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para distinguir e separar estes mundos lhe bastou localizá-los em diferentes regiões do
universo físico, cujos respectivos espaços agregariam de um lado o profano e o mal, e do
outro, separado, o bem e o sagrado.127
Esta é a experiência primitiva de espaço da pessoa que nós ainda podemos perceber
na história da religião. Espaços são sempre espaços de vida e de domínio de
determinados sujeitos, sejam eles animais, pessoas, deuses, espíritos ou demônios.
São os contextos e os campos de força destes sujeitos, por eles preenchidos,
dominados e habitados, e, por isso, também devem ser respeitados como seus
espaços de vida.128
A divisão do mundo em dois domínios que compreende de um lado tudo o que é
sagrado e do outro, tudo o que é profano129, será o traço distintivo do pensamento humano e a
porta por onde surgirá a religião e a busca do divino e transcendente. Esta concepção estará na
base da organização humana de seus mundos e na delimitação e edificação de seus espaços.
Tudo bem delimitados pela linha tênue do respeito e da devoção, da fé e da adoração.
127 Ao tratar aqui do sagrado, será feita breve alusão ao sagrado arcaico, pré-bíblico, mas sem preocupação de
desenvolver mais a fundo o tema. Para uma maior aprofundamento, convém lembrar Rudolf Otto (1869 –
1937), pastor, teólogo e filósofo alemão, e sua obra escrita em 1917, Das Heilige (O Sagrado), que figura
entre os clássicos da Filosofia da Religião. Em seu estudo, a intenção de Otto é observar as características do
elemento não-racional em contraste com os do racional, dentro do universo religioso. Convencionou-se
entender a categoria de sagrado como algo estrita e estreitamente ligado ao ético, ao moral e à bondade. Com
o estudo de Otto, porém, tal redução mostra-se simplista, pois demonstra que o sagrado não pode ser tão
facilmente medido e compreendido, elucidado em conceitos, ou, mais ainda, entendido e definido, pois existe
apenas no universo do inefável. É este aspecto não compreensivo da religião que interessa a Otto. Este
caráter de tremendo mistério ele o denominou numinoso. O mysterium tremendum, “mistério que faz tremer”,
expressa-se primeiramente na forma brutal do sinistro, do terrível, o que para Otto é o aspecto mais primitivo
ou não evoluído do tremendo. É o medo em seu estágio inferior, é o terror, o panicon (ou pânico), o medo
dos demônios, o calafrio que manifesta nosso terror frente ao sinistro da vida. Noutro estágio, mais elevado
da religião, mais evoluído, onde começa a se confundir com o mirum (fascinante) e com o majestas, aparece
um sentimento em que o numinoso é tudo e nós somos nada. Ele nos aterroriza porque está ligado ao que é
diferente e não ao sinistro, está ligado ao totalmente outro, ao mirum que nos deixa estupefatos e nos
“paralisa”, nos estatifica. Faz-nos tremer e ao mesmo tempo o buscá-lo, pois é incompreensível e diferente,
alguma coisa que exerce uma atração particular, uma estranha harmonia de contrastes. O tremendum e o
majestas implicam em um terceiro elemento, a energia que empurra o ser humano à vida religiosa, ao zelo, à
santidade, ao amor pelo sagrado. Em um estágio mais evoluído esse sentimento se exprime, no culto que se
expressa a uma divindade, como reconhecimento da necessidade de homenagear e honrar a este Ser que nos
ultrapassa. Como vemos, é o fascinante (aspecto do mirum), que na solenidade, pode encher a alma e dar-lhes
uma paz indescritível. Não se trata apenas de medo, já que ele é majestas, é também reverência e
reconhecimento de uma entidade infinitamente superior. Isto pode ser entendido como o início da
racionalização do divino, a transformação do sagrado/numinoso no sagrado/santidade – moral, ético e
dogmatizado. Para Otto, esse é o processo normal da evolução do numinoso dentro da religião (REVISTA
THEOS. Resumo feito de pesquisa. Disponível em: <www.revistatheos.com.br/Artigos%20Anteriores/Resenh
a_01_01.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2012).
128 MOLTMANN, J. Deus na criação – doutrina ecológica da criação, p. 214.
129 “Não existe na história do pensamento humano um outro exemplo de duas categorias tão profundamente
diferenciadas, tão radicalmente opostas uma à outra” (DURKHEIM, É. As formas elementares da vida
religiosa, p. 22).