigmas
ambientais (antropocêntrico e bio-ecocêntrico) e a necessária reconstrução do
sentimento constitucional brasileiro, especialmente, na seara ambiental à luz de uma
nova postura dos seres humanos na tutela ambiental.
Todas as formas de vida dependem da postura que o ser humano adota frente ao
meio ambiente. O posicionamento antropocentrista criou os riscos que a sociedade
contemporânea enfrenta e o medo constante de uma catástrofe ambiental. A
posição bio-ecocentrista não minimizou a sociedade de risco e não solucionou os
problemas econômicos e sociais que assolam a humanidade.
Ante aos problemas gerados e crises enfrentadas pelos paradigmas antropocêntrico
e bio-ecocêntrico, uma nova visão da relação ser humano-natureza exsurge como
marco paradigmático. Advinda das ciências ambientais, a concepção holística
exsurge como uma construção teórica possível no hodierno contexto de crise
ambiental, destruição irracional dos recursos naturais e ameaça à vida em todas as
suas formas.
Elida Séguin (2000, p. 8) traz a lume: “O prefixo holos vem do grego significando
inteiro, não fragmentado. Assim uma abordagem holística seria a que procuraria
uma visão do conjunto indissociável, interdependente e em constante mutação que
representa a vida no Planeta Terra”.
O holismo refere-se à percepção ou conhecimento que integra partes ou
componentes em um todo abrangente e compreensivo, a partir da constatação de
que há uma integração entre eles e não apenas uma mera justaposição dos
componentes de um todo (MILARÉ, 2009, p. 1082). A “visão de mundo holística [...]
concebe o mundo como um todo interligado, e não como uma coleção de partes
dissociadas” (CAPRA, 1996, p. 24).
Para essa concepção holística o ambiente natural e o ambiente humano não se
dissociam. Os fatores ambientais e humanos relacionam-se mutuamente,
interferindo uns nos outros e condicionando o equilíbrio ambiental. A alteração de
qualquer fator afeta a estabilidade do todo.
107
O holismo é a “visão segundo a qual todas as entidades físicas e biológicas formam
um único sistema interagente unificado e que qualquer sistema completo é maior do
que a soma das partes componentes” (WATANABE, 1997, p. 139). E é deste modo
que se posiciona a escola de pensamento ambiental holística.
O meio ambiente é um todo constituído por diversos elementos interdependentes e
correlacionados, que interagem mutuamente entre si, estabelecendo seu próprio
equilíbrio. O ambiente deve ser globalmente considerado, em todos os seus
aspectos e componentes, vez que dessa relação inextricável surge a harmonia
ambiental.
O ambiente não é meramente a junção de seus elementos constituintes, sua
concepção vai além. A análise do meio ambiente deve considerar o contexto amplo
e global de todas as variáveis intrínsecas e extrínsecas que geram influências
diversas e, primordialmente, a interação entre essas variáveis, para que não haja
uma visão reducionista do ambiente. “Uma abordagem integrada e sistêmica é
imprescindível para a manutenção da integridade dos ecossistemas” (SÉGUIN,
2000, p. 8).
Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin (1999, p. 78) leciona que, na fase
holística de proteção, “o ambiente passa a ser protegido de maneira integral, vale
dizer, como sistema ecológico integrado (resguardando-se as partes a partir do todo)
e com autonomia valorativa (é, em si mesmo, bem jurídico)”.
À luz do holismo ambiental, não apenas os seres vivos (fatores bióticos) são
protegidos, mas também os recursos ambientais (meio abiótico), dos quais derivam
as condições para o efetivo desenvolvimento da vida. O ambiente é considerado
autônomo e não mais valorado segundo as necessidades humanas. E mais: o ser
humano, como ser biótico, torna-se parte integrante do meio. Não como ser superior
ou alheio como outrora, e sim como membro biológico, participativo e igual.
O sentimento constitucional proporciona que “[...] a liberdade e a igualdade do
indivíduo e dos grupos nos quais ele se integra sejam reais e efetivas, facilitando a
108
participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social”
(LUCAS VERDÚ, 2004, p. 207). Da mesma forma, na seara ambiental, a sensação
de pertencimento à comunidade biótica proporciona o efetivo engajamento na
solução dos problemas ambientais e na defesa do ambiente.
Com o desenvolvimento das ciências ambientais e da escola holística houve uma
ampliação da abrangência do meio ambiente. Em uma perspectiva lato sensu, Édis
Milaré (2009, p. 99) conceitua meio ambiente como “toda a natureza original
(natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos”. Além do meio
ambiente natural, discute-se o meio ambiente artificial, inclusive com os
ecossistemas sociais.
O meio ambiente artificial (urbano ou humano) é formado pelo espaço urbano
construído pelo homem, id est, as construções, edificações – espaço urbano
fechado – e equipamentos públicos (praças, áreas verdes, ruas) – espaço urbano
aberto (SILVA, 2002, p. 21). O conjunto de obras humanas e as relações dos seres
humanos entre si e com suas construções constituem os ecossistemas sociais.
Nessa concepção ampla de meio ambiente existe a unicidade entre o meio ambiente
natural e o meio ambiente artificial, além da inclusão do patrimônio cultural e,
modernamente, do meio ambiente do trabalho, formando-se visão holística do meio.
As discussões ambientais passam a englobar, além das interações com a natureza,
as relações humanas entre si e as relações humanas com suas edificações e
instalações, com a história e a cultura e com o trabalho e suas condições dignas de
realização.
Meio ambiente compreende o ar, o solo, a água, as belezas naturais, a flora, os
patrimônios histórico, turístico, arqueológico, artístico, paisagístico e o ambiente de
trabalho. Exsurge, desse modo, que “meio ambiente é, assim, a interação do
conjunto de elemento naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2002, p. 20).
No holismo ambiental não apenas o meio natural e seus elementos são tutelados. A
vida humana e suas expressões também se tornam objeto de proteção, mas não
109
pelos motivos apregoados pelo antropocentrismo e sim, pelo fato da espécie
humana (e os fatores que se relacionam com sua existência e desenvolvimento) ser
parte do meio ambiente e indispensável ao equilíbrio ambiental.
A Carta da Terra, documento advindo da ECO-92 (Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992 no Rio de Janeiro), em seu
princípio I, sub-princípio 1, alínea a, reafirma o holismo ambiental com o
reconhecimento da interação e do valor de todos os seres vivos e dos aspectos
ambientais:
PRINCÍPIOS
I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DA VIDA
1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida
tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
(ONU, 1992a)
Essa visão holística é essencial à visão do mundo e à formulação de políticas
ambientais, vez que o meio ambiente é um todo interligado, que deve ser
globalmente considerado em todos os seus aspectos para que seja efetivamente
tutelado. O “abandono do antropocentrismo é [...] uma tendência que tem
precedentes na evolução da própria ciência jurídica” (ANTUNES, 2011, p.21). A “[...]
visão sistêmica de um mundo constituído de redes e teias [...]” (MILARÉ e
COIMBRA, 2004, p. 10) reluz como paradigma ambiental adequado à realidade
atual.
Neste contexto destacam-se os estudos da ecologia profunda (deep ecology). A
percepção ecológica profunda, segundo Fritjof Capra (1996, p. 24), “reconhece a
interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto
indivíduos e sociedade, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da
natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)”.
O ambiente é um todo constituído de diferentes fatores que distingue-se de seus
componentes individualmente, formando um complexo de relações e integrações
que equilibram-se dinamicamente. A alteração de algum componente gera mudança
no sistema como um todo, que sempre tende ao reequilíbrio. Quando o novo
110
equilíbrio é alcançado e outra modificação acontece, novamente, o sistema tenta se
equilibrar.
Nem sempre o novo equilíbrio é possível. A capacidade de recuperação do ambiente
em não é infinita. A autorregulação tem níveis de saturação, que quando atingidos
impedem a homeostase. O excesso de agressões que os sistemas naturais
sofreram nos últimos anos na sociedade de risco com o paradigma antropocêntrico
chegou a patamares alarmantes.
O ambiente e seus recursos, para sua proteção e promoção para as presentes e
futuras gerações e manutenção do equilíbrio ecológico ou obtenção do reequilíbrio
ecológico, depende de uma reestruturação da posição dos seres humanos no
ambiente. “Ecological consciousness and Deep Ecology contrast with the dominant
worldview of technocratic-industrial societies”34 (FERRER MONTAÑO, 2006, p. 5).
A ecologia profunda fundamenta o paradigma ambiental holístico como “perspectiva
segundo a qual os seres humanos são equivalentes às outras espécies integradas
no interior de ecossistemas em funcionamento, e não superiores” (NALINI, 2003, p.
296). Os seres humanos não se separam do meio ambiente natural, são parte
integrante e dependente do meio natural.
A ecologia profunda “reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe
os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida” (CAPRA, 1996, p.
25). A humanidade é apenas um dos múltiplos e complexos fatores que constituem e
interferem no ambiente. A vida e sua manutenção constituem-se e dependem de
todas essas relações e interações entre os fatores bióticos e abióticos, dentre os
quais, os seres humanos são apenas uma trama.
Os paradigmas antropocêntrico e bio-ecocêntrico, e todos os problemas gerados por
eles, embasam-se na ecologia rasa. “A ecologia rasa é antropocêntrica, ou
centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora
34 “Consciência ecológica e ecologia profunda contrastam com a visão de mundo dominante das
sociedades tecnocrático-industriais”. Tradução nossa.
111
da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor
instrumental, ou de ‘uso’, à natureza” (CAPRA, 1996, p. 25).
A hodierna sociedade de risco e a crise ambiental pautadas, principalmente, na
concepção antropocentrista são frutos da postura ecológica rasa. A visão de mundo
da modernidade, com o modo de vida científico e industrial, orientados para o
crescimento econômico irresponsável e materialista e com a sociedade de consumo,
perdura por mais tempo do que o Planeta pode suportar.
A mudança de comportamento frente aos problemas ambientais é imperiosa.
“Comportar-se constitucionalmente é, pois, resistir constitucionalmente” (STRECK,
2008, p. 212). O sentimento constitucional ambiental denota a resistência aos
padrões degradatórios atuais e o envolvimento dos cidadãos na busca por soluções
para a crise ambiental.
O sentir ambiental possibilita aos seres humanos agirem de modo a considerar o
meio ambiente como casa comum, atuando em prol de sua defesa para a
manutenção do equilíbrio ecológico, garantindo, assim, os recursos naturais às
gerações vindouras e a qualidade de vida do planeta.
Peter Singer (1993, p. 188) esclarece que “as propostas da ecologia profunda têm
tendência para considerar algo mais vasto como objeto de valor: as espécies, os
sistemas ecológicos ou mesmo a biosfera no seu todo”. Leonardo Boff (2004, p. 65)
aduz que a ecologia holística
é uma prática e um pensamento que incluem e relacionam todos os seres
vivos entre si e com o respectivo meio ambiente numa perspectiva do
infinitamente pequeno das energias e partículas elementares, do
infinitamente grande dos espaços cósmicos, do infinitamente complexo da
vida, do infinitamente profundo do coração humano e do infinitamente
misterioso, anterior ao big-bang [...].
O paradigma holístico estabelece a relação mútua entre os seres vivos, seu
ambiente e os fatores que interferem nesta complexa rede de inter-relações. Os
seres humanos, enquanto seres bióticos e espécie animal, são parte importante e
imprescindível na visão sistêmica ambiental.
112
Na fase holística de proteção, “o ambiente passa a ser protegido de maneira
integral, vale dizer, como sistema ecológico integrado (resguardando-se as partes a
partir do todo) e com autonomia valorativa (é, em si mesmo, bem jurídico)”
(BENJAMIN, 1999, p. 78). Qualquer componente dos sistemas naturais é tão
importante quanto os outros. Os seres naturais “são constituintes do ecossistema
planetário, tanto quanto o é a espécie humana” (MILARÉ e COIMBRA, 2004, p. 19).
Não existe hierarquização na natureza. Nenhuma espécie é melhor que outra.
Nenhum fator abiótico é mais importante que outro. Todos são, em maior ou menor
grau, imprescindíveis à manutenção da homeostase do mundo natural. A espécie
humana equipara-se a qualquer outro ser vivo. O que efetivamente torna os seres
humanos ambientalmente especiais é sua postura como atores protagonistas da
tutela ambiental, ou como antagonistas na degradação do ambiente.
Como assevera Pablo Lucas Verdú (2004, p. 214) “uma Constituição não consiste
exclusivamente em um documento escrito, senão em sua realização através dos
poderes públicos e dos cidadãos, os direitos fundamentais comprovam a existência
na prática cotidiana”. Assim, cabe aos cidadãos praticarem o direito-dever ao meio
ambiente equilibrado, fortalecendo o sentimento constitucional ambiental.
A Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução nº 37/7, de 28 de
outubro de 1982, proclamada pela Assembléia Geral, também se manifesta
holisticamente, quando enuncia: “Every form of life is unique, warranting respect
regardless of its worth to man, and, to accord other organisms such recognition, man
must be guided by a moral code of action”35 (ONU, 1982).
E em 1992, com o advento da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92), a concepção holística ambiental
fortaleceu-se com a ideia de desenvolvimento sustentável. A Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ONU, 1992b), em sua apresentação,
35 “Toda forma de vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua utilidade para o
homem, e, com a finalidade de reconhecer aos outros organismos vivos este direito, o homem deve
se guiar por um código moral de ação”. Tradução nossa.
113
estabeleceu a necessidade de que os Estados “protejam a integridade do sistema
global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e
interdependente da Terra, nosso lar”.
A vida e sua qualidade dependem da complexa relação entre os fatores constituintes
do meio. O equilíbrio ecológico está vinculado a essas interações. Por isso, “[...] o
mundo natural tem seu valor próprio, intrínseco e inalienável, uma vez que ele é
muito anterior ao aparecimento do homem sobre a Terra” (MILARÉ e COIMBRA,
2004, p. 19). “Toutes les formes de vie doivent être considérées comme un
patrimoine essentiel de l’humanité. Endommager l’équilibre écologique est donc un
crime contre l’avenir [...]”36 (PRIEUR, 1996, p. 887).
Lecionam Pessini e Barchifontaine (2002, p. 337) que o ser humano é parte e
parcela da natureza, sustentando que “o ser humano [...] se coloca sobre as coisas
em vez de sentir-se junto e com elas, numa imensa comunidade planetária e
cósmica”. A ecologia profunda e o holismo ambiental buscam a inclusão dos seres
humanos nas preocupações ambientais.
A criação de uma consciência ambiental efetiva em que os cidadãos sintam-se parte
integrante e ativa na proteção do ambiente é primordial. Neste sentido, o sentimento
jurídico-constitucional ambiental releva-se. O ter Constituição (e legislação) protetiva
do ambiente é uma realidade brasileira. O estar em Constituição e o sentir-se em
Constituição é que ainda ficam aquém do desejado.
Para que os brasileiros encarem o ambiente como “casa comum” e como “lar de
todos” o fortalecimento do sentimento constitucional ambiental e a modificação da
postura mercadológica e exploratória para uma postura integrada e holística tornam-
se fatores reconstrutores da interação dos seres humanos com o meio natural.
O alerta de Samuel Murgel Branco (1995, p. 231) é sobremaneira pertinente:
36 “Todas as formas de vida devem ser consideradas como um patrimônio essencial da humanidade.
Prejudicar o equilíbrio ecológico é um crime contra o futuro [...]”. Tradução nossa.
114
O homem pertence à natureza tanto quanto - numa imagem que me parece
apropriada - o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e
canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e
desenvolvimento, não lhe dando nada em troca. E seu dependente, mas
não participa (pelo contrário, interfere) de sua estrutura e função normais.
Será um simples embrião, se conseguir sugar a natureza,
permanentemente, de forma compatível, isto é, sem produzir desgastes
significativos e irreversíveis; caso contrário, será um câncer, o qual se
extinguirá com a extinção do hospedeiro...
Ainda há tempo para reversão da crise ambiental, ou pelo menos, sua mitigação. Os
riscos produzidos pelos seres humanos podem ser reduzidos. A saturação do
planeta ainda não foi atingida. A hodierna conjuntura é reversível. Cabe a
humanidade decidir ser o embrião ou o câncer.
Alerta Pablo Lucas Verdú (2004, p. 171): “É óbvio que a insensibilidade institucional
atinge a Constituição e prejudica o sentimento constitucional”. Da mesma forma, a
insensibilidade dos cidadãos ante a crise ambiental enfraquece o sentimento
constitucional ambiental.
Marcelo Pelizzoli (2002, p. 116) traz a relação entre a ecologia profunda e o holismo
ecológico com a busca da concepção holística
por uma volta à Natureza, à autenticidade da vida humana imbricada com
os processos naturais. [...] onde se procura fazer uma “ecologia profunda”,
que vá à raiz dos nossos males, propondo uma mudança de vida: nos
modelos de consumo, de racionalidade, ou seja, de relação com a Vida.
Esta postura atravessa incontáveis autores e posições, que vêem ali valores
fundamentais para o resgate da sustentabilidade e da orientação da vida
humana em nosso tempo de crise.
O meio ambiente é um todo constituído por diversos elementos interdependentes e
correlacionados, que interagem mutuamente entre si, estabelecendo seu próprio
equilíbrio. O ambiente deve ser globalmente considerado, em todos os seus
aspectos e componentes, inclusive humano, uma vez que dessa relação inextricável
surgem as condições de vida para todas as espécies.
A racionalidade jurídico-normativa atual não consegue responder aos problemas
ambientais de modo eficaz. O estilo de vida consumista, os padrões elevados de
poluição, a industrialização exploratória e a ausência da conscientização em prol do
115
ambiente e o fraco sentimento constitucional ambiental interferem negativamente na
tutela ambiental, corroborando com a sociedade de risco e com a crise.
O novo milênio iniciou-se, o século XXI espalha seus efeitos e a afirmação de Edgar
Morin e Anne Briitte Kern (1995, p. 10) continua válida:
A tomada de consciência da comunidade de destino terrestre deve ser o
acontecimento chave do fim do milênio: somos solidários desse planeta,
nossa vida está ligada à sua vida. Devemos arrumá-lo ou morrer. Assumir a
cidadania terrestre é assumir nossa comunidade de destino.
A conscientização do papel dos seres humanos em seu próprio destino e no destino
do planeta transforma-se em fator de mudança paradigmática. A assunção de
responsabilidade para com o meio ambiente, priorizando tanto a tutela do mundo
natural quanto do ecossistema social será reflexo da consciência ambiental holística
e do sentimento ambiental. A “melhor qualidade de vida para o ser humano [é]
expressão que aproxima a defesa ambiental das reivindicações sociais” (BRANCO,
1995, p. 229).
Conservar os recursos e o equilíbrio ambientais torna-se imprescindível para
manutenção da qualidade de vida da espécie humana e das demais espécies, vez
que, a relação entre os recursos ambientais, sejam eles bióticos ou abióticos, e a
vida é inexorável, não existindo vida sadia sem recursos naturais hígidos e sem
meio harmônico.
Para que os brasileiros exerçam seus direitos e vivam dignamente, as preocupações
com a sociedade de risco, com a crise ambiental, com a efetivação do artigo 225 da
Constituição e a manutenção de sua força normativa devem ser constantes. A
ciência, o progresso e a tecnologia não podem resolver a todos os problemas,
especialmente, questões filosóficas e comportamentais.
Os quebra-cabeças e as construções modelares dos paradigmas científicos normais
não aplicam-se a tudo. Algumas questões são sentidas e vividas pelos cidadãos e a
solução também é construída e aceita por eles. A canção “The Scientist” da banda
Coldplay relata isso:
116
I was just guessing at numbers and figures
Pulling the puzzles apart
Questions of science, science and progress
Do not speak as loud as my heart37 (MARTIN et al, 2002)
A verdade da Ciência ou a imposição da lei não têm o condão de alterar o
pensamento e o comportamento das pessoas. A necessidade de mudança precisa
ser vivida pela sociedade para que surja a consciência. Na seara ambiental, os
problemas são evidentes, o progresso os criou e/ou agravou e a ciência não
consegue resolve-los.
A saída é a mudança de postura da humanidade frente ao ambiente. E o paradigma
que melhor se aplica a esta alteração comportamental é o holismo ambiental. A
visão sistêmica do ambiente com a inserção dos seres humanos nas preocupações
com o ambiente é uma possível solução para a melhoria do atual contexto de crise
ambiental e social.
A responsabilidade compartilhada pela vida dos seres vivos, pelo equilíbrio
ambiental e pela vida dos irmãos humanos pautada na solidariedade é uma atitude
enaltecedora da ecologia profunda.
Todos os humanos vivem no jardim comum à vida, habitam a casa comum à
humanidade. Todos os humanos são arrastados na aventura comum da era
planetária. Todos os humanos estão ameaçados pela morte nuclear e a
morte ecológica. Todos os humanos sofrem a situação agônica da transição
do milênio.
Precisamos fundar a solidariedade humana não mais numa ilusória
salvação terrestre, mas na consciência de nossa perdição, na consciência
de nossa pertença ao complexo comum tecido pela era planetária, na
consciência de nossos problemas comuns de vida ou de morte, na
consciência da situação agônica de nosso fim de milênio (MORIN e KERN,
1995, p. 10).
Os riscos, perigos, medos, angústias, ameaças, são reais para todos. Esses
problemas não selecionam classe social, hemisférios norte ou sul, etnias, raças ou
37 “Eu só estava pensando em números e figuras
Rejeitando seus quebra-cabeças
Questões da ciência, ciência e progresso
Não falam tão alto quanto meu coração”.
Tradução nossa.
117
religiões, não escolhem nacionalidades ou países, não fazem distinção de gênero ou
opção sexual. A condição volátil da existência é o que torna todos humanos.
Oportuna a colocação da Bauman (2013, p. 106): “Será preciso, nada mais, nada
menos, que o universo das obrigações morais passe a abranger a humanidade
como um todo, juntamente com sua dignidade e seu bem-estar, assim como a
sobrevivência do planeta, seu lar comum”.
A condição incerta do futuro é que precisa unir os humanos em prol de causas que
melhorem o presente a garantam qualidade ao futuro. A proteção e promoção do
meio ambiente ecologicamente equilibrado e a defesa dos direitos humanos são
causas nobres e que destacam-se como indispensáveis no século XXI.
Como poetizou John Lennon (1971), em sua eterna “Imagine”:
You may say,
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one38.
38 “Você pode dizer
Que sou um sonhador
Mas não sou o único
Tenho a esperança de que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo viverá como um só”.
Tradução nossa.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a colonização do Brasil pelos portugueses, como colônia de exploração, o
meio ambiente é tratado como reserva ilimitada de recursos e desprovido de
qualquer relevância senão a financeira. O antropocentrismo imperou (e ainda
impera) com a ideia de superioridade e independência dos seres humanos em
relação à natureza.
Com a mudança de postura gradual da humanidade, com a ampliação das
preocupações ambientais e com a tomada de consciência da dependência que os
seres humanos têm em relação aos recursos ambientais, o sentir ambiental passou
a se fortalecer. A defesa do meio ambiente deixou de ser relegada a segundo plano
e assumiu papel de destaque, em especial, com a sociedade de risco.
Novos paradigmas ambientais surgiram, em especial o holismo e a ecologia
profunda, e os eventos internacionais ambientais tomaram relevo. As normas
jurídicas brasileiras também foram influenciadas com a inserção das discussões
internacionais sobre desenvolvimento sustentável e visão sistêmica ambiental. A
postura dos brasileiros também mudou com a defesa, proteção e promoção do
ambiente em diferentes setores da sociedade, desde à escola com a educação
ambiental, à casa com a coleta seletiva de resíduos, aos embates acadêmicos, à
mídia.
A teoria do sentimento, ao ser incorporada aos estudos jurídicos, com destaque para
o autor espanhol Pablo Lucas Verdú, proporcionou a construção do sentimento
jurídico-constitucional. O sentir constitucional denota a adesão e a confiança dos
cidadãos no ordenamento constitucional vigente, ensejando a luta pelos direitos e
garantias fundamentais.
O sentimento constitucional ambiental aplica a teoria do sentimento constitucional à
temática meio ambiente (artigo 225 da Constituição de 1988). O sentir ambiental
119
denota a postura reflexiva e consciente dos seres humanos em relação aos
problemas e à crise ambiental.
A mera previsão textual de proteção do meio ambiente na Constituição não é
suficiente para garantir na prática que a defesa do ambiente seja real, efetiva e
satisfatória. Daí a relevância do sentimento constitucional ambiental como fator de
efetivação da vontade constitucional no chão da vida.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é conditio sine qua non para o
desenvolvimento da vida humana com qualidade. A interação harmônica entre o
homem e o meio natural implica a imersão da figura humana no ambiente, o que,
consequentemente, gera mudança de postura, de um posicionamento egoísta,
antropocêntrico e interesseiro para uma postura ética e consciente, de respeito ao
ambiente.
O ser humano está na natureza, faz parte do meio ambiente onde vive e, ao agredi-
lo, agride a si próprio. Ao protegê-lo, a contrario sensu, garante o futuro de seus
próprios descendentes e realiza-se enquanto ser biótico. A simbiose entre homem e
natureza propicia aos cidadãos a conscientização em relação à sua função diante do
meio natural na sociedade de risco.
Esta é a postura expressa pelo sentimento constitucional ambiental. A garantia do
direito-dever fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com o
exercício da consciência ambiental e com a modificação da postura dos cidadãos
frente às questões ambientais denota o sentir ambiental.
Para construção do sentimento constitucional ambiental, sabendo-se que os danos
ambientais não respeitam limites territoriais, impõe-se a superação do conceito
clássico de Estado. As fronteiras nacionais perdem a força quando se trata da
problemática ambiental.
O sentimento constitucional ambiental não se fixa apenas ao território brasileiro. A
manutenção do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida demandam a
preocupação com todos os sistemas naturais, dentro ou fora no território nacional. A
120
transnacionalidade de um ecossistema não impede que o sentimento constitucional
ambiental exista quanto a ele.
O sentimento constitucional ambiental brasileiro ainda é insipiente e está em
construção, mas um longo caminho já foi percorrido. O incentivo à participação,
permanente e responsável, da sociedade na proteção do meio ambiente é um valor
intrínseco ao exercício da cidadania plena. Só se constrói uma sociedade livre, justa
e solidária com a união do Poder Público e dos cidadãos, individual ou
coletivamente, em prol da defesa dos valores e princípios basilares consagrados na
Constituição, dentre os quais, a conservação do ambiente.
A conscientização ambiental, pautada no holismo e na ecologia profunda, possibilita
aos indivíduos um agir reflexivo, ético e ativo para transformação da realidade
destrutiva do meio natural, construindo a cidadania ambiental e efetivando os
valores e princípios de conservação do ambiente expressos na Constituição de
1988, afastando o contexto de ressentimento e descrença constitucional e
possibilitando uma conjuntura de estima e confiança na Lei Maior, com a construção
e o fortalecimento do sentimento constitucional ambiental brasileiro e a efetiva
preservação do ambiente.
121
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