por exemplo, da Eugenia negativa os brasileiros e os
latino-americanos não eram radicais na defesa da
esterilização e segregação racial, pois preferiam a
prevenção, com uma política de democratização de
hábitos higiênicos, e valores morais que evitassem
o alcoolismo, doenças infecciosas e sexualmente
transmissíveis. Outra especificidade estava na
discussão de formação de uma identidade nacional
(Stepan, 2005). Para Torres a formação da identidade
nacional perpassava a necessidade de uma organi-
zação nacional. Assim, o Estado brasileiro poderia
intervir com eficiência, e poderíamos confiar na
melhoria das condições de vida e de trabalho de
nosso povo. Poderíamos ter otimismo em relação
ao futuro. Em seus termos:
Não temos senão motivos, assim, para confiar na
energia e na capacidade das nossas raças.
Ao fator moral da confiança cumpre juntar, con-
tudo, outros, mais importantes, que devem visar
à solução dos nossos mais sérios problemas: a
consolidação do caráter do povo, pela educação; a
defesa da sua economia física, pela alimentação e
pela higiene pessoal, doméstica e pública; a defesa
da sua economia social, pela política econômica. A
causa principal do êxito de quase todo imigrante
nos países novos é o estímulo da esperança de
fortuna sobre terras ricas, prometedoras e férteis:
é um fenômeno, verificado, de psicologia social,
na história das migrações. É preciso que a nossa
sociedade mantenha, nos herdeiros, e estimule,
nos indígenas e nos descendentes desses colonos
forçados que foram os escravos, a mesma ambição
laboriosa (Torres, 1982b, p.71).
Nisso consistiu o idealismo de Torres e dos hi-
gienistas brasileiros, na negação das teorias deter-
ministas e na busca da intervenção estatal através
de uma melhor organização.
A degeneração racial do brasileiro, mentalidade
ainda presente entre autores de seu tempo, foi refu-
tada. Ele reagiu a essa concepção e acentuou que os
fatores que levavam a tal abatimento eram de ordem
social, residentes na não intervenção estatal nos
campos da assistência, da saúde pública, da educa-
ção. Inovou contrariando o pensamento brasileiro
determinista e construindo uma análise social da
realidade brasileira (Souza, 2005; Bariani, 2007).
Entender Torres nesse contexto é percebê-lo não
como um antiliberal, mas como representante de
uma transição do predomínio de ideias liberais es-
tritas para a articulação de um ideário republicano.
Como homem público, e de governo, ele passou da
prática à teoria, daí seu “realismo”. Assim, o político
liberal e republicano sofreu uma cisão em seu pensa-
mento político. Seu pensamento, portanto, deriva do
contraste por ele percebido entre a prática política
e as teorias liberais, ressignificadas no contexto
brasileiro. Daí a descrença na importação de ideias
estrangeiras como salvadoras (Souza, 2005).
Essa mentalidade, rotulada como antiliberal,
significou a adesão ideológica de Torres a uma posi-
ção autoritária e fascista? Torres era um antiliberal,
com prenúncios fascistas e autoritários? Ou um
reformista dentro das próprias concepções liberais?
Embora Torres estivesse decepcionado, jamais
renegou seu republicanismo, diferentemente de
Oliveira Vianna, que, a despeito da admiração que
nutria pelo mestre, fazia questão de afirmar e ressal-
tar as divergências frente às posturas extremamente
“liberais” de seu inspirador (Fernandes, 2007).
Torres parece em sua época construir um ideário
reformista liberal, contudo com especificidades para
a realidade brasileira. Sabia que a mão invisível do
Estado não dava conta das demandas sociais do país.
Os intelectuais brasileiros que tinham como
referência o liberalismo econômico clássico não
observavam que os próprios europeus, já nos séculos
XVIII e XIX, também propunham uma reforma do
liberalismo. Pressionadas pelos movimentos sociais,
França e Inglaterra também aderiram a uma menta-
lidade de Estado interventor nas questões sociais,
cedendo à pressão da oposição e de seus críticos.
Comparativamente, na Europa dos séculos XVIII
e XIX começa a se sedimentar um discurso de melho-
ria das condições de vida, o que só se sustentaria com
a intervenção do Estado. Com a Revolução Francesa,
que significou o advento do liberalismo econômico,
as políticas públicas de saúde estavam fadadas ao
abandono. Se antes, em governos absolutistas, o
Estado não se manifestava efetivamente em relação
a essas questões, agora, com o Estado mínimo do
liberalismo, no qual os gastos dos governos deviam
ser reduzidos, o quadro poderia se agravar. Contudo,
o liberalismo promoveu o crescimento do Estado,
Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.4, p.1445-1457, 2014 1453