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em aberto, uma vez que a médica relatou que para a medicina esses casos são complicados de se
tratar, pois há sempre uma recaída da pessoa. Porém, o quadro não foi alterado, o que a médica
sabe é que, depois da experiência vivida, a paciente não voltou mais a procurar pelos serviços do
CAPS.
Outro caso relatado faz menção a uma caiçara da ilha de Búzios, que apresentava-se em
surto e necessitava de ajuda terapêutica com urgência:
Eu vou falar da Judite, da Ilha de Búzios, ela é um caso assim pra livro. Na verdade ela
foi a primeira paciente que eu fui resgatar em Búzios, só me passaram assim: A lancha
está esperando a senhora no píer, e é pra senhora trazer esta paciente, que ela está em
surto. Eu não sabia o que era Búzios, e fui em uma lancha maravilhosa, chegou num
estante. Aí começaram a chamar os caiçaras para trazerem canoa pra gente desembarcar.
Eles conversavam entre eles gritando, eu não entendia uma palavra, eles têm um dialeto.
Aí pra ir até onde morava a Judite precisava subir, era assim 90 graus, num sol de
janeiro, de rachar, eu de tamanquinho, salto, subindo, as pedras eram tão quentes e eu
não sabia se tirava o tamanco e pisava no quente, ou se eu agüentava o tamanco que tava
doendo no meu pé. Bom depois de muito sacrifício eu consegui chegar lá em cima que é
onde eles moram, são uns casebres, é um negócio horroroso, aí eu pedi água, e veio uma
água barrenta, eu não tive coragem de tomar... Aí cadê a Judite, me trouxeram a Judite e
ela estava surtada, ela queria pular ao mar, eu não sabia o que iria encontrar, eu tinha
levado algumas injeções, e então falei, pelo menos vai ter que fazer as injeções... Ela
conversava sozinha, gesticulando, coisas que a gente não entendia, bom aí tinha ido um
enfermeiro comigo, e só ele não dava conta de imobilizar a paciente para eu aplicar a
injeção, então precisávamos pedir ajuda aos moradores. Foi uma cena de violência, a
gente não faz mais isso, mas não tinha outro jeito, então a gente fez com que a paciente
deitasse no chão e aplicamos a injeção. Daí a gente precisava imobilizá-la para colocá-la
na canoa pra chegar na lancha. Mas imobilizar e descer aquela ladeirona. Por bem ela
não ia, eu falava pra ela lá do alto: Olha, você ta vendo aquela lancha, vamos passear na
Ilhabela. Precisa de ver o piloto que lindo que ele é, vamos lá pra ver. Ela olhava assim e
falava: Não, pode ficar com ele pra você, eu vou de helicóptero. E nisso já estava
escurecendo, ficando tarde e a gente tinha que levar, aí nesse meio tempo estava toda a
população, toda comunidade estava lá, junto com a gente gritando, alguns xingando a
gente, porque estávamos fazendo assim uma violência contra a moça, e outros gritando
com quem estava gritando. Então foi uma coisa horrível, muito estressante. Nós não
conseguimos levá-la. Aí eu voltei no dia seguinte, 7 horas da manhã, foram vários
rapazes da defesa civil, e conseguimos resgatar a moça. Mas foi um ato de violência
pura. Amarraram, enrolaram ela no cobertor, como uma lingüiça e puseram na canoa,
porque ela estava agitada, quase virava a canoa, dois caras nadando e segurando a canoa
pra ela não pular. Chegando na lancha a gente agradou, deu coca-cola, deu lanche e ela
veio numa boa, paquerando os rapazes. Naquele tempo não havia o CAPS. A gente só
tinha o posto de saúde, e a gente não tinha onde deixá-la, o que fazer com ela, então a
gente teve que interná-la. Ela ficou três meses internada no manicômio. Depois que ela
voltou, a família não queria ela, o marido não queria ela, ele já tinha vindo embora aqui
pra Ilha com os filhos e estava em uma casinha trabalhando. Quando a Judite voltou do
manicômio, ela simplesmente foi orientada pela família de Búzios que não voltasse pra
Búzios e ficasse com o marido... Então ela está aqui na Ilha, o marido foi embora com
outra mulher e ela está na casa que era do marido. Aí deu uma confusão muito grande,