Há de fato certa urgência em utilizar a escola como espaço que faça sentido, capaz de
atender às demandas históricas dos sujeitos que a frequentam e de todos aqueles que
compõem a comunidade escolar. Sem dúvida uma aspiração comum entre índios e não-índios,
na qual o currículo27 deve pautar-se no entendimento de que possui forma e significado
educativo e cultural, sendo imprescindível o entendimento da imbricação teoria/prática e o
olhar voltado ao grupo escolar.
Os povos indígenas possuem uma noção de escola que poderíamos chamar ampliada
quando comparada à sociedade envolvente, porque difere da nossa visão de instituição de
ensino puramente formal. Basta recorrermos aos depoimentos indígenas, como o de Gersem
dos Santos Luciano, do povo Baniwa28, utilizado por Rosa Helena Dias da Silva, em seu texto
“O estado brasileiro e a educação (escolar) indígena: um olhar sobre o Plano Nacional de
Educação”:
A família e a comunidade (ou povo) são os responsáveis pela educação dos filhos. É
na família que se aprende a viver bem: ser um bom caçador, um bom pescador, um
bom marido, uma boa esposa, um bom filho, um membro solidário e hospitaleiro da
comunidade; aprende-se a fazer roça, a plantar, fazer farinha; aprende-se a fazer
cestarias; aprende-se a cuidar da saúde, benzer, curar doenças, conhecer plantas
medicinais; aprende-se a geografia das matas, dos rios, das serras; a matemática e a
geometria para fazer canoas, remos, roças, cacuri etc.; não existe sistema de
reprovação ou seleção; os conhecimentos específicos (como o dos pajés) estão a
serviço e ao alcance de todos; aprende-se a viver e combater qualquer mal social,
para que não tenha na comunidade crianças órfãs e abandonadas, pessoas passando
fome, mendigos, velhos esquecidos, roubos, violência, etc. Todos são professores e
alunos ao mesmo tempo. A escola não é o único lugar de aprendizado. Ela é uma
maneira de organizar alguns tipos de conhecimento para ensinar às pessoas que
precisam, através de uma pessoa, que é o professor. Escola não é o prédio construído
ou as carteiras dos alunos. São os conhecimentos, os saberes. Também a
comunidade possui sua sabedoria para ser comunicada, transmitida e distribuída.
Na escola indígena o corpo equipara-se à grande razão, de Nietzsche, visto que nela
os sentidos devem ser ouvidos e experimentados. “Instrumentos e brinquedos são os sentidos
e o espírito; atrás deles acha-se, ainda, o ser próprio. O ser próprio procura também com os
olhos dos sentidos, escuta também com os ouvidos do espírito” (NIETZSCHE, 2010, p. 60).
Importa, desse modo, nas comunidades indígenas a vida vivida, experimentada – algo
inconcebível na educação dos tais “homens brancos” por conta do cronograma e currículos
rígidos – e o sentido mesmo de estar em grupo compartilhando saberes. Pudemos constatar
essa ocorrência lendo os depoimentos dos professores indígenas de etnias diversas,
participando de eventos29 com os indígenas e também na visita à Escola Indígena Estadual
Guarani Karai Kuery Renda, no ano de 2010, da comunidade indígena Guarani Mbyá30. Um
professor indígena da etnia guarani foi quem nos recebeu e, gentilmente respondendo as
nossas inquietações e curiosidades, também nos apresentou a comunidade: a cachoeira, o
posto médico, o espaço de lazer – uma espécie de quadra improvisada, na qual meninos e
27 As questões referentes ao currículo são amplas, complexas e muito importantes. Para este estudo não
aprofundamos essas questões. Contudo, alguns autores são pontuais para o entendimento sobre a circunscrição
do currículo escolar, a saber: Tomás Tadeu da Silva, Gimeno Sacristán e Miguel Gonzáles Arroyo, entre outros.
28 O povo Baniwa vive na região do Rio Negro/AM. E o depoimento foi proferido durante o IX Encontro dos
Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, Manaus, 1996.
29 Foram relevantes muitos eventos acadêmicos, mas destacamos, para esta pesquisa, a importância dos eventos
III Simpósio de Cultura Corporal e Povos Indígenas:“Jogos Indígenas: saúde e educação intercultural” &
Seminário Práticas Corporais e Educação Intercultural: Jogos dos Povos Indígenas do Brasil, realizados entre os
dias 09 a 11 de setembro em Cuiabá/MT.
30 A referida escola está situada na aldeia Sapucai, distrito de Bracuí, localizada no município de Angra dos Reis,
do Estado do Rio de Janeiro.