Awe: Efeitos na Cognição, Emoção e Motivação
pró-social (Joye & Bolderdijk, 2014; Piff et al., 2015; Rudd
et al., 2012), possivelmente associada a uma intensificação
de sentimentos afiliativos (Cappellen & Saroglou, 2012). Foi
também descrito por mais de um artigo (Joye & Bolderdijk,
2014; Rudd et al., 2012) um efeito de melhora no humor dos
participantes ou em sua satisfação com sua própria vida após
a evocação de awe. Ademais, esse estado emocional parece
alterar a concepção dos sujeitos sobre o tempo, fazendo com
que este pareça menos escasso e aqueles se tornem menos
impacientes, além de mudar as prioridades dos indivíduos
com relação à alocação desse recurso, levando-os a priorizar
experiências vivenciais acima de bens materiais (Rudd et al.,
2012), e experiências espirituais sobre outras de natureza
hedonista (Cappellen & Saroglou, 2012).
Curiosamente, a emoção estudada promove o que
poderia ser descrito como um aumento do senso crítico com
relação à avaliação de argumentos, tornando os participantes
menos inclinados a se deixar persuadir por argumentação
fracamente embasada (Griskevicius et al., 2010), mas isso
não se refletiu num aumento do ceticismo com relação a
temas de natureza mística: em Valdesolo e Graham (2014),
pelo contrário, foi encontrada uma correlação entre a indução
de awe e a interpretação de eventos como resultantes de
uma determinação intencional e dirigida para um propósito
(agency detection, ou detecção de agência, numa tradução
livre) por parte dos sujeitos, medida através de escalas sobre
a crença no sobrenatural e pela identificação de padrões
(falsos) em sequências numéricas aleatórias.
Dois dos artigos incluídos, por fim, concentrando-se
sobre as condições de evocação do sentimento de awe,
identificaram uma maior predisposição a essa emoção em
pessoas que pontuavam mais alto em escalas para medição
do grande fator de personalidade Abertura à experiência
(Silvia et al., 2015), e um maior potencial de eliciação desse
estado por espaços naturais “selvagens” ou largamente
intocados, em oposição àqueles visivelmente planejados
e modificados pelo homem (Davis & Gatersleben, 2013).
Os métodos empregados na evocação do sentimento de
awe foram diversos, incluindo a exposição a imagens ou
vídeos de grandiosidade na natureza, como tornados ou o pôr
do sol, a produção de relatos sobre vivências anteriores dessa
sensação como maneira de provocá-la novamente através da
concentração na memória do evento, e a exposição à natureza
in vivo. Todos os experimentos se valeram da indução de
outras emoções positivas e/ou de estados emocionais neutros
em condições similares, como situações controle.
A Tabela 1 apresenta um detalhamento do método e
resultados de cada artigo individualmente.
DISCUSSÃO
Todos os estudos incluídos na revisão apontam para
efeitos positivos de experiências indutoras de awe sobre os
sujeitos, o que talvez não seja de todo surpreendente. Tal
simplicidade é apenas aparente: uma análise aprofundada
dos resultados em conjunto revela não só implicações além
da simples confirmação da crença, algo intuitivo, de que
esses estados emocionais sejam agradáveis, como também
acaba por gerar mais perguntas do que respostas, apontando
diversos possíveis caminhos para a recém-iniciada
exploração desse tema pela psicologia experimental.
Uma dimensão em que foram feitas observações
aparentemente contrastantes é a maneira como o awe
impacta a relação de um indivíduo com os demais. Se, por
um lado, a indução de awe foi associada à intensificação
da sensação de pertencimento tanto a um grupo de pessoas
próximas quanto à coletividade ou humanidade de maneira
geral (Capellen & Saroglou, 2012), e repetidamente
mostrou-se um fator de incentivo ao comportamento pró-
social (Joye & Bolderdijk, 2014; Piff et al., 2015; Rudd
et al., 2012). Por outro lado, não parece haver qualquer
correlação entre a Extroversão – conforme definida pelo
modelo dos cinco grandes fatores de personalidade – e a
propensão a vivenciar emoções associadas ao awe. Esse
resultado ocorre a despeito da reconhecida relação entre
esse traço e a ocorrência de estados emocionais positivos de
maneira geral (Silvia et al., 2015), e da própria definição do
fator Extroversão como caracterizado pela predisposição a
interagir com outras pessoas (Ashton & Lee, 2001). Pode ser
notado também que as diferentes estratégias de manipulação
experimental empregadas para gerar awe nos participantes
foram todas atividades individuais, nas quais muitas vezes
sequer havia qualquer espécie de referência à socialização
ou à presença de outras pessoas: no caso dos estudos que se
valeram de fotografias de cenários naturais, por exemplo, não
foi relatada por nenhum dos autores a escolha preferencial
por imagens em que houvesse pessoas presentes (Joye &
Bolderdijk, 2014; Silvia et al., 2015; Piff et al., 2015).
Extrai-se daí que o awe é, simultaneamente, uma emoção
que não tem um caráter inerentemente social – isto é, que
não depende de um contexto de interação interpessoal para
ser eliciada e que, na verdade, talvez seja mais facilmente
evocada por experiências introspectivas, que muitas
vezes ocorrem de maneira solitária – e um modificador da
maneira como uma pessoa se vê com relação às demais.
Devido à ausência de um componente social direto nesse
tipo de experiência, é razoável supor que esse impacto seja
consequência de influências mais amplas do awe sobre a
cognição. Piff et al. (2015) observaram uma correlação entre
a indução experimental de awe e o fenômeno denominado
small self (“eu pequeno”, numa tradução literal), em que o
indivíduo vivencia uma diminuição subjetiva da percepção
de seu próprio eu e seus desejos e objetivos face à consciência
de uma entidade tida como maior e mais poderosa. Mais do
que isso, uma análise de mediação confirmou que os efeitos
Psic.:Teor. e Pesq., Brasília, 2021, v. 37, e37210
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