ECOLOGIA DE SI, A POESIA DAS ESTAÇÕES DA VIDA: HISTÓRIAS DE VIDA E RELAÇÕES TERAPÊUTICAS DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MULTI-INSTITUCIONAL EM DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO
PRISCYLLA LINS LEAL
ECOLOGIA DE SI, A POESIA DAS ESTAÇÕES DA VIDA:
HISTÓRIAS DE VIDA E RELAÇÕES TERAPÊUTICAS DE PRÁTICAS
INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE
SALVADOR
2021
PRISCYLLA LINS LEAL
ECOLOGIA DE SI, A POESIA DAS ESTAÇÕES DA VIDA:
HISTÓRIAS DE VIDA E RELAÇÕES TERAPÊUTICAS DE
PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM
SAÚDE
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
Multi-Institucional em Difusão do Conheci-
mento como requisito para obtenção do grau de
Doutora em Difusão do Conhecimento.
Áreas de Concentração: Modelagem da
Geração e Difusão do Conhecimento
Linha 02 – Difusão do Conhecimento –
Informação, Comunicação e Gestão
Prof.(o)Dr.(o) Dante Augusto Galeffi
SALVADOR
2021
SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira
Leal, Priscylla Lins.
Ecologia de si, a poesia das estações da vida : histórias de vida e relações
terapêuticas de práticas integrativas e complementares em saúde / Priscylla Lins
Leal. - 2021.
183 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi.
Tese (Doutorado em Difusão do Conhecimento) - Programa de Pós-
Graduação Multi-institucional em Difusão do Conhecimento, Salvador, 2019.
1. Medicina integrativa. 2. Ecologia. 3. Cuidados. 4. Autobiografia. I.
Galeffi, Dante Augusto. II. Programa de Pós-Graduação Multi-institucional em
Difusão do Conhecimento. III. Título.
CDD 615.53 - 23. ed.
PRISCYLLA LINS LEAL
ECOLOGIA DE SI, A POESIA DAS ESTAÇÕES DA VIDA: HISTÓRIAS DE VIDA E
RELAÇÕES TERAPÊUTICAS DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES
EM SAÚDE
Tese apresentada como requisito para obtenção do grau de Doutora em Difusão do Conhecimento,
Programa de Pós-graduação Multi-Institucional em Difusão do Conhecimento, Faculdade de
Educação da UFBA, Universidade Federal da Bahia.
Banca examinadora:
Aprovada em 19 de Dezembro de 2019
Prof.(o)Dr.(o) Dante Augusto Galeffi
Profa. Dra Urânia Auxiliadora Santos Maia
de Oliveira
Profa. Dra Anamélia Lins e Silva Franco
Profa. Dra Ciane Fernandes
Profo. Dr. Elizeu Clementino de Souza
Profo. Dro. Alexandre Franca Barreto
A todos os encontros, com todos os seres vivos,
presentes e ausentes, visivéis e invisivéis
que possibilitaram as aprendizagens neste caminhar.
Agradecimentos
Deus, Natureza, aos guias, mentores e protetores, seres de luz e guardiões da floresta, a
consciência individual e coletiva, seres (in)visíveis, ao micro e macrocosmo que somos e viemos
na seara evolutiva pela caminhada em conjunto.
Aos meus ancestrais e antepassados in memoria com muito amor no coração e gratidão,
minha geração materna Hildete do Carmo Mendonça e Eduardo Dias Lins; minha origem paterna,
Alzira Barbosa Leal e José Oliveira Leal. Ao nosso primogênito anjinho de girassol. Ao tio
Carlos Augusto Abdalla Azi.
Minha gratidão, honra, admiração e amor a minha família de origem, meus pais Wilson
Barbosa Leal e Maria das Graças Lins Leal. Aos meus irmãos Ana Karine e Wilson Júnior;
Patricia Lins, seu esposo Renato Oliveira e meus sobrinhos Adriano Júnior, Antônio Augusto e
José Renato. Aos tios,tias, primas e primos da familia Lins.
A minha família de destino, ao companheiro de jornada, amigo, amante, esposo, amor
Aristóteles Esteves Marçal da Silva gratidão pela abertura ao amor, alegria, por sua presença e
companhia na minha vida, pela força, incentivo, apoio e aprendizagens em todos os momentos e
a família que nos constituímos. Nosso auau Shankar e ao nosso milagre, nosso filho Pedro, filho
do sol e da lua, que nos conecta com o amor diariamente.
Ao ProfoDr. Dante Galeffi minha eterna gratidão pela abertura e acolhimento, generosi-
dade e compaixão, pelas aprendizagens contínuas em diálogos, escritas e atitudes que inspiram.
Aos professores das bancas de qualificação e defesa do doutorado pelas valiosas contribuições
em aberturas afetivas em aprendizagens com o ProfoDr Alexandre Franca Barreto, ProfaDra.
Anamelia Anamélia Lins e Silva Franco, ProfaDra. Ciane Fernandes, ProfoDr Elizeu Clementino
de Souza e ProfaDra. Urânia Auxiliadora Santos Maia de Oliveira.
Aos amigos e colegas de curso Alexandre Santana, Cláudia Sousa, Roberto de La Peña,
Mariel Cisnero, Manuela Barreto, Ginaldo Gonçalves, Barbara Dultra, Cobra Mansa, Cristina
Mendonça, Marineuza Matos, Clécia Queiroz, Alecio Donizete, Luís Carlos, Lúcio André,
Terezinha Carvalho, Maria Auxiliadora, Jéssica Andrade, Adriana Marmori; a todos os colegas
da turma de 2015 e de outras turmas que tive a oportunidade de conviver nos encontros dos
componentes e fora deles.
Aos encontros e aprendizagens com os professores ProfoDr. Alfredo Eurico Rodrigues
Matta, ProfaDra. Ana Maria Ferreira Menezes, ProfaDra Andréa Ventura, ProfoDr. Eduardo David
de Oliveira, ProfaDra.Elaíne Cristina Cambuí, ProfaDra Francisca de Paula, ProfoDr. Joaquim
Viana Neto, ProfoDr.José Garcia Vivas Miranda, ProfaDra.Leliana Sousa, ProfaDra. Maria de
Fátima Hanaque ProfaDra. Maria Inês Correa Marques, ProfaDra.Maria Suzana Moura, ProfaDra.
Núbia Moura Ribeiro, ProfoDr. Renelson Ribeiro Sampaio, ProfoDr. Roberto Leon Poncezk,
ProfaDra. Suely Messeder, ProfaDra. Teresinha Fróes Burnham, ProfoDr. Wilson Nascimento
Santos. A atenção e colaboração de Beatriz e Andréa da secretaria do curso do DMMDC.
Aos cuidadores de percurso e terapeutas de jornada Luiz ALvim, Damar Marvid, Ney
Alves, Miriam Teles Von Hauenschild, Jailson Santana, Sirlene Barreto, Helen Fonseca, Tatiana
Ribeiro, Jordan Campos, José Fernandes (Zé vivo), Brisa Alegre, Artur Aranha, Diana Pedral,
Ana Tânia Sampaio, Sheila Lima e Nildes Lacerda. Ao Núcleo de Práticas Integradas, Heliana
Mettig, Sérgio Mettig, Denise Denigre, Marcello Alves, Alice Senna e Gilda Maria Oliveira.
Aos amigos de minha jornada, Cris Torres, Lorena Diegues, Gil Marinho, Renato Souza,
Renan Lacerda, Selma Mosquera, Adeimival Júnior, Karine Caldas, Rafaela Carla, Suedy
Guerreiro, Juliana Calixto, Carine Lopes, Dernier Martins.
Aos encontros com as pessoas e suas aprendizagens partilhadas com as comunidades
das ecovilas; as redes do Brechó EcoSolidário e do Dialogues en Humanité, Emerson Sales,
Débora Nunes, Kátia Santos, Vivina Machado, Elisete Bispo, Érika Moutinho, Marcos Arruda,
Geneviève Ancel; da rede Terra Mirim as xamãs Alba Maria, Khalyna Gomes, Minah e Dahvii
Shiva; do Dragon Dreaming, Pedro Mendes, Raquel Davi, Cláudia Resende e Rebeca Barros;
do movimento Cidades em Transição Mônica Picavea, Izabela Gomez, Xaba Piffer, Claúdia
Valadares, a comunidade latino americana que vivem a transição e a de origem do movimento
com Rob Hopkins, Naresh Giangrande e May East; da comunicação não-vilenta com Dominic
Barter e Marcelo Pelizzoli.
As Shaktis, mulheres lobas que moram no meu coração, Elza, Sandra Maria, Aldacy,
Geisa, Mônica, Marise, Helga, Delma, Karolmila, Eva, Vanilda, Michele, Marília, Rúbia, Isa e
Neila Nascimento.
Aos moradores e atuantes da Comunidade do Beiru, Enéas Andrade, Ana Reis, Sandoval,
Ione, Tom Messias, pela abertura e aprendizagens das vivências em 2015; e da Comunidade
do Cabula I, Débora Ribeiro Chaves, Alinne Duarte, Antônio Jorge Nascimento e Denissena.
Ao movimento Bem Viver no Imbuí com os amigos Ivone Miranda, Daniel Siqueira, Elizabete
Menezes, Ana Cláudia Hora, Tânia Fachinete. E a Rede Salvador em Transição com Denise
Noroha, Adriano Adhinata, Claúdio Galvão, Christine Leboucher, Dani Antoniazzi, Marcus
Fabrício, Eric, Paulo Moutinho entre outros que já estão aqui em outras redes.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) cujo
presente trabalho foi realizado com o seu apoio com a bolsa de Código de Financiamento 001.
Quando você consegue lidar com sua dor,
você consegue brincar com ela.
(Filme Grandes Esperanças)
LEAL, Priscylla Lins. Ecologia de si, a poesia das estações da vida : histórias de vida e rela-
ções terapêuticas de práticas integrativas e complementares em saúde. 183 f. : il. 2021. Tese
(Doutorado em Difusão do Conhecimento) - Programa de Pós-Graduação Multi-institucional em
Difusão do Conhecimento, Salvador, 2021.
RESUMO
A proposta da Ecologia de Si surge da perspectiva ecológica, da inter-relação do Ser humano
com a natureza, do ser como expressão da natureza, trazendo as estações do ano, os elementos
da natureza e a saúde humana como ressonância dos ciclos da natureza no Ser. Emerge na
compreensão das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – PICS, na epistemologia do
cuidado, em sua inter-relação complexa com o Si mesmo. A Ecologia de si, a partir da experiência
humana, se revela como um caminho da consciência de si vivendo em presença, em uma jornada
de autoconhecimento e autotransformação da condição humana. Cada pessoa tem o seu caminho
e na ecologia de si a proposta que traz elementos que dialogam no caminho da consciência
sistêmica, integrada com o todo. Assim, essa tese tem o problema: “Como os caminhos de
mudança nos modos de vida e atuação do ser terapeuta, a partir das experiências vividas na
relação terapêutica, conduziram a uma ecologia de si, na efetividade das práticas biomédicas e
integrativas resultantes de uma vida mais saudável?”. Para isto tem como objetivo geral gerar
uma fenomenologia da ecologia de si em um caminho de aprendizagem perceptivo nas trajetórias
das histórias de vida e na relação terapêutica com práticas integrativas e complementares em
saúde. A natureza desta tese é qualitativa, em abordagem fenomenológica, sendo uma pesquisa
autobiografica, somático-performativa, descritiva e interpretativa, dentro de uma perspectiva
hermenêutica dialógica, na análise de relatos das narrativas e escrita de si, visando compreender
a problemática estudada em sua complexidade.
Palavras-chaves: medicina integrativa, ecologia, cuidado, autobiografia.
LEAL, Priscylla Lins. Self ecology, the poetry of the seasons of life: life stories and therapeutic re-
lationships of integrative and complementary health practices. 183 f. : il. 2021. Thesis (Doctorate
in Dissemination of Knowledge) - Multi-institutional Postgraduate Program in Dissemination of
Knowledge, Salvador, 2021.
ABSTRACT
The Ecology of Self proposal arises from the ecological perspective, from the interrelation of
the human being with nature, from being as an expression of nature, bringing the seasons, the
elements of nature and human health as a resonance of nature’s cycles in the to be. It emerges in
the understanding of Integrative and Complementary Health Practices - PICS, in the epistemology
of care, in its complex interrelationship with the Self. The Ecology of the self, based on human
experience, reveals itself as a path of self-awareness living in presence, in a journey of self-
knowledge and self-transformation of the human condition. Each person has his own path and in
the ecology of himself the proposal that brings elements that dialogue on the path of systemic
awareness, integrated with the whole. Thus, this thesis has the problem: “As the paths of change
in the therapist’s way of life and performance, from the experiences lived in the therapeutic
relationship, led to an ecology of the self, in the effectiveness of the biomedical and integrative
practices resulting from a healthier life? ”. For this purpose, its general objective is to generate a
phenomenology of self ecology in a perceptual learning path in the trajectories of life stories and
in the therapeutic relationship with integrative and complementary health practices. The nature
of this thesis is qualitative, in a phenomenological approach, being an autobiographical, somatic-
performative, descriptive and interpretive research, within a dialogic hermeneutic perspective, in
the analysis of narrative reports and self-writing, aiming to understand the problem studied in its
complexity .
Keywords: integrative medicine, ecology, care, autobiography
LEAL, Priscylla Lins. Autoecología, la poesía de las estaciones de la vida: historias de vida y re-
laciones terapéuticas de prácticas de salud integradoras y complementarias. 183 f. : Illinois. 2021.
Tesis (Doctorado en Difusión del Conocimiento) - Programa de Postgrado Multiinstitucional en
Difusión del Conocimiento, Salvador, 2021.
RESUMEN
La propuesta de Ecología del Si surge de la perspectiva ecológica, de la interrelación del ser hu-
mano con la naturaleza, del ser como una expresión de la naturaleza, trayendo las estaciones, los
elementos de la naturaleza y la salud humana como una resonancia de los ciclos de la naturaleza
en el ser Emerge en la comprensión de las Prácticas de Salud Integrativa y Complementaria -
PICS, en la epistemología de la atención, en su compleja interrelación con el Ser. La ecología del
yo, basada en la experiencia humana, se revela como un camino de autoconciencia que vive en
presencia, en un viaje de autoconocimiento y auto transformación de la condición humana. Cada
persona tiene su propio camino y en su ecología la propuesta que aporta elementos que dialogan
en el camino de la conciencia sistémica, integrada con el todo. Por lo tanto, esta tesis tiene el pro-
blema: “Como los caminos de cambio en la forma de vida y el desempeño del terapeuta, a partir
de las experiencias vividas en la relación terapéutica, condujeron a una ecología del yo, en la
efectividad de las prácticas biomédicas e integradoras resultantes de un vida más sana? Para este
propósito, su objetivo general es generar una fenomenología de la auto ecología en un camino de
aprendizaje perceptivo en las trayectorias de las historias de vida y en la relación terapéutica con
prácticas de salud integradoras y complementarias. La naturaleza de esta tesis es cualitativa, en
un enfoque fenomenológico, siendo una investigación autobiográfica, somática-performativa,
descriptiva e interpretativa, dentro de una perspectiva hermenéutica dialógica, en el análisis de
informes narrativos y auto-escritura, con el objetivo de comprender el problema estudiado en su
complejidad.
Palabras clave: medicina integrativa, ecología, cuidados, autobiografía
Lista de ilustrações
Figura 1 – Compreensão da abordagem fenomenológica . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Figura 2 – Conceito de dragões do Dragon Dreaming . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Figura 3 – Círculo de Síntese do Dragon Dreaming . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Figura 4 – Desenho co-criado no II Curso de Aprofundamento do Dragon Dreaming . . 61
Figura 5 – Roda de Estudos de Xamanismo Voo da Águia . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Figura 6 – Cosmograma Bakongo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Figura 7 – As três grandes fases da vida humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Figura 8 – Guarda-chuva ecológico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Figura 9 – Bateson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Figura 10 – Eu criança em Manaus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Figura 11 – Caminhonete do Papai . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Figura 12 – Cartão postal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Figura 13 – Parto de Pedro no Hospital Jorge Valente dia 29.06.2018 . . . . . . . . . . 153
Figura 14 – Aula no Laboratório de Performance dia 01.06.2017 . . . . . . . . . . . . 155
Figura 15 – Movimento Autêntico na Aula do dia 01.06.2017 no Laboratório de Perfor-
mance . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156
Figura 16 – Movimento imersivo na Aula do dia 01.06.2017 no Laboratório de Performance156
Lista de tabelas
Tabela 1 – Dimensões e perspectivas do Cuidado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Tabela 2 – Descrição das características dos tridoshas. . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
Tabela 3 – Níveis de consciência do ser. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
Tabela 4 – Ecologia de Si. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
Lista de abreviaturas e siglas
APL
Arranjos Produtivos Locais
BMC
Body-Mind Centering
BRT
Bus Rapid Transit
CAPES
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNV
Comunicação Não-Violenta
CoPs
Comunidade de Práticas
CID
Código Internacional de Doenças
CIPA
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CNPQ
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DAB
Departamento de Atenção Básica
DMMDC Doutorado Multi-institucional em Difusão do Conhecimento
EAUFBA Escola de Administração da UFBA
ECT
Espaço-Tempo Cibernético
EDE
Design de Ecovilas Educação
EpisTransComplex Epistemologia Transdisciplinar da Complexidade
ESF
Estratégia de Saúde da Família
FACED
Faculdade de Educação
GACC
Grupo de Apoio a Criança com Câncer
GEN
Global Ecovillage Network – (Rede Global de Ecovilas)
LMA
Análise Laban/ Bartenieff de Movimento
MTA
Medicina Tradicional Africana
MTC
Medicina Tradicional Chinesa
NASF
Núcleos de Apoio à Saúde da Família
ODS
OEPs
OMS
ONG
PaR
PEPICS
PcD
PICS
PMI
PMNPC
PNAPO
PNPIC
PPGAC
PSP
RAS
SUS
UFBA
UNEB
UNESCO
WWF
YMA
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Organizações Econômicas Populares
Organização Mundial de Saúde
Organização Não-Governamental
Prática como Pesquisa
Política Estadual de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde
Pessoas com Deficiência
Práticas Integrativas e Complementares em Saúde
Project Management Institute
Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
Pesquisa Somático-Performativa
Rede de Atenção à Saúde
Sistema Único de Saúde
Universidade Federal da Bahia
Universidade do Estado da Bahia
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
World Wide Fund for Nature
Yoga Massagem Ayurvédica
Sumário
1
1.1
1.2
2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
3
3.1
3.1.1
3.1.2
3.1.3
3.1.4
3.1.5
3.2
3.2.1
3.2.1.1
3.2.1.2
3.2.1.3
3.2.1.4
3.2.1.5
3.2.1.6
3.3
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.1.3
4.1.4
4.2
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Revelando intenções, crenças e compreensões . . . . . . . . . . . 19
Organização dos capítulos da tese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
PRIMAVERA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
O caminho fenomenológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
A Teoriação Polilógica, uma Epistemologia da Complexidade pró-
pria e apropriada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Autoescritura do Eu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Abordagem Somático-Performativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Reflexões em percurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
VERÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
As Práticas da Grande Virada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
O Design de Ecovilas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
A criação colaborativa de Projetos Dragon Dreaming . . . . . . . . . . 56
A Comunicação Não-Violenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
O Movimento Cidades em Transição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
As Hortas Urbanas Comunitárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde . . . . . . . 70
Os Sistemas Médicos Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Medicina Ocidental Contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Medicina Tradicional Ayurveda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Medicina Tradicional Chinesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Medicina Indígena Xamânica ou Não-Xamânica . . . . . . . . . . . . . . . 82
Medicina Tradicional Africana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Medicina Antroposófica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Reflexões em percurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
OUTONO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
As Ecologias e o Cuidado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Ecologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
Ecologia Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Ecologia Mental/Espiritual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
Ecologia Cibernética/Digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Reflexões em percurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
5
5.1
5.1.1
5.1.2
5.1.3
5.1.4
5.1.5
5.1.6
5.1.7
5.1.8
5.2
6
INVERNO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Ecologia de Si . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
A vida começa antes do nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
O nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Nos passos da primeira infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Da infância a puberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
A adolescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
A vida adulta e o fio de atuação no mundo . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Tornar-se Mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
Um nova primavera se inicia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
Reflexões em percurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
INCONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
APÊNDICES
169
APÊNDICE A – QUADRO DE FORMAÇÕES DA PESQUISADORA 170
17
1 Introdução
A severidade do pós-guerra e o desejo da substituição desta em prosperidade, como sinô-
nimo de consumo, têm no ambientalismo a projeção de ser uma nova austeridade e com isto uma
rejeição. As mudanças significativas no mundo com os seus desequilíbrios e desarmonias, fontes
das ações e interações humanas destrutivas, são frutos de mentalidades criadas no crescimento
acelerado a qualquer custo, mesmo sendo este o risco das espécies tão alertados pelos ecólogos e
ambientalistas.
A crença ilusória da abundância de recursos naturais e do uso da tecnologia na exploração
destes recursos contribuíram na corrida alienante em busca de um modelo único de desenvolvi-
mento econômico, o modelo industrializado de países considerados como desenvolvidos, a ser
perseguido como referência.
A antiga e longa visão da ecologia era tida como algo distanciado das pessoas e seu
cotidiano. Tratada como um ramo que pertencia ao estudo das ciências naturais e ao universo de
biólogos, de pessoas que moravam em zona rural, e demais interessados que se atentassem a
preservação e cuidados da biosfera com seus ecossistemas e das relações ecológicas com os bio-
mas. As várias tentativas de ambientalistas engajados de politizar mundialmente a problemática
ambiental fracassaram durante anos.
A globalização e o desenvolvimento local como o seu contraponto, surge a compreensão
de desenvolvimento comunitário local sustentável, revelando suas dimensões e inter-relações
globais em uma qualidade de vida não depende da globalização e sim da iniciativa local. Esta
é uma importante visada que vai desconstruindo a ideia imposta de modelo de referência de
desenvolvimento a ser perseguido. Ao considerar as riquezas e singularidades de cada localidade,
em sua biodiversidade, no resgate dos saberes locais, entre outras perspectivas, o reconhecimento
e a valorização das características de cada região fortalece as ações na promoção do seu cuidado
coletivo.
Um desenvolvimento local sustentável considera a qualidade de vida da localidade, sendo
que esta muda conforme a forma de organização da sociedade. Esta qualidade de vida referida
pode ser observada nas relações de cuidado da sociedade com o seu ambiente - na qualidade
das águas, do ar, do solo, preservação de sua biodiversidade, condições climáticas – sua cultura,
economia, com dignidade vida humana – trabalho, moradia, saneamento – denotando que estas
questões socioculturais econômicas e ambientais devem ser consideradas como questões de
saúde.
Assim, é preciso afirmar e evidenciar que ecologia é uma questão de saúde e cuidado,
sendo que a saúde não representa apenas ausência de doença, e como preconizada pela Organiza-
ção Mundial de Saúde - OMS, considerando-a também como um estado de bem estar ambiental,
Capítulo 1. Introdução
18
social, físico e mental tanto individual e coletivo de comunidades e sociedades. Assim, o cuidado
ecológico na preservação ambiental é uma questão de saúde, posto que cada vez se desmata e
se realiza intervenções de alto impacto ambiental estas afetam todo o nosso sistema gerando
epidemias e sérios efeitos a saúde de todos os seres e do planeta.
No contexto que vivemos na cultura ocidental a visão de saúde deve ser percebida a partir
do paradigma praticado em nosso sistema de saúde. Na recente e dominante visão generalista
de saúde construída socialmente no ocidente – e se digo recente frente a existência de sistemas
médicos milenares de saúde – que delega a responsabilidade da saúde aos médicos em suas
especialidades diversas atuantes em rede de instituições de saúde, no foco da atuação voltado
para a doença, na administração de apagar incêndio de pessoas que procuram cuidados em
situações de adoecimento a serem passivamente assistidas.
O viver em adoecimento em uma cultura de medicalização da vida sustentam um comér-
cio de grandes indústrias e laboratórios farmacêuticos. Para quem vivencia o dano a sua saúde, a
busca de outros caminhos além dos generalisticamentes praticados e receitados abre uma linha
de fuga para outras práticas de cuidados, algumas delas oriundas de saberess orientais. E estas
práticas ganham sua adesão na visão de saúde e cuidado que se diferenciam da nossa práxis.
No entanto, estas medicinas não estão tão distantes de nós se olharmos em nossos
próprios saberes ancestrais e tradicionais em nossa medicina indígena bem como de outros povos
estrangeiros que contribuíram na construção histórica deste país. As medicinas tradicionais
ganham reconhecimento nesta perspectiva de saberes regionais com a Declaração de Alma-Ata
de 1978 salientando a importância destas medicinas nos cuidados primários de saúde.
A importância de dialogar com a ecologia e as práticas integrativas e complementares em
saúde, está na articulação destes saberes e campos cujas aproximações revelam a inter-relação
existente entre elas. Está na aprendizagem de ambos coexistirem em sistemas dominantes, de
resistirem e encontrarem seus espaços. Também se enlaçam em cordas as práticas integrativas e
a ecologia, como elos que se revelam nas relações em cuidado, sensibilidade e afeto com a saúde
humana e do planeta. O cuidar da própria morada, dos corpos, da casa lar, da comunidade que
pertencemos, do planeta que habitamos.
Sustentada na crença que a ecologia de si vem de uma vida mais saudável do ser integrado
com a natureza, esta norteia o axioma que a ecologia de si descreve a relação cura humana.
Nesta perspectiva a tese é desenvolvida também tendo como hipótese: As práticas ecológicas e
integrativas são legitimas formas de cura e associadas a práticas performativas e autobiográficas
são modos de embasar e criar uma ecologia relevante para atualidade.
Assim, nesta tese temos como questão norteadora: “Como os caminhos de mudança nos
modos de vida e atuação do ser terapeuta, a partir das experiências vividas na relação terapêutica,
conduziram a uma ecologia de si, na efetividade das práticas biomédicas e integrativas resultantes
de uma vida mais saudável?”.
Capítulo 1. Introdução
19
Para isto temos como objetivo geral gerar uma fenomenologia da ecologia de si em um
caminho de aprendizagem perceptivo nas trajetórias das histórias de vida e na relação terapêutica
de práticas integrativas e complementares em saúde. E como objetivos específicos, surgem os
seguintes os propósitos de:
Realizar revisão de literatura a partir dos aportes epistemológicos da fenomenologia,
ecologia e cuidado na construção de um arcabouço teórico-conceitual da tese;
Integrar as experiências práticas corporais vivenciadas no Laboratório de Performance
(TEA794) com a pesquisa e a escrita da tese;
Narrar em um tempo biográfico a poesia das estações da vida no itinerário terapêutico
desta pesquisadora nos setênios vivenciados;
Gerar uma fenomenologia da ecologia de si, em caminho próprio e apropriado, nos vividos
e suas visadas com o percurso do doutorado e da vida.
1.1 Revelando intenções, crenças e compreensões
Quero trazer aqui neste momento as intenções, crenças e compreensões que nos acompa-
nham nesta jornada na tessitura desta tese.
A nossa intenção é de quem acesse este trabalho e venha junto no percurso da leitura
destas escritas se deleite, afete, observe, sorria, entre no campo da consciência reflexiva, imagine
e crie com suas próprias possibilidades. E que vá enxergando e encontrando seus horizontes
próprios e apropriados de cuidado e de cura em suas relações de saúde-doença-cuidado. Que
possamos dialogar com as ecologias, saúde, educação, arte, espiritualidade, fenomenologia, com-
plexidade e tantas outras perspectivas e vozes que surgem no percusso em seus entrelaçamentos.
Que se coloquem neste lugar de (auto)cuidador, de si mesmo, do outro e do mundo.
Ocupando o lugar de cuidador, no atencioso olhar para as práticas de autocuidado; o seu
fortalecimento movendo-se sincronicamente no campo das relações de cuidado com o outro e o
mundo, no surgimento de histórias espelhadas que o nosso campo atrai para nossas aprendizagens
e superações.
Acreditamos na integralidade do ser humano, na relação do ser como micro do macro à
natureza e o universo; nos diversos corpos, na eternidade. E desejamos que as pessoas encontrem
práticas que lhes integrem na relação com a natureza em seus itinerários terapêuticos.
Acreditamos na cura como uma jornada de aprendizagens de cada pessoa em seu flores-
cimento. Numa jornada das singularidades humanas, do que cada pessoa precisa apreender, olhar
para ser visto; dizer para ser evidenciado; compreender para saltar padrões. As compreensões
chegam como uma semente quem tem que adormecer para germinar.
Capítulo 1. Introdução
20
Acreditamos que a arte liberta e fica mais perceptível quando com ela conseguimos saltar
os padrões. E a arte, e a dança, é a nossa salvação, em caminhos de dores e amores, dançar nos
conecta com a expressão mais genuína do nosso sentir; são artes terapêuticas de reconexão com
os corpos e fluição com o movimento.
Essa é uma tese que dança em roda, em espiral, em par e sozinho, com o texto e as
palavras e movimento, em movimento autêntico que flui, desperta e traz compreensão outra
em reluzir da consciência dos caminhos. A compreensão chega assim, como dança que nos
desperta para um mover outro, tirando das dúvidas paralisantes, e num sustentar a si mesmo nas
encruzilhadas da vida, nos chamados as novas aventuras que se revelam como possibilidades.
Uma tese que vibra e pulsa nas batidas do coração e pés, do que é sentido, percebido e
emerge como revelação das vivências experienciadas. O nosso coração passou a bater mais forte
no desejo de escrever com as questões que movem o nosso ser, que tocam a condição humana,
da relação natureza ser, e dialogar com as memórias das experiências de corpos vivos e vividos.
A relevância deste trabalho é a vida, do planeta, das espécies, de todos seres. É viver, ser
feliz, vivermos a nossa potência, a criatividade, encontrar o caminho que nos fortalece com os
sonhos e a vitalidade. É de honrar o trajeto e trajetória dos cuidadores, como ressaltamos aqui
os ecólogos e os terapeutas das práticas integrativas. As aprendizagens do cuidado que surgem
deste entrelaçamento da ecologia com as práticas integrativas revelam também os desafios e
possibilidades que existem nesta atuação.
1.2 Organização dos capítulos da tese
A tese está organizada em seus elementos pré-textuais, depois a introdução, seguindo em
seus capítulos nas quatro estações, inconclusões e os elementos pós-textuais. Nesta introdução, o
diálogo inicial contextualizando temática, sua importância e os seus desafios. Também já trazidas
as intenções, motivações, crenças, compreensões e aproximação com o tema; e a organização da
tese em si.
Como estamos implicadas na trilha e na trama, vammos tecendo a história a partir dos
acontecimentos que vivenciamos durante o percurso no doutorado do DMMDC, das memórias
de vida que emergem destas vivências, e dos horizontes de possibilidades que se revelam. A
pesquisa e a vida se entrelaçam nas trajetórias e com isso vamos desconstruindo crenças e
padrões limitantes, bem como consolidando aprendizagens. Nesta escritura da tese há transições
de pessoas que acontecem, da primeira pessoa do singular, dos momentos em que chegam para
mim as compreensões daquilo que se dialoga; para o plural, na visão coletiva e sistêmica do que
dialogamos. Também há um movimento entre palavras e imagens, que se contrói a partir de uma
disposição outra.
No capítulo primavera a abertura desta jornada tese acontece no caminho epistemológico-
Capítulo 1. Introdução
21
metodológico-teórico inciando com a abordagem fenomenológica da tese em Hurssel e Heidegger.
Na Teoriação Polilógica este diálogo criador próprio e apropriado com a visão quântica e
transdisciplinar que nos conduz as dimensões da Teoriação Pedagógica de Galeffi - do aprender,
aprender a ser, aprender a ser sendo e aprender a fazer - as quais estão imbricadas com as
estações. Também neste caminhar biogágico em Burkhard e performático com Fernandes, a
abertura a aprendizagem com a auto-escritura e com as vivências corporificadas na Pesquisa
Somática Performativa – PSP.
No capítulo verão discorremos o diálogo com as práticas ecológicas do movimento da
grande virada do dragon dreaming, cidades em transição e as hortas comunitárias. Também há
o diálogo com as práticas integrativas e complementares em saúde no contexto em que elas se
desenvolvem no Brasil, no Sistema Único de Saúde e algum passos vistos e vivenciados nas
Universidades. A partir do conceito das Racionalidades Médicas proposto por Madel Luz, as
compreensões experiênciadas com algumas destas Medicinas Tradicionais da Ayurveda, Chinesa,
Indígena Xamânica ou Não-Xamânica, Africana e Antroposofia.
No outono, dialogamos com os conceitos de ecologia e cuidado e seus desdobramentos
na perspectiva da poliética e triestética de Galeffi e da ecosofia de Guattari, com as ecologias
ambiental, social, mental e cibernética.
E com o inverno, a proposta da ecologia de si é trazida com os seus princípios nortea-
dores, que são evidenciados em sua conjuntura nesta estação e no desenvolvimento dos relatos
autobiográficos e das descrições de performances vivenciadas pela pesquisadora no componente
TEA94 Laboratório de Performance.
Entre cada estação há uma transição síntese e propositiva das reflexões em percurso. Em
seguimento as estações tem-se as considerações finais com as aprendizagens desta tese com sua
proposta e percursos vividos, o vislumbre de horizontes de possibilidades de continuidade de
trabalhos futuros. E os elementos pós textuais com as referências, os apêndices e anexos. E assim
seguimos juntos neste navegar.
22
2 Primavera
Aprendi com a primavera;
a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.
Cecília Meireles
O movimento da Terra em torno do sol durante um ano, conhecido com translação, com
a inclinação do eixo da Terra em relação ao sol tem com isso a mudança das estações. A estação
ponto de partida deste movimento é a primavera. A primavera, nesta jornada de florescimento, é
uma primeira estação da vida em que nos movemos no despertar e no aprender em percurso no
movimento de abertura de horizontes.
O aprender à luz da fenomenologia e da teoriação polilógica como uma preparação para
a vida, do caminho que se abre como possibilidades de aprendizagens e de transformação vividas.
Um aprender outro corporificado que surgi com a performance e o conhecimento biográfico que
se revela em nosso caminhar.
Em trajetórias de uma educação, muitas vezas passiva, crenças limitantes e valores foram
criados nas sociedades, sustentados e fortalecidos geracionalmente. No desmonte de estruturas
hegemônicas com seus padrões dominantes, a primavera se abre em um agir outro, na busca da
inclusão de caminhos outros que possam ser visto, percebidos, apreendidos na relação do ser
sendo aí no mundo-da-vida.
Vamos desabitando de velhos padrões operantes e nos descobrindo enquanto navegamos
nos desconhecidos territórios, com surpresa e espanto nos reconhecendo a cada possibilidade
vivenciada. Essas compreensões chegam em uma claridade no momento vivido e em um espaço
tempo multidimensional elas vão passando por continuum de transformação sendo ressignificadas
em energia, informação e substância. E neste mover e ser movido pelos acontecimentos novos
espaços de saberes e aprendizagens emergem ao campo de difusão.
A primavera é esse mover expansivo, dessa abertura do Ser no mundo, no chamado
da autorealização que nos depertar e convida a vivermos a nossa plena potência, de ocupar-se
em novos espaços em claridade da presença, ao que se vive, nos abrimos em nossa própria
reinvenção, modificando as crenças e nos abrindo para uma jornada de autoconhecimento e
transformações.
Nesse movimento exploratório de nós mesmos, esta estação nos traz a criança que
reluz a sua luz interior, sua potência de vida, na experiência do seu desabrochar flue em suas
vivências aberta a descoberta em plena entrega de si. Com muito entusiasmo e vontade seguimos
relacionando com o que nos desperta interesse, surpresa, admiração e a atenção em nosso
caminhar.
Capítulo 2. Primavera
23
Na jornada do florescimento podemos nos cortar com os espinhos, conforme nos traz
Cecília Meireles, com a dor, com o sofrimento, e encontro com a nossa impotência pode nos
revelar a potência na impotência. Nesses mergulhos, imersões e retorno a superfície ao longo
da nossa trajetória vamos em nosso amadurecimento, encontrando a firmeza de propósito, a
intencionalidade, a nossa autoeducação, entre outras possibilidades que vamos nos fortalecendo
e desenvolvendo a sabedoria de um mover consciente que nos faz voltar sempre inteira.
Encontrarmos e sustentarmos o estado de harmonia, de saúde e cuidados, de voltar e
permanecermos inteiros, quando nos colocamos no caminho de autoconhecimento e autode-
senvolvimento, em nossas relações vamos desenvolvendo aprendizagens com as experiências
vividas. Em nossas aberturas no mundo podemos nos desequilibrar, desarmonizar e adoecer, na
consciência de que nos deixamos cortar.
Compreensão de que quando falamos de saúde-doença-cuidado destacamos a impor-
tância de compreender o nosso processo cognitivo de aprendizagem, de modo que tenhamos
a consciência das formas de operar a mudança de mentalidade e percepção necessárias, para
as quebras de crenças de padrões de pensamentos que fortalecem a reprodução, muitas vezes
inconsciente, de uma cultura de violência e adoecimento.
Assim, neste capítulo da primavera o diálogos com as rupturas, as mudanças de visão
e de paradigmas necessários na construção de aprendizagens no conhecimento de si, outro
e mundo-da-vida em um tempo vivo e biográfico. Da necessária desobstrução das barreiras
cognitivas afeita à essência, na emergência do campo do conhecimento da consciência pura, a
visão sistêmica, a união, inclusão, complementariedade, multirreferencialidade, complexidade,
polilógica, da união de ecologia e saúde e a reconexão do ser com a natureza e com sua dimensão
sagrada.
Capítulo 2. Primavera
24
2.1 O caminho fenomenológico
Com este diálogo ecológico iniciado na introdução, na proposta desta relação de ecologia
e saúde, nosso encontro prossegue com a fenomenologia. As ideias fenomenológicas, de acordo
Minayo (2010), influenciaram o surgimento de linhas holísticas na concepção de saúde e da
doença, unindo os pontos de saúde e ecologia ao pensar a saúde como bem-estar integral onde
as práticas de medicina holísticas ajudam a promover este estado. Nesta visada os indivíduos
assumem sua responsabilidade em questões de saúde buscando harmonizar-se com a natureza e
no uso de práticas naturais de tratamento; bem como a reorientação dos sistemas de saúde em
tratar causas ambientais e sociais que provocam as doenças.
Assim, na perspectiva destes encontros, na convergências destes pontos que descobrem
pontes em suas relações de conexões e influencias é que fomos construindo a compreensão da
abordagem fenomenológica, em sua natureza qualitativa para tratamento da questão norteadora,
sendo a via e veia desta tese. Evidenciamos a vastidão deste universo fenomenológico ao qual
passei a conhecer com o doutorado e me relacionar num processo de aprendizagem, portanto,
trazemos aqui as aprendizagens oriundas desta aproximação.
A fenomenologia pura ou transcendental, formulada pelo filósofo alemão Edmund
Gustav Albrecht Husserl (1859-1938) em que fui apresentada pelo orientador e professor Dante
Augusto Galeffi, é a fenomenologia da consciência, uma ciência eidética, ciência a priori, um
caminho que estabelece uma investigação crítica da possibilidade do conhecimento objetivo e do
acesso a subjetividade a transcendência (HUSSERL, 2006). Também conhecida como a ciência
das essências, não se tratando de fatos e fenômenos reais, nem um de conhecimento natural
que separa o Eu do mundo tendo o objeto com algo manipulável suprimido da ação subjetiva
(HUSSERL, 2006).
Trata-se de um conhecimento de essências, de fenômenos irreais transcendentalmente
reduzidos e, enquanto método, investiga as irrealidades dos atos e correlatos vividos transcen-
dentalmente purificados. É uma atitude filosófica que lida com a consciência e busca ver com
claridade ao que aparece, na “descrição do vivido, dos atos intencionais da consciência e das
essências que eles visam, isto é, dos correlatos intencionais e suas visadas (HUSSERL, 2000b,
p.8).
Na perspectiva da claridade daquilo que se vê, a fenomenologia existencial e herme-
nêutica proposta pelo filósofo e professor alemão Martin Heidegger (1889 - 1976) aborda a
palavra ver, o cuidado em ver, além do sentido da visão HEIDEGGER (2005). Desta forma,
aquilo que se vê reside de modo essencial no ser humano e inclui os demais sentidos quando
nestes há um empenho de conhecer e expressarmos como tudo que apreendemos é visto. A
nossa esfera fenomenológica é “a esfera da claridade absoluta, da imanência no sentido autêntico
(HUSSERL, 2000a, p.30)”. Uma esfera que requer um modo de revelação de si mesma chamado
de “abertura do ser-em de claridade da pre-sença. É somente nessa claridade que se torna possível
Capítulo 2. Primavera
25
qualquer visão” (HEIDEGGER, 2005, p.230). A abertura como modo de revelação da pre-sença
que descobrindo-se e revelando-se para si mesma, em claridade necessária do apreender em
profundidade na interioridade, no modos de ser compartilhado que se passa a se compreender
como co-pre-sença (HEIDEGGER, 2005)
No entanto, compreender a apreensibilidade em apropriação genuína, do sentido que se
transforma intuitivamente em dado, para ver com clareza há de se colocar fora do circuito, de
um afastamento para pôr abaixo as velhas formas dominantes e restritivas de pensar e agir no
mundo acessando uma nova maneira de pensar, aprender a ver, a se mover, diferenciar, apreender,
descrever e se orientar no mundo (HUSSERL, 2006).
As mensagens que nos chegam cotidianamente as vezes nos ofuscam quando atingem
nossos centros de interesse, como uma espécie de encantamento nos envolve e fazem com que
nos conectemos ao que está sendo dito por sustentar nossos desejos, sistemas crenças, sem
observar a totalidade de que se propaga com todas as suas entrelinhas. Também quando nos
relacionamos com um olhar distraído deixamos escapar as intenções que movem a informação,
podemos ser induzidos e sustentar ou não a circulação de formas dominantes de pensamento.
É importante fazermos o movimento releituras de mundo, de mensagens e informações
circulantes que chegam até nós, no exercício de afastamento, para ver com maior claridade aquilo
que se comunica. Como, por exemplo, as contínuas informações que circulam alimentando uma
cultura de medo, culpa e violência na sociedade.
HUSSERL (2000a) propõe o método de reduções fenomenológicas, pelo qual podem
ser desobstruídas as barreiras cognitivas afeita à essência, sendo que a investigação se dá no puro
ver. Nas reduções fenomenológicas há a suspensão de todo e qualquer conhecimento, todo saber
é posto em questionabilidade, possibilitando um retorno a consciência (HUSSERL, 2006). O
conceito de epoché é este movimento de redução eidética para fins de investigação, na suspensão
de juízos, de colocar fora do circuito abstendo-se de tudo o que já foi dito pela ciência, religião,
senso comum para nos aproximar dos fenômenos, em uma posição crítica do observador, para
saber a sua essência entrando no fluxo da consciência do eu puro (HUSSERL, 2006). E no
desmonte e desconstruções contínuos podemos navegar num mar de dúvidas.
A dúvida conforme HUSSERL (2000a) nos proporciona um ponto de partida na compre-
ensão da vivência. A dúvida e seus tormentos foram vivenciados por Hurssel, em sua questão
existencial no duvidar de si mesmo como filósofo, diante das crises de recusa e desprezo do seu
trabalho (HUSSERL, 2006). Todo o conhecimento é posto em questão de início, não sendo ad-
mitido conhecimento algum. Assim, continua HUSSERL (2000a, p23), “a meditação cartesiana
sobre a dúvida: a existência da cogitatio, da vivência, é indubitável enquanto se experimenta e
sobre ela simplesmente se reflete o aprender e o ter intuitivos e directos da cogitatio já são um
conhecer; as cogitationes são os primeiros atos absolutos”.
Com a apreensão de sentido – a partir das atitudes de observar, pensar, refletir, dos
Capítulo 2. Primavera
26
atos imaginativos, entre outras – o movimento de redução fenomenológica é realizado com a
consciência intencional de se alcançar a essência, que é o sentido mais profundo do próprio
modo de ser. Nos modos de apreensão, o filósofo, psicanalista, militante e escritor frânces Pierre
Félix Guattari (1930-1992) aborda que “esses dois modos de apreensão – seja pelo conceito,
seja pelo afeto e pelo percepto – são, com efeito, absolutamente complementares” (GUATTARI,
2012a, p.19).
No componente do doutorado EDCA 86 Metodologia e Análise dos Processos Cogni-
tivos, com os professores Dante Augusto Galeffi, Maria Inês, Núbia Moura Ribeiro e Wilson
Santos, foram constantes os diálogos convidativos de pôr tudo em questão, num movimento de
desconstrução. Reconhecer o limitador que somos nós mesmos e o que temos na prática é uma
limitação. Para abertura de novos olhares é necessário compreender essa limitação, entender
qual é a nossa formatação. A partir do momento que reconhecemos a nossa estrutura montada, o
quanto fomos editados e colonizados, como essa formatação de leitura de mundo como sujeitos
do conhecimento acabou formatando toda a nossa existência. Assim, esse desmontar de nós
mesmos, do nosso olhar viciado, do que é maya – palavra do sanscrito que significa ilusão – e do
que nos enganam é um exercício contínuo a ser realizado com atenção plena nesta prática da
desconstrução, no desmonte de mascaradas alienações.
Precisamos tensionar e questionar a realidade que vivemos e acessar a nossa base pré-
conceitual que está formatando o mundo, para que possamos caminhar um pouco libertos de
prévios juízos e para uma aproximação razoável destes grupos que nos afetaram tanto. Quando
nós traduzimos reduzimos a realidade com nossa base pré-conceitual; precisamos exercitar uma
transdução, uma transposição, cada um encontrando o seu caminho de desformatação.
A dúvida é nosso ponto de partida, e com ela nos deixamos levar a diversas dispersões
e encontros, como se entrassemos num prédio e não soubéssemos mais para onde ir, de nos
sentirmos à deriva naquele lugar. E então começassemos a ir de andar em andar, caminhando
pelos corredores, abrindo as portas, entrando e nos relacionando no espaço, abrindo as janelas
vendo horizonte, olhando dentro e fora e refletindo com o que estávamos procurando e o que
encontrávamos. Enquanto estávamos neste movimento, em alguns espaços só olhávamos de
relance, outras entrávamos e sentávamos, ou ficávamos por um tempo. O que nos buscávamos
nestes lugares? Inicialmente buscávamos uma resposta para o que fazíamos enquanto proposição
de tese. No entanto, este movimento não fizemos apenas no processo de tese, ele constituiu-se
como um movimento de vida; de quando nos víamos indecisos ou diante de situações decisórias,
no relacionar com a questão e o que surgia em ressonância com ela.
No movimento vivido de desconstrução no doutorado, velhas roupas foram deixadas no
caminho, alguns acontecimentos com intensidade e entrega de um viver à deriva em uns tempos
que fiquei sem mais ter projeto, nem orientação, nem área, nem mais saber de mim mesma
enquanto atuação profissional e propósito de vida. Estava tudo colocado em questão, toda a minha
existência. Posteriormente a esta vivência, Guattari (2012a, p.14) nos chega, em nosso caminho
Capítulo 2. Primavera
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de pesquisa com suas palavras, dizendo assim: “é neste contexto de ruptura, de descentramento,
de multiplicação dos antagonismos e de processos de singularização é que surgem as novas
problemáticas ecológicas”. E se é deste lugar de fala da ecologia em que me coloco, também é
deste mover ecológico que surge em mim como interdependentes problemáticas em mutação em
nós.
Na crítica do conhecimento, conforme HUSSERL (2000a), nenhum conhecimento pode
ser previamente dado e com a redução fenomenológica é que se põe em questão o eu, o mundo
e as vivências a fim de trazer luz – com a percepção visualmente captada e apreendida como
minha percepção – e obter um dado absoluto, um fenômeno cognitivo puro. No provocante
componente EDCB05 Natureza da Criatividade, com os com Dante Augusto Galeffi, Maria Inês
Correa Marques e Joaquim Viana Neto, esse movimento de abertura nos modos de conhecer e se
relacionar pudemos perceber com ele que:
“vamos nos desnudando e também nos desnuda na medida em que nos abrimos
mais e mais ao que se vive e dialoga e ao que se dialoga e vive. Camadas
vão caindo de padrões e condicionamentos, daquilo que se repete em nossos
atos e nos discursos incutidos, alimentados em convívios geracionais e sociais,
revelando a beleza dos corpos cada vez mais desnudos em seus arrepios, seus
desejos e suas sensibilidades” (LEAL, 2018, p.326).
Neste componente dialogamos com nossas rupturas, com o que nos atravessa, neste
espaço de cuidado amoroso que se abriu em nós. E explorar o campo de possibilidades, nestas
aberturas de portas e janelas fomos caminhando com as questões surgidas, vendo aquelas que
sustentamos em nossos modos de ser e viver, das linhas de fuga que oportunizavam seguir nesse
caminhar. Essa abertura como um movimento de liberdade de poder-ser mais próprio numa
compreensão como pre-sença de fato, navegando em Heidegger encontramos este horizonte,
onde:
“A possibilidade é a determinação ontológica mais originária e mais positiva da
pre-sença, assim como a existencialidade, de inicio, ela só pode ser trabalhada
como problema. O solo fenomenal que permite a sua visão oferece a compre-
ensão como o poder-ser capaz de propiciar aberturas. A possibilidade como
existencial não significa um poder-ser solto no ar, no sentido da “indiferença
do arbítrio” (libertas indifferentiae). Enquanto algo essencialmente disposto, a
pre-sença já caiu em determinadas possibilidades e enquanto o poder-ser que
ela é, já deixou passar tais possibilidades, doando continuamente a si mesma as
possibilidades de seu ser, assumindo-as ou recusando-as. Isso diz, no entanto,
que para si mesma a pre-sença é a possibilidade de ser que está entregue à
sua responsabilidade, é a possibilidade que lhe foi inteiramente lançada. A
pre-sença é a possibilidade de ser livre para o poder ser mais próprio. A pos-
sibilidade de ser é, para ela mesma, transparente em diversos graus e modos
possíveis (HEIDEGGER, 2005, p.199).
Nesta doação contínua a si mesma, na autoresponsabilidade com as nossas escolhas, nas
aspirações de nos movermos em aberturas, caminhamos com nossos passos no aprender a ser e a
viver com as possibilidades de ser livre. E assim, com as aberturas propiciadas, nas idas e vindas
Capítulo 2. Primavera
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a lugares, a cursos, a vivências, de visitas à estadias vão se constituindo como processo, como
caminhos próprios do caminho que buscava me apropriar. Na fruição do navegar, o surgimento
da dúvida colocando em reflexão as trilhas desejadas do próprio navegar, surge como as ondas
que nos sacodem na manutenção do trajeto ou na saída com a mudança de rota em um oceano de
possibilidades que me levam algumas margens. Para HEIDEGGER (2005, p.260) “o ser para
possibilidades mostra-se, pois, na maior parte das vezes, num simples desejar”.
E a noção de desejo é dialogada por ??) que aborda as construções que foram feitas do
desejo como algo nebuloso, desorganizado, secreto ou vergonhoso seguindo nos entrelaçamentos
do simbólico e da castração em clandestinidade, culpabilização e repressão nas tentativas de
disciplinar o desejo. Essa construção do desejo é questionada por este autor que considera que:
"O desejo, em qualquer dimensão que se o considere, nunca é uma energia
indiferenciada, nunca é uma função de desordem. Não há universais, não há
uma essência bestial do desejo. O desejo é sempre o modo de produção de algo,
o desejo é sempre o modo de construção de algo. É por isso que considero
muito importante desmontar este tipo de teorização. (??, p.261).
Asssim, ??, p.261) na ação de desmontar as dominantes relações castradoras buscando
novas maneiras de ver e agir no contruir com o mundo expressa que "proporia denominar desejo
a todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de
inventar uma outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores.".
Do que nos dispomos a Ser e viver, nos desmontes que fazemos com as dúvidas, as
construções que fazemos com os desejos, das incertezas que nos mantem nestas aberturas e das
possibilidades que nos movem em nossas escolhas, vamos continuamente nos constituindo e é
neste movimento de vida com o seu percursso no doutorado que nos descobrimos na revelação
desta fenomenologia que se gera com o mover na Ecologia de Si.
Neste movimento de abertura ao que se vive, a construção do conhecimento na fenomeno-
logia, conforme Bicudo (2011, p.13) se dá na experiência vivida “se assumirmos a complexidade
do ”ser sendo”, ou seja, se concebermos que somos à medida que nos tornamos, fazendo, acon-
tecendo”. A compreensão da fenomenologia em sua terminologia a partir da abordagem de
Bicudo (2011) é evidenciada na Figura 1 elaborada no Cmap Tools a partir da aprendizagem
desta ferramenta no componente EDCA 88 Sistemas de representação do conhecimento com o
professor Renelson Ribeiro Sampaio.
Nos atos de intuição ou percepção, o sujeito se articula em atos de consciência no fluxo
das vivências experienciadas, sendo que “esses atos ocorrem na subjetividade do sujeito, na
esfera da consciência, e podem se dar mais nas dimensões psicológica, cognitiva e espiritual”
(BICUDO, 2011, p.32).
A investigação se dá no mundo vivido, do experimentado na vida cotidiana e na com-
preensão da realidade que se vive (MINAYO, 2010), que pela fenomenologia desenvolvida por
Capítulo 2. Primavera
29
Figura 1 – Compreensão da abordagem fenomenológica
Fonte: Elaborado pela autora baseado em Bicudo (2011).
HUSSERL (2002) propõem a temática do Lebenswelt ou Lebensumwelt, traduzido como mundo-
vida ou mundo da vida, como abordagem de um mundo de significados que se constitui na
consciência humana. No mundo cotidiano da vida é que estamos umbilicalmente ligados, e este
mundo experiênciado pelo ser antecede como um a priori das ciências “ao mundo pré-científico,
pode falar-se de experiência estética ou religiosa, enfim, de experiência da subjetividade ”
(HUSSERL, 2002, p.34).
Neste mundo-da-vida que constitui a consciência humana, Hurssel ao vincular o eu e o
Lebenswelt na correlação consciência-mundo consegue novas perspectivas para a intersubjeti-
vidade – como dimensão que dá sentido de mundo – e a a intencionalidade – na relação entre
a consciência de algo e consciência de si mesmo, onde “a intencionalidade fenomenológica é
visada de consciência e produção de um sentido que permite perceber os fenômenos humanos
em seu teor vivido” (HUSSERL, 2002, p.21).
A intencionalidade é um conceito central constituinte da fenomenologia de Husserl.
Na intencionalidade da consciência é que constituem-se os cogitata do cogito, os “objetos” da
consciência. Considerando que fenomenologia estuda o fenômeno em sua aparição, de como
os objetos se autoapresentam de forma pura, na sua essência, à consciência. A consciência se
manifesta no plano simples da percepção e na vivência, "na consciência do eu, a que pertence a
vivência, encontra-se também o objeto de conhecimento" (HUSSERL, 2006, p.24).
A intencionalidade de acordo com Bicudo (2011, p.31) é "característica da consciência.
Consciência é compreendida como movimento intencional, efetuado pelo corpo-encarnado, ao
ir de modo atento em direção ao focado como figura destacada do fundo, totalidade em que
Capítulo 2. Primavera
30
sempre estamos com os outros.". Nesse mover atencioso em que direciono a minha consciência
a ir conhecer algo, o objeto intencional, enlaçado no sentido da percepção do fenomenal, do ato
de consciência em que se dá o encontro com o ver e o visto, do interior e do exterior das ideias
dentro mim e dos objetos fora de mim, do sujeito que percebe e da doação de aspectos a serem
vistos (BICUDO, 2011) e (HUSSERL, 2006, p.24).
Neste caminhos de aprendizagem, com os modos de apreensão, que nos guiam nas trilhas
da consciência é que passamos a acessar o conhecimento da Teoriação Polilógica, com a qual
prosseguimos com os nossos diálogos.
2.2 A Teoriação Polilógica, uma Epistemologia da Comple-
xidade própria e apropriada
O século XX foi marcado pelas revoluções quântica e da informática, e no entanto não
houve uma grande e radical mudança na visão de mundo da humanidade com estas revoluções,
prevalecendo a cegueira e os seus obstáculos na manutenção da antiga visão de mundo; no
século XXI persistem e ampliam-se os desafios de fazer emergir e construir no presente o novo e
positivo (NICOLESCU, 1999).
A transformação do sujeito em objeto caracteriza a ciência moderna fundamentada
na ideia, conforme afirmação do físico e professor romeno Nicolescu (1999, p.19), de "uma
separação total entre indivíduo conhecedor e a Realidade, tida como completamente independente
do indivíduo que a observa". Também, continua o autor abordando, com esta fragmentação os
caminhos da física clássica, com suas leis determinísticas fundamentada na ideia de continuidade
– sendo esta profundamente ligada a causalidade local – e a redução de tudo a física contribuiram
para o surgimento de uma ideologia cientificista. Desta forma, o que não cabia a única lógica
da realidade objetiva do cientificismo era afastado e abandonado a subjetividade desprezada.
Assim, nestes caminhos instituídos com a ciência moderna e a físca clássica, o "Universo
foi subitamente dessacralizado e sua transcendência foi jogada nas trevas do irracional e da
superstição."(NICOLESCU, 1999, p.22). Esse momento de dessacralização é um marco da
desconexão humana com o universo e com nossa realidade natural, onde o ser se deixa recobrir
com o véu da ilusão de uma separabilidade humana.
O paradigma newtoniano sustenta o materialismo científico, na existência atrelada a
um fenômeno da matéria e do paradoxo dualista mente matéria, sem a sua resolução. O físico
alemão Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1957), considerado o criador da teoria da física
quântica, com a lei distribuição da energia de radiação em toda a faixa de temperatura de normal
espectro, considerou a quantidade e a forma – chamado de tez – de distribuição dos ressonadores
de frequência, fazendo permutações, avaliando a entropia, fazendo medições, equações e ob-
servações, que lhe conduziram ao caminho de introdução da quantização e descontinuidade da
energia em pacotes em que ele chamou de quantum (PLANCK, 1900).
Capítulo 2. Primavera
31
Com o postulado de Planck (1900) é colocado em questão a continuidade e a casualidade
local, os seus limites alcance e a expansão destas perpectivas se abrindo respectivamente com a
descontinuidade e comunicação não local. A descontinuidade, proposta com a física quântica, de
acordo com o indiano Ph.D. em física quântica (GOSWAMI, 2018, p.50) é “familiar para muitos
de nós sob a forma de experiências criativas que surgem de surpresa – aqueles momentos “ahá”
pelos quais todos já passamos”. Conforme Goswami (2018) coloca a não localidade tem-se a
não comunicação por sinais no espaço tempo, pois quando a consciência interage não requer
sinais de conexões. A exemplo, a comunicação local, que é uma interação material, são os
sons; e a comunicação não local tem-se a telepatia, uma interconexão sutil entre dois cérebros
como manifestação da consciência. Ele também afirma que o caminho da ciência convencional
em desacreditar dados das experiencias da não localidade, denominando os fenômenos como
paranormais, uma forma de ignorar o paradigma da consciência.
Estas perspectivas, locais e não-locais, contínuas e descontínuas, na visão separatista do
cientificismo consideradas como antagônicas, emergem de um olhar outro de compreensão de
alcance com o físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962). Ele propõe o princípio
da complementariedade como uma expressão lógica na descrição no campo da experiência, na
relação entre os fenômenos observados, mesmo parecendo mais contrastantes eles devem serem
considerados complementares e igualmente essenciais, que juntos na exploração cada vez maior
nos campos da experiência apontam novos caminhos "que ultrapassam em muito as fronteiras da
ciência da física, e nos permite descobrir os traços comuns que promovem a busca da unidade do
conhecimento."(BOHR, 1995, p.95).
Com este princípio percebe-se a não exclusão ou anulação de uma questão, com o seu
limite de compreensão de alcance, e o surgimento bem como a coexistência de questões que
surgem em outras perspectivas que ampliam a borda do conhecimento. Para Goswami (2018) o
princípio da complementariedade surge para sanar a questão da matemática quântica que afirma
que os objetos são ondas e dos experimentos que indicam que eles são partículas. Assim, com
este princípio ele alega que os objetos quânticos tantos são ondas como são partículas, no entanto
Goswami (2018) ressalva que ambos não aparecem em um mesmo experimento.
Goswami (2018, p.13)afirma que “os objetos quânticos são ondas de possibilidades que
residem num domínio de realidade situado além do espaço e do tempo, chamado de domínio de
potencialidade”. Para ele, onda e partícula podem ser detectados no mesmo experimento pois
tudo é uma entidade e está instantaneamente interligado. E para expandir essa compreensão ele
invoca a consciência, ressaltando o seu papel em manter vivo e resolver o paradoxo – o nó lógico
do pensamento – o domínio da potencialidade é a nossa consciência Una, não existe forma,
uma consciência superior na qual todos somos um e que algumas pessoas denominam de Deus
(GOSWAMI, 2018).
Para Goswami (2018, p.14), a consciência é demonstrada pela causação descendente que
trata-se da “capacidade de escolher dentre as diversas facetas de uma onda de possibilidade. A
Capítulo 2. Primavera
32
escolha consciente é que transforma uma onda de possibilidade em partículas da experiência
manifestada”. Esse poder de escolha a partir das possibilidades é que nos move na promoção
de mudanças, e na medida que buscamos mudar o mundo mudamos a nós mesmos. Para falar
com a consciência ele toma o termo awareness para abranger a totalidade do campo perceptivo,
traduzida na palavra composta percepção-consciente. Assim, a compreensão que consciência
é tudo o que existe, a base de toda a existência e de nossas escolhas; que tudo é feito de
consciência, pois “tudo é possibilidade antes de fazer parte da nossa experiência (GOSWAMI,
2018, p.19).Também coloca a consciência quântica como não local e objetiva.
Assim, nesta trajetória trazida da antiga visão de mundo é necessário compreender
que o paradigma monológico, cartesiano, produz um conhecimento financiado por uma lógica
dominante de um pensamento que nos separa da natureza, exclui o indivíduo desprezando a
subjetividade, ignora e desacredita a consciência. A visão dualista de mundo com a dominação
de uns sobre os outros, em poder ilusório que cria condições de exploração e separação como
nos padrões que operam o cientificismo, o paternalismo, o capitalismo, entre outros modelos
e ideologias que desconectam os seres de uma compreensão sistêmica e interdependente. Esta
forma de dominação é hierarquizante, polarizada por visão antagônicas de mundo sustentado em
padrões disciplinares em uma educação fragmentada em especializações.
A prática da complementariedade nos possibilita saltar dos antagonismos com as po-
laridades, o dominio de potencialiades fortalece ainda mais esse caminho com as formas de
reconexão humana, na compreensão de que tudo está interligado e entrelaçada com a consciência
que é tudo o que existe. Este postulados contribuem na construção, na visada da totalidade e da
integralidade de vermos o ser como um todo, da compreensão de múltiplas referências e nos diz
é que "já não é mais possível compreendermos um fenômeno tendo apenas uma única referência
ou área do conhecimento." (LEAL et al., 2016)
A multirreferencialidade dos fenômenos, em Ardoino (1995, p. 7), “se propõe explici-
tamente uma leitura plural de tais objetos, sob diferentes ângulos e em função de sistemas de
referências distintos, os quais não podem reduzir-se uns aos outros”. Este conceito de multir-
referencialidade traduz e expressa as perspectivas do conhecimento, conforme a historiadora
natural e Ph.D em filosofia (BURNHAM, 2012, p.80) aborda com o seus “múltiplos sistemas de
referência – poesia, arte, política, ética, religião, ciência – igualmente significativos [. . . ] antes
uma bricolagem de visões que leva a uma compreensão.”.
No entanto, no desafio de leituras plurais da multirreferencialidade que não se correlacio-
nam, da restritividade do pensamento clássico disciplinar, a necessidade deste ultrapassamentos
é que surgiram, na metade do século XX, as abordagens da pluridisciplinaridade e da interdis-
ciplinaridade, porém em suas finalidades permanecem na pesquisa disciplinar (NICOLESCU,
1999).
O exercício de se colocar na vivência dos tensionamentos e impulsos de uma construção
dialógica que se dá no momento presente com a intelgência coletiva da comunidade, ora alcan-
Capítulo 2. Primavera
33
çando interfaces outras vezes não, é um movimento necessário no processo de construção do
conhecimento. E a transdisciplinaridade faz esse movimento entre, através e além de qualquer
disciplina, e nesta perspectiva, a disciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade são complementares.
A transdisciplinaridade faz uma transgressão da dualidade e tem por finalidade ultrapassar
a dimensão disciplinar, propondo uma visão de realidade multidimensional e multireferencial
em que seu objetivo "é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a
unidade do conhecimento."(NICOLESCU, 1999, p.53) e esta "compreensão do mundo presente
passa pela compreensão do sentido de nossa vida e do sentido de nossa morte neste mundo que
é nosso."(NICOLESCU, 1999, p.56). A unidade do conhecimento é vista como uma unidade
aberta - no prologamento dos níveis de realidade a uma zona de resistência as experiências e
percepeções - e esta juntamente com a pluralidade complexa são objeto transdisciplinar e que
desta coexistência emerge o princípio da relatividade (NICOLESCU, 1999).
Uma prática dialógica que cria relações e conexões entre saberes era a minha sede de
aprendizagem, de abarcar enlaçando as múltiplas referências de mundo. Buscava um caminho
que desse conta realmente de um movimento de vida. As vezes me sinto consciente que na vida
fui transitando por vários barcos, em contínuo deslocamento, chegando em algumas margens,
atracando em alguns lugares, em um oceano de possibilidades. E como não definia um barco
como uma escolha única a sempre seguir, ia frequentando os barcos que no meu caminho
surgiam como novos para mim e me despertando a vontade de entrar e navegar junto, bem como
revisitando outros barcos já conhecidos fortalecendo os vividos e suas aprendizagens e bem
como vivendo novas perspectivas antes não vivenciadas.
E seguindo em possibilidades múltiplas fui questionada por que não pegava um único
barco para seguir a minha jornada com maior profundidade. Por que tem que se escolher apenas
um barco e seguir neste, quando há uma infinidade de outros barcos, que se pode conviver com
alguns deles simultaneamente? Ou então, por que não construir o seu próprio barco e seguir o
seu próprio caminho? Como conviver com essa infinidade de possibilidades e chamados, derivas
e ancoragens, e seguir com fluidez neste mar em complexidades?
A complexidade e a emergência do campo do conhecimento, da instituição de diversas
formas de interação com o mesmo e com quem o produz, na transformação do conhecimento
produzido em linguagens e formas de tra(ns)dução de determinado saberes de uma comunidade
para outra, contribui para a superação da segregação sociocognitiva bem como a ampliação da
compreensão do conhecimento, tornando público todo aquele de caráter privado (BURNHAM,
2012). Na instauração de uma nova visão de mundo, a complexidade em sua multidimensionali-
dade atravessa todos os campos do conhecimento. E observando as travessias e passagens do meu
caminhar entro em reflexividade com estes atravessamentos e movimentos em ultrapassagens.
Transitar por entre os barcos era o meu movimento e no mover, em espaços multireferen-
ciais de aprendizagem, compreendi que há pessoas que basta um barco para seguir sua jornada,
Capítulo 2. Primavera
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e para outras há uma constelação de barcos que fazem a sua jornada, e é nesta constelação
que me encontro. Um movimento que ora borboletava entre os barcos, reconhecendo, explo-
rando, observando e pesquisando; e ora atuando como abelha polinizadora, criando, fecundando,
multiplicando.
E é neste movimento de vida que conheci e ainda estou conhecendo o trabalho desen-
volvido pelo arquiteto, mes- tre em Arquitetura e Urbanismo e doutor em Educação todos pela
UFBA, professor e escritor Dante Augusto Galeffi da Teoriação Polilógica, uma Epistemologia
da Complexidade Própria e Apropriada. Dos diversos encontros que tive com o professor e
orientador Dante Augusto Galeffi, em sala de aula no DMMDC/UFBA em que é professor
permanente, no Grupo de Pesquisa Epistemologia do Educar e Práxis Pedagógica em que é lider,
algumas vezes que o escutei enquanto ele dialogava com a polilógica, eu ouvia mas ainda não
compreendia. Na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia - UFBA também
encontrei os escritos de sua fala nos murais da faculdade e isto já foi fortalecendo um outro
acesso daqueles diálogos. Era como o revisitar dos barcos, em que o regresso possibilita o
fortalecimento e ampliação de uma aprendizagem. E mais tarde, acompanhando seus diálogos
em uma palestra que fora convidado a proferir, de Epistemologia, na Universidade do Estado da
Bahia - UNEB eu comecei a escutar e enxergar mais a sua polilógica.
Nesta palestra, enquanto ele falava e a representação da sua polilógica se movia ao
fundo em uma projeção, observei em sua proposta as fusões nos movimentos de encontro e
desencontro do conhecimento na criação de espaços e possibilidades de abertura e expansão da
vida ao navegar em saberes tradicionais e quânticos; no relacionar com as diferenças diversas em
suas complexidades de forma própria e apropriada; pressupondo campos transdisciplinares e
multirreferenciais que se deslocam em uma ética ubuntu.
Com a revolução da fís´ica quântica, de acordo com Nicolescu (1999, p.30)), o seu
grande impacto foi o de "colocar em questão o dogma filosófico contemporâneo da existência
de um único nível de realidade"sendo realidade entendida como "aquilo que resisti às nossas
experiências". Este autor aborda a realidade em suas dimensões transubjetivas e sociais, tendo
a abstração como parte integrante e quanto aos seus níveis ele destaca que "dois níveis de
Realidade são diferentes se, passando de um ao outro, houver ruptura das leis e ruptura dos
conceitos fundamentais (como, por exemplo, a casualidade)"(NICOLESCU, 1999, p.31). Os
níveis de realidade é um dos três pilares da transdisciplinaridade, juntamente com a lógica do
terceiro incluído e a complexidade (NICOLESCU, 1999). Os diferentes níveis de realidade tem
correspondência com os níveis de percepção e "o conjunto dos níveis de percepção e sua zona
complementar de não-resistência constituem o Sujeito transdisciplinar."(NICOLESCU, 1999,
p.63).
A Polilógica na propositura do Galeffi que considera a coexistência de diferentes níveis
de realidade e percepção. apresentando, na relação espaço-tempo, os níveis de realidade de
natureza macrofísico, microfísico, biológico e o cibernético quântico mental. Na polilógica há
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o encontro de pontos de conexão que integra dialogicamente diferentes conhecimentos como
ciência, filosofia, arte e mítica. O equilíbrio destas fusões que transita da multirreferencialidade
com a transdisciplinaridade de Nicolescu (1999, p.33) salta no movimento entre um e outro,
“ao aparecimento de pares de contraditórios mutuamente exclusivos (A e não-A)”. A partir da
visão transdisciplinar na polilógica de Galeffi, essa saída da lógica binária do que é e não é com
o terceiro incluído conduz a visão de unidade do conhecimento, na inclusão de polos que não se
contradizem e emergem da complementariedade que integra.
Esse "e"do (A e não-A), esse espaço entre as polaridades, esse corredor de acontecimentos
e encontros dialógicos que permite a relação, em suas aproximações e afastamentos, conexões,
saltos. Essa terceira possibilidade que se abre em nossas próprias aberturas de apreensão e
compreensão outras de ação que se integram, se complementem e que não se anulam. A lógica
do terceiro incluído, conforme Nicolescu (1999, p.40), "é uma lógica da complexidade e até
mesmo, talvez, sua lógica privilegiada, na medida em que permite atravessar de maneira coerente,
os diferentes campos do conhecimento.".
Nicolescu (1999) exemplifica com um bastão que há duas extremidades, a simplicidade
e a complexidade, e entre elas há o indivíduo como o terceiro incluído. Assim, como uma
aprendizagem de pensar e agir inclusivamente, encontrando uma terceira via humana que
integre as polaridades vistas e/ou apresentadas também com o seu sentir, ampliando horizontes
dicotomicamente traçados pela constituição do pensamento polarizado. Com isto, percebemos
como uma prática constante de um pensar outro, de um querer que vislumbra outras possibilidades
de agir, e sentindo novos horizontes a se criar em nosso florescer é que expansivamente nos
abrimos a novas visões de mundo.
A exemplo desta reflexão quero trazer que a polilógica me faz reconhecer do que eu digo
em muitas línguas; que em minha caminhada de aprendizagens fui reconhecendo, integrando e
me apropriando de formas de saudações e reverências empáticas de falas que em mim tocam o
coração, a partir das vivências com estas realidades. Saudações como: Mudita, Gashô, Om Shanti,
Axé, Namastê, Jai Gurudev, Assim seja e assim é, Amém, Om Tare, Aho, Optcha, LuAmPa.
Saudações que na trajetória passam a ter sentido e significado em seus encontros e articulações,
como em algumas destas serem no ato da pronúncia acompanhadas com o gesto das mãos
reunidas na direção do coração, na união das polaridades. Numa compreensão da Polilógica,
uma expansão dos horizontes de possibilidades que interagem em múltiplas linguagens e lógicas
uma totalidade includente em diferentes lógicas e níveis de organização da realidade que me
conectam com a reverência, com o sagrado que há em nós. E que a sabedoria transdisciplinar nos
leva, em exercitar harmonioso, a reunião das três facetas da realidade, sujeito, objeto e sagrado
(NICOLESCU, 1999).
No grupo de pesquisa e estudo da Epistemologia Transdisciplinar da Complexidade –
EpisTransComplex, um espaço para os encontros dialógicos e as vivências no acontecimento
destes encontros com a polilógica, em sua natureza dialógica, participativa e inventiva, e os seus
Capítulo 2. Primavera
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conceitos operadores da transdisciplinaridade, complexidade e multirreferencialidade, filosofia
da diferença, ética ubuntu, filosofia quântica, entre outros (LEAL et al., 2016). E nestes encontros
a compreensão de próprio e apropriado começa nascer em mim entre e além do que o outro traz
como relevância para minha visada, também pela claridade que gradativamente ou subitamente
desponta no meu horizonte de compreensões, que se revela nas relações em divergências e
convergências, conexões, pontes, aproximações e distanciamentos, implicações com os vividos,
e na relações que estabeleço de significância e significado no movimento das apreensões.
A partir das experiências vividas e dos diálogos, o meu coração passou bater mais forte no
desejo de escrever com as questões que movem o Ser, que tocam a condição humana, da relação
natureza ser, e dialogar com as memórias que emergem nas trajetórias. Nos caminhos que tocam
nosso coração, a epistemologia do educar transdisciplinar proposta por Galeffi (2017, p.7), coloca
que “a via do coração é o caminho do ser-sendo-outro. E o coração é uma imagem aproximada
do que não tem termo e não tem limites em seu poder-ser. O coração é a morada do sentido em
sua efervescência luminosa”. Para Galeffi (2017, p.7), o caminho é um espanto amoroso, “um
movimento de autoconhecimento intensivo e que tem por meta o próprio acontecimento humano
em sua saga aberta e inelutável. Uma retomada do que constitui a potência de ser transformante.
A via invisível e valorosa do que tem coração.”.
A Epistemologia do Educar Transdisciplinar conecta e estabelece relações com a totali-
dade, com a unidade aberta do ser-sendo-outro vivente da sua autotransformatividade própria e
apropriada; e me conduz em fluxo de consciência em uma autotranscedência em co-evolução
humana, em que "Todo ser humano é livre para se abrir, através do seu próprio caminho e de sua
autotransformação libertadora, para o autoconhecimento de seu destino espiritual"(NICOLESCU,
1999, p.83). E é esta visada de criação do caminhar em aprendizagens da Ecologia de Si que em
tecituras com a Polilógica se manifesta em revelação com o seu desabrochar em florescimento.
Nesse campo de força criador, de múltiplos agenciamentos coletivos e territórios para-
lelos, a Teoriação Pedagógica e Polilógica de Galeffi reuni quatro dimensões, que são as do
aprender, aprender a ser, aprender a ser sendo e aprender a fazer, como atitudes aprendente,
radical, crítica, filosófica de aprender-sendo (GALEFFI, 2019). Cada dimensão é trazida neste
trabalho na relação com as estações e com suas aprendizagens.
Com a Polilógica observo a ultrapassagem das lógicass e modelos dominante, pois
há um espaço aberto para o dialogar com o inacabamento que somos em nosso aprender a
ser - a ver, a pensar, a falar e a escrever - em que nada é definitivo e "tudo é abertura para o
aberto"(GALEFFI, 2001, p.533). Assim, essa abertura para o aberto quer dizer deixar-de-lado",
"desmontar"a hegemonia de certas concepções de mundo e de ser, que tiveram o seu esplendor
em épocas consumadas"(GALEFFI, 2001, p.320).
A polilógica na força de suas quatro dimensões traz uma sabedoria de vida e de um viver
como uma arte de aprender "de um fazer-se propiamente humano, onde não lhe falte o sentido
de liberdade que se conquista com a saída voluntária da caverna"(GALEFFI, 2001, p.317). E
Capítulo 2. Primavera
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nesta arte resistente de criação, Galeffi (2017, p.24) aborda que a:
A polilógica como teoriação do sentido próprio e apropriado paradoxal é o
campo de força do exercício da diferença e da heterogênese criadora incontor-
náveis. Neste âmbito, importa tomar o «território de resistência» não no âmbito
físico-geográfico e sim no âmbito do que possui a velocidade do raio e ressoa
trovejante rasgando a inércia das opiniões petrificadas. A polilógica mostra os
múltiplos agenciamentos coletivos de resistência artística, compreendendo a
todos como pontos-presenças de ímpetos criadores fora do controle da razão
calculadora. O sinal de que múltiplas são as vozes da arte resistente em sua
produção territorial acêntrica, policêntrica, multicêntrica. A questão é saber
de que modo a potência de resistência da arte radical constitui territórios pa-
ralelos com sua ecologia própria, ambiental, social, mental e cibernética. E
de como a ecologia da arte resistente é suficientemente potente para liberar-se
dos mundos escravocratas que persistem como núcleos duros da repressão
do desejo-vontade-ação de seres pertencentes ao multiverso inteligente e por
sua própria dinâmica, um multiverso criador, conservador e transformador de
toda matéria-energia simultaneamente, constituindo tudo o que conhecemos e
desconhecemos como mundo e não-mundo em devir, obra de arte em devir que
é o multiverso de nossa pertença espiritual, material, simbólica e poética em
reunião polilógica. Uma polifonia para os ouvidos, uma justaposição do tempo
em seu fluxo para a visão.
E quando Galeffi (2017) no traz a reflexão deste modo de potência nesta arte resistente
em ecologias próprias podemos nos mover de modo a saltar perspectivas dominantes de controle
e opressão, que como traz AGAMBEN (2010), “separa os homens da sua potência e, desse modo,
torna-os impotentes”. É preciso compreender estes espaços de criação para encontrarmos um
território de densidades outras onde possamos ultrapassar o senso comum e pensar a criação
como espaço de uma nova ética (GALEFFI; MARQUES; NETO, 2016). E os saltos quânticos
abrem em todos os níveis a porta da criatividade, em que “na física quântica, mudar a nós
mesmos é fácil, pois sabemos como: por meio da criatividade” (GOSWAMI, 2018, p.51).
Quando nos possibilitamos, em nossos cotidianos a nos mover, em improvisos de aber-
turas imprevistas em nossas repetições, oportunizamos a agir de um modo outro, de um modo
que nasce em nós mesmos como um movimento autêntico de expressão do nosso ser em seus
modos de ser, fazer e viver. A repetição é importante disse Galeffi, na referida palestra na UNEB,
e vivenciando repetições compreendi com ela a acessar a testemunha em mim e também como
ela ajuda no exercício da percepção dos padrões. A repetição nos faz tomar consciência de algo
que não percebíamos anteriormente ou não compreendiamos as inter-relações dos vividos e seus
saberes, experienciando este revisitar conseguimos saltar, com o vir à tona uma revelação nos
surpreende. É como a luz no horizonte que chega ou se despede, todos os dias se repete, e no
entanto cada dia se difere a paisagem e o vislumbre de suas aparições.
É um ousar que se coloca na ação criativa e creadora, em passos na zona de coragem que
fortalecem nossa potência e o deslocar em transposições outras. O novo paradigma é emergente e
incerto, tem como propostas contemporâneas de desenvolvimento a complexidade dos sistemas,
a formação de redes, a multiplicidade de vidas envolvidas; a discussão das racionalidades
Capítulo 2. Primavera
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criadoras deste surgem com as propostas de transição de velhas questões de preocupações sociais,
econômicas, políticas, culturais, ambientais e espirituais, na grande virada pela construção de
um futuro comum, justo, includente e responsável. Um exercício de atuação destas proposta, que
observamos como uma aprendizagem tecida por todos nós que navegamos no DMMMDC, além
de aprender com estes postulados nos componentes cursados.
O caminho não previamente estalecido e que requer do caminhante aberturas em movi-
mentos, em deslocamentos do centro a borda e da borda ao centro, nas relações eu outro mundo.
Da abertura, de acordo com Guattari (2012a, p.17), a “exploração processual das “singularidades”
dos acontecimentos, enfim tudo aquilo que pode contribuir para uma relação autêntica com o
outro”.
Esse florescer e essa trajetória que se revela no percurso é o que faz nascer em mim a
minha compreensão do próprio e apropriado como um caminho de vida e de pesquisa. Nos diálo-
gos com Dante Galeffi em nossos encontros de orientação, em sua fala me chega a compreensão
que surge do próprio que são próprios de minha singularidade e dos apropriados, da alteridade
de minhas relações, da reverência aos meus antepassados.
Eu me aproprio com as minhas experiências, com o que sinto e me implico, no pertenci-
mento com o que me relaciono, com o que trago para minha realidade e transformo de modo
mais apropriado com a minha individualidade. No processo de apropriação, esta integração com
o que se acessa dentro e fora, as questões e informações que surgem no campo de possibilida-
des, quando me relaciono com as informações que chegam encontrando relações nas conexões
que vejo e faço, nas inter-relações e pertencimento no modo que me imbrico, nos sentidos e
significados que vão se contruindo neste relacionar.
Desse extraordinário que nos diferencia em nossas individualidades, do aprendizado
que se opera com os modos de ser, fazer e viver, o próprio apropriado de Galeffi, da singula-
ridade e relações do ser sendo aí no mundo-da-vida, me remente em conexão com Guattari
(2012a), quando se refere aos processos de singularização que trazem à tona novas problemáticas
ecológicas e a subjetividade como perspecitva de uma ecologia mental.
Nas trajetórias com o que surge neste percurso, navegamos com os acontecimentos em
nossos processos de maturação e no alcance de nossas apreensões enquanto vivenciamos. A partir
destas bases da fenomenologia e da Teoriação Polilógica, nos proporcionando aprendizagens
como a subjetividade na revalorização dos sujeitos em suas singularidades, é que se deu a
abertura de campo ao surgimento nos mergulhos biográficos nos passos que se revelaram da
autoescritura do Eu; e nas experiências imersivas na Abordagem Somática Performativa.
Capítulo 2. Primavera
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2.3 Autoescritura do Eu
Prosseguindo com nossas bases conceituais da fenomenologia e da polilógica, na visão de
mundo quântica a consciência é a base de toda a experiência, ela é a potencialidade da experiência.
A experiência física é sensorial; a experiência vital com os sentimentos; a experiência mental
é pensar; a experiência intuitiva nos dá as potencialidades arquetípicas dos nove arquétipos
principais que são amor, beleza, verdade, poder, abundância,inteireza, justiça, bondade e o self
do qual estamos aqui navegando (GOSWAMI, 2018).
Assim, o self, o si mesmo, o eu nos chega para dialogarmos com a autoescritura nesta
outra base conceitual com a psicologia analítica com o seu fundador o psiquiatra e psicoterapeuta
suíço Carl Gustav Jung (1875 - 1961). E com estas quatro formas de experiência que Goswami
(2018) aborda do sensorial, do sentimento, do pensamento e da intuição, Jung et al. (2016) deno-
minou de a bússola da psique, que correspondem a critérios determinantes da conduta humana,
sendo algumas das formas "pelas quais a consciência se orienta em relação à experiência."(JUNG
et al., 2016, p.74).
A escritura da vida propriamente dita do sujeito, feita pelo próprio Eu, ou si mesmo ou
Self, é uma possibilidade de autoconhecimento que se abre no aprender de quem somos nós. Na
fenomenologia do si (self ) conforme Sokolowski (2004, p.128) “a fenomenologia é a exploração
de nós mesmos em nossa humanidade”; e o si, “é disperso pelo corpo vivo e é ativo em todas as
suas partes, não estacionado atrás dele. É identificável em sua inconsciência e até em sua vida
corporal.” (SOKOLOWSKI, 2004, p.138).
Para Jung et al. (2016), o self, o si mesmo, é a totalidade absoluta da psique, um centro
interior que se diferencia do ego, que é uma pequena parte desta. Do encontrar com esta morada
onde nós habitamos dentro de nós mesmos, nesta via do coração também acessamos o trabalho
da Pedagogia da Vida BARRETO (2016) que nos diz da amorosidade que nos constitui enquanto
self, em que o:
"ser amoroso é estar conectado com o cerne da Vida, aberto para o presente. O
caminho para ser amoroso é “suspender” o ego e estar conectado com a verdade
do coração – morada de si mesmo (self). Desta forma, a experiência amorosa,
fonte de vinculação, verdade, sentido e transcendência, mostra-se presente na
Vida cotidiana. Experienciar, formar e aprimorar esta condição amorosa do
humano só é possível a partir de uma condição peculiar de entrega –seja nas
relações sexuais, seja nos processos educativos formais, seja na própria relação
com a natureza."(BARRETO, 2016, p.99).
Assim, continuando nesta abertura com este movimento de entrega em nossas relações,
o Eu simboliza o objetivo do ser integral em sua totalidade e dele emerge um impulso de
autorrealização cuja manifestação se dá pelo instinto. Os seus processos reguladores produzem
os sonhos, em que Jung et al. (2016) ressalta a importância da investigação dos sonhos como
modo de apreensão do self, sendo os sonhos um mensageiro do inconsciente ao consciente.
Capítulo 2. Primavera
40
Nesta relação consciente e inconsciente, quando algo escapa a nossa consciência Jung
et al. (2016) nos fala que ele não deixa de existir, só nós que o perdemos de vista, quando ele
desvanece no inconsciente. E que podemos depois reencontrá-lo, tanto antigos como novos
conteúdos podem emergir e que "Parte do inconsciente consiste, portanto, de uma profusão
de pensamentos, imagens e impressões provisoriamente ocultos e que, apesar de terem sido
perdidos, continuam a influenciar nossas mentes conscientes."(JUNG et al., 2016, p.35). Sejam
questões do passado bem como também podem surgir ideias criadoras e situações psíquicas
futuras e pensamentos novos que não foram conscientes.
Assim, de acordo com Jung et al. (2016)) os acontecimentos que vivemos e não tomamos
consciência são absorvidos por nós subliminarmente e podem ser percebidos por nós por uma
intuição, uma reflexão profunda ou por um segundo pensamento na forma de um sonho. Também
afirma que o aspecto inconsciente de um acontecimento nos é revelado por meio de sonhos, onde
se manifesta não como um pensamento racional, mas como uma imagem simbólica.
Pelos sonhos passamos a conhecer aspectos de nossa personalidade, como o exemplo
de seus atributos trazemos o da sombra, um outro conceito de Jung et al. (2016)) em que
"Quando uma pessoa tenta ver a sua sombra ela fica consciente (e muitas vezes envergonhada)
das tendências e impulsos que nega existirem em si mesma, mas que consegue perfeitamente ver
nos outros."(JUNG et al., 2016, p.222). Aquilo que vemos e rejeitamos no outro é como espelho
que revela o que há em nós mesmos.
No caminho de encontro com este centro organizador do EU, a personificação do
inconsciente se dá com o self, as sombras e também com a anima e animus que são formas de
expressar a nossa individualidade. A esclarecer, anima sendo elemento feminino no inconsciente
masculino e o animus o elemento masculino no inconsciente feminino (JUNG et al., 2016)). O
caminho de aprendizagem humana esta em se harmonizar com estes pólos das formas femininas
e masculinas, conscientes e inconscientes que nos constituímos.
Foucault (2017) também ressalta a importância dos sonhos como prática de vida e
considera os sonhos como um oráculo, um conselheiro silencioso de onde podemos obter
elementos de interpretação, dos sentidos, tendo assim um valor de diagnóstico. Os sonhos
obedecem a esquemas que Jung et al. (2016) chamou de processo de individuação, e o self surge
quando o sonhador está vivendo momentos críticos ou de mudanças na vida. Dessa forma,
"O verdadeiro processo de individuação — isto é, a harmonização do consciente
com o nosso próprio centro interior (o núcleo psíquico) ou self — em geral
começa infligindo uma lesão à personalidade, acompanhada do consequente
sofrimento. Este choque inicial é uma espécie de ”apelo", apesar de nem sempre
ser reconhecido com o tal."(JUNG et al., 2016, p.219).
Em em nosso crescimento e maturação nossa natureza humana, a consciência, o self,
os sonhos, o inconsciente, a sombra, a anima e o animus, a individuação que vimos aqui são
alguns dos norteadores que constituem a psicologia analítica. E juntamente com esta base de
Capítulo 2. Primavera
41
compreensão do Eu, somamos com o percurso biográfico com a narrativa, que é uma outra base
conceitual na construção desta autoescritura.
No exercício de compreender e no mover da ação de querer dar conta da historicidade de
nossa própria existência no aporte do discursso narrativo que nos "mantém a relação mais direta
com a dimensão temporal da existência e da experiência humana."(DELORY-MOMBERGER,
2012, p.525). A pesquisa biográfica, na abordagem hermenêutica e fenomenológica, que de
acordo com Delory-Momberger (2012, p.524-525) "estabelece uma reflexão sobre o agir e o
pensar humanos mediante figuras orientadas e articuladas no tempo que organizam e constroem
a experiência segundo a lógica de uma razão narrativa".
Refletir nas polaridades do pensar e do agir humano que Delory-Momberger (2012)
traz à tona, a terceira via do sentir, a via do coração que trazemos aqui em ressonância com a
antroposofia, onde o pensar e agir se integram com o sentir da entidade humana. Na compreensão
deste agir outro integrado nesta trimembração humana é que surge nesta jornada as leituras
biográficas antroposóficas de Gudrun, a pesquisa biográfica com Delory-Momberger (2012) e as
narrativas com Souza (2004), que em um segundo momento da pesquisa chegaram fortalecendo
esta construção no caminho desta escrita de si.
E quando Delory-Momberger (2012) se refere a uma lógica de uma razão narradora nos
remete ao trabalho de Souza (2004, p.13) da compreensão que ele traz em relação ao movimento
narrativo, em que ele diz que:
A escrita da narrativa remete o sujeito a uma dimensão de auto-escuta, como
se estivesse contando para si próprio suas experiências e as aprendizagens que
construiu ao longo da vida, através do conhecimento de si. É com base nessa
perspectiva que a abordagem biográfica instaura-se como um movimento de
investigação-formação, ao enfocar o processo de conhecimento e de formação
que se vincula ao exercício de tomada de consciência, por parte do sujeito, das
itinerâncias e aprendizagens ao longo da vida, as quais são expressas através
da meta-reflexão do ato de narrar-se, dizer-se de si para si mesmo como uma
evocação dos conhecimentos construídos nas suas experiências formadoras.
Com Souza (2004) também vamos juntos navegando nesta abordagem biográfica, na
escrita da narrativa de si em reflexividade que nos fortalece a consciência do percurso e da
historicidade pessoal num mergulho investigativo que construímos como sujeito de nossas
próprias trajetórias, na compreensão destes saberes que emergem de nossas experiências e que
dão significado e sentidos a estas. E assim se deflagra com esta autoescritura o processo de
autoconhecimento, nesse conhecimento de si, outro e mundo, na singularidade humana, com
nossa individuação vamos construindo aprendizagens – em nosso pensar, sentir e agir, nos nossos
modos de viver e morrer, de nos relacionarmos e cuidarmos de si, do outro e do mundo – que
nos possibilitam transitar em um tempo trazendo um novo caminhar com outros passos para
antigas e novas questões que surgem no mundo-vida. É no encontro com as pessoas, na relação
eu-outro-mundo, da influência que as pessoas exercem sobre nós bem como a que exercemos
Capítulo 2. Primavera
42
sobre elas, dos fatos e sentimentos das experiências vivenciadas, que percebemos e conectamos
com a nossa individualidade e com a humanidade do outro.
Um dos principios que norteiam a Ecologia de Si é o ritmo e ele é assim descrito: A
vida tem seus ritmos e viver ritmicamente nos fortalece. Com o ritmo as noções de tempo
foram surgindo na autoescritura. Nesse tempo biográfico, que ao longo da vida que construímos
aprendizagens, faço referência com o tempo que Nicolescu (1999, p.34) discorre como tempo
vivo, em que "ele contém em si mesmo tanto o passado como o futuro, não sendo nem o passado
nem o futuro. O pensamento é importante para apreender toda a riqueza do tempo presente."Ele
também aborda que este tempo vivo se encontra na Natureza e questiona se a natureza ao invés de
um livro morto é um livro vivo contínuamente escrito. Presente como um tempo vivo, natureza
um organismo vivo, essa organicidade dinâmica do tempo da vida é de uma natural complexidade
e a compreensão de sua auto-organização muitas vezes nos escapa na formação espaço-temporal
de seus padrões complexos e plurais.
Essa temporalidade da experiência, na perspectiva biográfica na construção deste tempo
biográfico na relação do sujeito com o adoecimento e com suas fragilidades, é que que Delory-
Momberger (2012, p.26) nos questiona:
Que tempo é este que se instaura então, o tempo da doença. Será um tempo da
impotência, um tempo morto? Será o tempo de uma experiência que, tocando o
corpo, nos faz experimentá-lo de outra forma, em sua fragilidade e seus limites,
e nos ensina nossa finitude? E se for, qual(is) o(s) caminho(s) aberto(s) então
por essa aprendizagem?
Confesso que chegar até aqui, de sentar e escrever sobre tais histórias, foram desafios
vividos de grandes mudanças e aprendizados nos modos de ver a minha própria história como
uma testemunha. Fazer estes relatos foi um processo de aprendizagem, deixei fluir e o que
se revelou inicialmente foi uma escrita de mim. Foi um movimento de vida imbricado nesta
construção, vivendo o não saber e o não conseguir traduzir ou aquietar o passo me levaram o
tempo; o tempo que foi necessário para me fazer pousar. Esse exercício me trouxe revelações
de aspectos que precisam ser vistos e tornou-se uma escritura terapêutica em seu processo de
acontecimento. A escrita desta história, na escrita de si, é uma arte terapêutica para minha
jornada, que me faz olhar, falar e escrever do passado que reacende no presente e no futuro que
reflete.
Nessa dança em que nos deslocamos no tempo, revisitando o passado, abrindo o porão e
o baú das memórias, balançamos mais leve ao voltar ao presente e seguimos imagunando futuros
possíveis e desejáveis, regressando ao presente, ao acontecimento pleno e onde toda história é
vivida e assim construída. E conforme Burkhard (2000, p.21):
A intenção do trabalho biográfico não é a pessoa se prender ao passado, mas
entendê-lo e integrá-lo para poder viver o presente, livre do passado, e nortear
melhor o futuro - à medida que ela amadurece se torna cada vez mais livre, Para
Capítulo 2. Primavera
43
isso, no entanto, é preciso ter elaborado, integrado e aceito o próprio passado.
Caso contrário, o passado algema e amarra.
A importância da intencionalidade, do amadurecimento na construção deste conheci-
mento que é feito em uma relação temporal, nessa abertura para aprender com o que emerge
neste tempo vivo e biográfico, em reflexividade com a experiência que nos toca e no atravessa em
nossos percursos, do modo como vivemos, da poesia da vida nos convoca a viver. A consciência,
manifesta do ser nas relações em interdependências sistêmicas, se revela em sonhos, poesias, em
artes e expressões do inconsciente, do instinto, das memórias corporais, encontrando caminhos
outros de contar sua própria história.
Esse mergulho em nossa própria história, no revisitar de nossas memórias das nossas
trajetórias que se atravessam no tempo, dá claridade aos acontecimentos e a possibilidade de
novas visadas surgem. E o que se revelou em mirada foi um desconhecimento de parte da história
dos terapeutas das PICS, a de como se tornaram terapeutas, de como se deu esta transição de ser
e se reconhecer ocupando este lugar de cuidado em suas relações. E isso me motivou a olhar
com claridade para as histórias que se entrelaçam ao percorrer esta trilha, de me reconhecer
neste percursso, com o gênero autobiográfico e nas narrativas me fizeram olhar e navegar neste
caminhar com suas histórias.
Na relação com as modalidades de escrita do Eu, na construção da memória alguns
elementos vão compondo o testemunho, como a observação, a performance, a imagem e a
autoescritura fazendo referência aos conceitos de diário e autobiografia (SELIGMANN-SILVA,
2010). Com o diário, em que tende a ver como uma escrita performática, tem-se:
“as marcas e traços do presente de sua escritura. O diário produz páginas que
se embaralham com a vida de seu autor-protagonista. Nele somos tocados pelo
ar que o personagem respirava . . . ] o diário possui também uma respiração, um
ritmo, que expressa a situação anímica e corpórea de seu autor (SELIGMANN-
SILVA, 2010, p.180)
Há de destacar as imagens e sua contribuição com a força de memória das trajetória.
Nas trajetórias algumas imagens não foram vistas e compreendidas no primeiro instante, elas se
revelaram em momentos outros quando também já acessava outras compreensões. Imagens que
passaram desapercebidas e que são tão significativas quando passamos a enxergar a sua potência
e fazer relações e conexões.
E com os relatos esse caminho foi se abrindo para ação. Consideramos que o relato,
em sua operação constitutiva "o enredamento tem, portanto, uma dimensão performativa. Ele
age e produz ação, e a ação que produz se exerce sobre o texto enquanto forma, mas se exerce
também sobre o agir humano a que se refere o texto"(DELORY-MOMBERGER, 2012, p.529).
Nesse percursso em que nos alternamos entre protagonista e testemunha, e na dimensão afetiva
é que chegamos ao encontro com a performance em que vamos nos (re)conhecendo quanto
Capítulo 2. Primavera
44
mais a experinciamos nas vivncias e que vamos tecendo a seguir do nosso aprendizado com a
abordagem performativa .
2.4 Abordagem Somático-Performativa
Minha aprendizagem nesta abordagem tem como início em primeiro de junho de dois
mil e dezessete, a partir das vivências no componente de Laboratório de Performance (TEA 794)
com Ciane Fernandes, professora titular da Escola de Teatro do Programa de Pós-graduação em
Artes Cênicas - PPGAC da UFBA e fundadora, diretora e performer do Coletivo A-FETO de
Dança-Teatro/ UFBA.
A professora Ciane Fernandes, com o seu percursso formativo graduada em enfermagem,
licenciada em artes visuais e especialista em saúde mental (arteterapia); mestre e Ph.D. em Artes
Humanidades para Intérpretes das Artes Cênicas, Analista de Movimento pelo Laban/Bartenieff
Institute of Movement Studies (New York), e pesquisadora associada; pós-doutora em Comuni-
cação e Cultura Contemporâneas pela UFBA vai possibilitando construções e contribuições com
este corpo performativo de abordagem que ela propõe.
Na abordagem que FERNANDES (2015) vem denominando Somático-Performativa
- PSP envolve todas as fases de uma pesquisa, está inserida na modalidade de Prática como
Pesquisa – PaR, e se baseia no método do Movimento Autêntico, na Análise Laban/ Bartenieff
de Movimento (LMA), na dança-teatro, e na performance, "para propor processos de pesquisa
transversais e integrados, regidos pelo movimento, compreendido e vivenciado como pausa e(m)
impulso." (FERNANDES, 2013, p.28).
A Abordagem Somático-Performativa de acordo com FERNANDES (2015, p.81) "é
uma modalidade de Prática como Pesquisa (PaR) – metodologia que vem se mostrando como
um paradigma coerente e promissor para as artes que enfatizam o corpo e seus processos
como forma de criar conhecimento.". Neste mover, na integração com a experiência vivida é
que a performance surge no diálogo com as aprendizagens corporificada num caminho que
seguimos abertos nas possibilidades que emergem em um campo vibratório de revelações no
horizonte de potencialidades a navegar, nos descobrindo enquanto navegamos nos desconhecidos
territórios, com surpresa e espanto nos reconhecendo a cada possibilidade vivenciada (LEAL;
FERNANDES; GALEFFI, 2020).
Nesta abordagem, Fernandes associa a somática com o que Brad Hasemann defende e
apresenta como Pesquisa Performativa em movimento de “não apenas de colocar a prática dentro
do processo de pesquisa, mas de guiar a pesquisa através da prática (HASEMAN, 2006, pp.2,
3)”. É importante ressaltar este movimento de inversão do fazer científico, este fazer outro da
prática acadêmica de criar conhecimento. Um saber fazer que nos convida ao ato da escrita, a
fluir neste processo de escrita em performance, a escrita em processo é performance. Perceber e
olhar com claridade para este mover que nos desloca em um ato de cuidado e atenção que se
Capítulo 2. Primavera
45
vivencia com a escrita em seu acontecimento nos colocamos em presença.
Vamos incorporando compreensões destas revelações vibracionais com campo epistemló-
gico da somática que é adotada nesta abordagem conforme Fernandes (2014, p.82) nos apresenta
na relação da origem do termo com a cultura védica, nos hinos do Rig Veda, que aborda Wilson
(1857) das brilhantes gotas de alegria do chamado suco Soma, considerada uma bebida divina
como parte entre homens e deuses com seu poder de elevar. E assim nos diz que:
O termo Somática (Somatics) inspira-se na palavra grega para “corpo vi-
vido"(“Somatikos”), que por sua vez inspira-se na bebida sagrada relatada
nos Vedas (soma), e reinterpretado como o corpo experienciado internamente.
O termo foi usado pela primeira vez por Thomas Hanna em 1976, para descrever
abordagens de integração corpo-mente que ele e outros terapeutas e educadores
estavam desenvolvendo.
Fernandes (2018) nos relata com a dança-teatro na pesquisa com a dança clássica indiana
de estilo Bharatanatyam no período de setembro de 2001 a janeiro de 2002 lhe proporcionou
relações somático-performativas e conexões com a dança-teatro contemporânea, da importância
da cultura védica para as artes cênicas.
Em somática estuda o soma, que é o corpo como ele é percebido de dentro, pela percepção
em primeira pessoa (HANNA, 1986). A minha compreensão, a partir das vivências com a
Abordagem Somático-Performativa, é que a somática nos convida a saltar de um mover de fora
dentro – muitas vezes automatizado com esse movimento aprendido da vida cotidiana que tem
pressa com a sua agenda de compromissos atribulada – de modo a alternarmos a um mover
que vem de dentro fora, na consciência do movimento, em que nos deslocamos com atenção
incorporada com o nosso passos em nosso caminhar na vida.
Das práticas que tem sido chamada de Educação Somática destacam-se a de Irmgard
Bartenieff, fundadora do Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies; a de Bonnie Bainbridge
Cohen, fundadora da School for Body-Mind Centering - BMC (Escola para Centramento Corpo-
Mente), as de Mathias Alexander e de Moshe Feldenkrais, entre outras (FERNANDES, 2010).
Na educação somática há uma perspectiva que aborda a ecologia somática. Na “ecologia
somática, o soma tende à autonomia e independência de seu ambiente enquanto tende a desejar
e depender dele – tanto social quanto fisicamente” (HANNA, 1976, p. 32). Ao refletir sobre
essas tendências na relação eu ambiente, me faz pensar na sala de Laboratório de Peformance no
PAF V da UFBA, há um chão com tapete azul que me sustenta, há janelas que traz o vento e o
som das folhas, que se mescla com o som do vento no entra e sai das narina ou boca, porta para
chegar e sair, quadros em que escrevemos, cadeiras, estantes, luz. Esse ambiente em que nós nos
encontramos, vamos criando com ele, e mesmo com toda ebulição interna em que estejamos,
quando no rolar o corpo no chão e o pé encontra uma parede, e ali se abre uma possibilidade
de exploração com o contato e/ou seguir com o movimento que se estava. Se penso a nível de
energia e em outras condições ambientais, me movo mais nessa visão trazida Hanna (1976),
Capítulo 2. Primavera
46
por entre o que tende a dependência e independência, na visada da interdependência em que
dançamos eu outro ambiente.
E com a ecologia somática encontro uma ponte de conexão com o movimento autêntico.
A trazer primeiramente a compreensão de Movimento Autêntico, que conforme Fernandes (2010,
p.1), é:
é um método de arte-terapia desenvolvido por Mary Starks Whitehouse (1910-
2001) nos anos de 1950 e 1960, após estudar com Mary Wigman, colaboradora
de Rudolf Laban. O método associa dançar de olhos fechados e em silêncio à psi-
cologia de Carl Gustav Jung e à troca de feed-back entre parceiros (“realizador”
e “testemunha”).
Fernandes (2018, p.179) relaciona o movimento autêntico que também foi chamado por
Mary Whitehouse de movimentos em profundidade, associando com a ecologia profunda, dessa
vida mais interna em conexão com o ambiente abordando que “Nesse contexto ecocêntrico,
autenticidade é justamente diluição no ambiente, isto é Imersão Corpo Ambiente.”. Assim, na
vivência com o movimento autêntico ele acontece em um pareado, por uma pessoa que entra
no fluxo da ação em seu mover de olhos fechados e com a presença de outra pessoa que fica
no campo do testemunho. Testemunhando toda dinâmica do movedor, a testemunha também
se coloca à disposição de um cuidar de quem está se movendo na entrega. Com o movimento
autêntico o testemunho ganha mais espaço de compreensão e Fernandes (2018, p.39) ressalta
que:
O nome "testemunha"em vez de observador"é interessantes, pois implica em
uma sintonia somática com o colega, sem julgamentos ou críticas. Vale ressaltar
também que autêntico, nesse método, implica na experiência processual de
conexão com o(s) impulso(s) e ser guiado por ele(s), e não necessariamente um
movimento inédito.
A vivência deste movimento acontece e depois dela, na dinâmica com o Laboratório
de Performance, há o registro das experiências vivenciadas - em sua expressão em desenhos e
escritas - compartilhamento das percepções em dupla e a troca de papéis da dupla, iniciando
um outro ciclo. Fechar os olhos e dançar é, para mim uma entrega e, um chamado para ver
com todos os sentidos, com a visão de dentro-fora e prosseguir com abertura do olhar para um
fora-dentro outro agora que se pode presenciar com esta expansão instaurada que se alterna em
protagonismo e testemunho.
Assim, a dança nasce em mim, no ambiente em que encontro, no ritmo, como no
pulso e na batida, e surge dessa relação eu ambiente com os impulsos e percepções; me movo
com a dança da vida que se estabelece ali naquele momento. O que emerge desse mover em
mim e de nós, eu outro ambiente, essas conexões em campo são revelações destas relações
com os encontros em aproximações e distanciamentos, aberturas e fechamentos, em que nos
oportunizamos experienciar um mover outro a cada encontro com suas possibilidades. E vamos
Capítulo 2. Primavera
47
contando e construindo nossas histórias em movimentos não elaborados que espontaneamente
surgem para com eles vivenciá-los
Pensando com esta Imersão Corpo Ambiente, corpo-ambiente em fluidez imersiva com
a vida em movimento, corpos em movimentos imersivos, o movimento com seus fatores e
qualidades foram a mirada do pesquisador, dançarino e criador da dança teatro Rudolf Laban
(1879-1958), que desenvolveu sistema Laban com trabalho dedicado ao estudo do movimento.
Sua obra era classificada em Eucinética - relacionada as qualidades dinâmicas do movi-
mento considerando os fatores de fluxo, peso, espaço e tempo - e Corêutica - "série de relações
geométricas entre o corpo e o espaço dinâmico, incluindo Dimensões, Diagonais e Planos,
visando ativar o espaço tridimensional ao redor do corpo."(FERNANDES, 2010, p.4-5)
Com o trabalho desenvolvido por Irmgard Bartenieff (1900-1982), discípula de Laban,
fundadora do Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, a partir do Sistema de Análise de
Movimento Laban, fortalecendo as categorias propostas por Laban e incluindo novas, configuram-
se o sistema de Análise Laban/Bartenieff de Movimento (LMA) as categorias as Corpo-Esforço-
Forma-Espaço (FERNANDES, 2010). Ela também gerou os Fundamentos Bartenieff cujos
princípios são a respiração e as correntes de movimento, o suporte muscular interno, a dinâmica
postural, as organizações corporais e o Desenvolvimento Neurocinesiológico (DNC), as conexões
ósseas, a transferência de peso para a locomoção, a iniciação e o sequenciamento de movimentos,
a rotação gradual e o movimento corporal tridimensional, a expressividade para a conexão
corporal, e a intenção espacial (FERNANDES, 2012).
Assim, com este solo fortalecido em suas bases constituintes referidas desta abordagem
podemos adentrar mais na proposta desta abordagem a partir dos vinte princípios, dinâmicos e
abertos, em movimento, que norteiam a PSP. Estes foram identificados por FERNANDES (2015)
em quatro fundantes, doze temáticos e quatro contextuais conforme ela explicita abaixo:
"Os quatro princípios fundantes dão sustentação à abordagem. São eles: Arte
de/em Movimento como elemento-eixo; Processos e estudos têm constituição
viva e integrada – soma; Ser guiado pelo impulso de movimento; Performance e
interartes como (anti-)método. Os doze princípios temáticos detalham conceitos
advindos de uma prática exploratória. São eles: Pulsão espacial ou inteligên-
cias autônomas inter-relacionais; Sintonia somática e sensibilidade; Sabedoria
somática ou inteligência celular; Energia, fluxo e ritmo – ebulição e pausa;
Espaçotempo quântico e sincronicidade; Padrões cristal, Repadronização e
decolonização; Criatividade e imprevisibilidade; Conexões – fronteiras flui-
das; Criação de associações e sentido a partir dos afetos; Coerência interna
e(m) inter-relação; Imagem somático-performativa; Espiritualidade encarnada
ou soma sagrado. Os quatro princípios contextuais relacionam a abordagem
a outros campos do conhecimento de forma mais explícita e criam um todo
inter- -relacional e dinâmico. São eles: Integração; Abertura participativa e
poéticas da diferença; Sustentabilidade e ecologia profunda; Multi-Inter-Trans
ou MIT disciplinariedade – arte como eixo de diálogo entre diferentes campos
do saber."(FERNANDES, 2015, p. 82-83)
Com a performance e a educação somática, os acontecimentos vão se auto organizando
Capítulo 2. Primavera
48
por si, e se instauram em soma, na medida que damos atenção a percepção, abre para as pulsões
que surgem trazendo à tona um mover e ser movido, em sua fluidez. As sintonias somáticas
vibram em/na propagação que se move e nos move. É uma revelação do ser pelo corpo mente
em movimentos manifestos. Ás vezes é no impulso ou numa repetição que nasce o movimento,
o impulso que cria, também pode surgir de algum tensionamento que emerge do e no ser. E
cria todo um ato, uma cena inteira, com os elementos disponíveis no espaço que podem criar
conexões e sentidos gerando materialidade.
A Pesquisa Somático-Performativa – PSP se dá nas vivências de cada participantes que
estão em conexão com os acontecimentos vividos e com as práticas de educação somática no
Laboratório Performance, nos caminhos da escrita tese e experiências do ser que emergem destas
práticas. O mover-se em performance surge em sincronicidade com os acontecimentos da vida
que ressaltam no corpo como são sentidos, percebidos, intuídos. Observo o que significativamente
nos marca de nossas trajetórias vem à tona e se revela na performance. O corpo vivo e pulsante
em veias, suor, lágrimas, coração, pés, mãos. . . essa vida corporificada e esse corpo vivido.
O corpo que se revela vivo em multidimensionalidade de expressões. O corpo vivo e vivido
que conta a história de suas memórias contidas no corpo, que emerge na sabedoria do que está
porvir a cada instante em seus impulsos; e nas repetições que surgem em movimentos contínuos
evidencia e salta padrões.
Essa aprendizagem corporificada experienciada com esta abordagem nos faz perceber
como estamos imbricados nesta escrita da ecologia de si. Com o vivenciar, testemunhar, dialogar
e relatar os acontecimentos vivenciados relacionando-os com as percepções dos sentidos e
significados fomos construindo com o que nos atravessa e das compreensões que nos saltam
em intuições, pensamentos, sentimentos, emoções, impressões e memórias acessadas e emer-
gidas enquanto a escrita acontece. Nas trajetórias e suas andanças vamos dando nossos passos
entrelaçados.
2.5 Reflexões em percurso
Compreendemos a importância da fenomenologia no surgimento das linhas holística
bem como no seu fortalecimento em seu caminhar entre e além das concepções de bem estar
integral do Ser, nos atos intencionais da consciência e de imanência do poder ser da pre-sença na
abertura como modo de revelação.
A antiga visão de mundo e a transição na revolução quântica revelam os desafios na cons-
trução de novos caminhos, ultrapassando fronteiras e ampliando a borda do conhecimento que se
dão com a descontinuidade, a não localidade, a complementariedade, o domínio de potencialidade
com a consciência, a multirreferencialidade, a transdisciplinariedade, a complexidade.
Com a Polilógica e a Epistemológia do Educar Transdisciplinar o caminho do aprender
coerentemente a integrar este e outros saberes que nos chegam e dialogarmos com as aprendiza-
Capítulo 2. Primavera
49
gens da inclusão, união, abertura de horizontes do ser sendo outro vivente em fluxo de consciência
própria e apropriada, em poliética e poliestética vamos construíndo a nossa autotransformadora
liberdade pela via do coração.
Neste caminho da consciência nos abarcamos com o self que nos leva a conexões consci-
ente e inconsciente, como os sonhos e outras chaves que nos possibilitam autoconhecimento e
amadurecimento. Vivenciamos nosso processo de individuação no encontro com o Eu em nossa
biografia e com a narrativa de si as revelações emergem ao campo da consciência enquanto de se
escreve.
Com a dimensão performativa o diálogo com as aprendizagens corporificadas, movimen-
tos de inversão, imersão, entrega fluição, impulsos, diluição, soma, conexão, integração, elevação
corpo corpos vivo vividos entre correntes de pensamento com seus conceitos e desdobramentos
se revelando nas formas de criar conhecimento.
50
3 Verão
Chega o verão, vagarosa nau, de um trêmulo horizonte,
com seu andar de floresta e seus odores enevoados
de resinas espessas e tormentas no alto da tarde.
Cecília Meireles, Chega o Verão.
A primavera e o verão são estações expansivas e nelas são experienciados o expandir
inspirativo do centro das bordas, respectivamente, dos caminhos e práticas na trajetória tese. Dos
movimentos de abertura realizados nos caminhos surgidos na primavera nesta tese, o verão surge
fortalecendo esta expansão no encontro com práticas que fazem repensar o nosso estilo de vida
bem como nos proporciona condições de saúde e bem estar.
Com o solstício de verão, o inicio da estação e a maior incidência dos raios solares
iluminando horizontes possíveis do percurso. O verão já chegou ser dividido em verão e estio
– este um prolongamento do verão – caracterizando que nesta estação há momentos úmidos e
secos.
Na atitude filosófica da polilógica estamos na dimensão do aprender a ser guiados pelo
princípio da prática comunitária (GALEFFI, 2019). E são nas práticas ecológicas e integrativas
que estas aprendizagens comunitárias são trazidas no percurso desta tese. As comunidades de
aprendizagem que surgem na relação eu outro, a sabedoria de viver em coletividade inspiram
novos coletivos que replicam e validam estas práticas como possibilidades de referências de
trilhas de um viver em mais harmonia.
Na inspiração de comunidades de aprendizagens, pensar um sistema de saúde que seja
vivido no cotidiano de vida das pessoas, no modo como elas vivem surge como um horizonte de
possibilidades em práticas de (auto)cuidado contribuindo com esta construção.
Com o movimento com os barcos que abordamos inicialmente com a Primavera, para
também contar desta estação neste barco que pegamos e com ele fomos navegar. Em muitas
margens chegamos, outras repousamos, algumas só passamos, outras nem notamos e algumas
retornamos e revisitamos. E um sol e lua de mais intensa luz seguimos em mais um verão em
tantas travessias aprendemos a veranear com a vida em alegrias desprogramadas, em um tempo
que sorri a alma, em margens que beiram a liberdade. desponta espaço aberto para brincar, amar
e junto estar. Cada novo verão que nascem novas inspirações abrem novas visadas como raios de
luz enxergamos novas possibilidades nas trajetórias do florescimento.
Capítulo 3. Verão
51
3.1 As Práticas da Grande Virada
O viver em comunidade, com suas aprendizagens coletiva e colaborativamente construída
em vínculos, traz a perspectiva das ecologias que emergem com suas questões ambientais, sociais,
políticas, culturais, espirituais nas relações convivência. A contínua possibilidade de vivenciar
aprendizagens ecológicas integrativas coletivamente na prática cotidiana é o cenário vivo de
algumas comunidades que geram saberes entre si com seus vividos, na abertura e expansão de
suas potencialidades.
O viver em coletividade e “a busca por formas mais “simples” e orgânicas de se ali-
mentar, de vestir, de se curar, de morar, fizeram surgir diversas experiências e práticas, onde a
inovação estava na busca por uma forma de viver comunitária, mais integrada ao ambiente e às
pessoas a sua volta."(JR, 2006, p. 4). Nesta convivência, o cultivo de aprendizagens também o
desenvolvimento da confiança, do respeito e da aceitação das diferenças e singularidades e o
fortalecimento da comunicação são formas de cuidado destas relações.
Neste caminhar do aprender a ser comunidade, o conceito de Comunidade de Práticas –
CoPs nos fornece uma perspectiva útil em conhecimento de pessoas e organizações que querem
se empenhar dentro de um processo coletivo de aprendizagem compartilhada como uma chave
para melhorar o desempenho dos praticantes em diferentes contextos em que se encontram
(WENGER, 2009).
De acordo com Wenger (2011), três características são fundamentais para as comuni-
dades de práticas: o domínio, no compromisso de um domínio específico de interesse ou uma
competência partilhada; a comunidade, se envolver em atividades conjuntas e discussões, ajudar
uns aos outros, e compartilhar informações; e a prática, no compartilhamento de um repertório
de experiências, histórias, ferramentas e formas de abordar problemas através da interação.
Burnham (2012), em sua abordagem de formação de comunidades cognitivas ressalta os fatores
que contribuem para esta geração, que são a educação, os sistemas de aprendizagem e as redes.
Há diversas comunidades de práticas de aprendizagem que em suas trilhas ecológicas
têm inspirado a transformação individual e coletiva bem como trazido esperança para o mundo.
E este aprendizado “tem lugar tanto na mente como no coração, beneficiando mesmo todos
os chakras.” (MACY; BROWN, 2004, p.16). É uma revolução ecológica, cognitiva, perceptiva
um despertar espiritual em nossas consciências e em nossas vidas, em que as pessoas estão
apreendendo e agindo em defesa não-violenta da Terra e de seus habitantes; as possibilidades
de redução de danos, criação de alternativas e promoção de mudanças profundas no modo de
perceber a realidade (MACY; BROWN, 2004).
E a esta revolução amorosa de pessoas atuando em comunidades em relações de cuidado
sistêmico que surge o conceito de grande virada, aqui trazido por Macy e Brown (2004, p.20)
como uma transição de uma sociedade de crescimento industrial à sociedade de sustentação da
vida, que:
Capítulo 3. Verão
52
“está em curso uma revolução silenciosa, provocando mudanças sem paralelo
em nossas maneiras de ver, pensar e entrar em contato com o mundo. Imagino
que as gerações futuras analisarão este período e lhe darão o nome de “Grande
Virada”. É a passagem marcante de uma sociedade autodestrutiva e voltada para
o crescimento industrial, para uma sociedade que dá sustentação à vida.
A este movimento, MACY e JOHNSTONE (2016) identificaram três dimensões que
caracterizam a Grande Virada. A primeira dimensão são as ações defensivas, elas "interrompem
a desestruturação social, cuidando dos que sofreram danos e protegendo as comunidades contra
exploração, guerra, fome e injustiça. Essas ações defendem nossa existência compartilhada e a
integralidade da vida em nosso lar planetário.” (MACY; JOHNSTONE, 2016, p.136). A segunda
dimensão chamada de práticas e sistemas com vidas sustentáveis se ocupa em repensar e redese-
nhar estruturas e sistemas na sociedade de fomento a cultura sustentável; e a terceira dimensão
chamada de mudança na consciência aborda o self conectado, no senso de pertencimento e
entrelaçamento com o mundo, na maneira como pensamos e percebemos a nós mesmos e o
mundo (MACY; JOHNSTONE, 2016).
Da diversidade de movimentos e organizações que atuam com proposta ecológicas, as
práticas que são trazidas aqui foram escolhidas pelo forte senso de comunidade e do estimulo a
aprender a ser nestas relações que elas possibilitam como comunidade de práticas de aprendiza-
gem. Na busca de um aprender a ser menos destrutivo e de encontrar sabedorias coletivas e de
resgate a saberes tradicionais que possibilitem viver em de forma mais harmoniosa com o todo.
Também na visada da inter-relação da ecologia, arte, educação e saúde, observou-se algu-
mas destas práticas oriundas e/ou impulsionadoras de uma educação gaiana, nas convergências
práticas de permacultura, agroecológicas, de visões holísticas, integrativas e sistêmicas. Com
elas vamos seguir navegando na abordagem ecológica em territórios, que se instaura na intenção
de um saber ser e fazer lúdico e colaborativo em rede solidária.
3.1.1 O Design de Ecovilas
O surgimento das ecovilas se deu em contraposição ao modelo hegemônico globalizante,
na busca de formas de viver a vida diferente da lógica dominante, na harmonização do homem
com a natureza. A necessidade de um outro caminho deu abertura para reinvenção de um estilo
de vida, onde novas ideias que contribuíssem para um padrão de consumo menos impactante
fossem concretizadas.
Diferentemente dos aglomerados urbanos, as ecovilas foram definidas, pelo filósofo
norte-americano Robert Gilman, como “um assentamento de escala humana, multifuncional, no
qual as atividades humanas são integradas sem danificação ao mundo natural, de forma a apoiar
o desenvolvimento humano saudável, podendo continuar no futuro indefinido” (GILMAN, 1991).
Assim, o cuidado com a pessoa humana e com o mundo natural constituem como princípio
Capítulo 3. Verão
53
para estes assentamentos que já foram denominados de comunidades alternativas em alusão ao
movimento libertário de contracultura da década de 60.
As ecovilas desenvolveram um modo de vida com base em um conjunto de práticas
que fazem frente a problemáticas socioambientais como educação, saúde, lazer, transporte,
saneamento básico, lixo urbano, segurança, habitação, dentre outros. De acordo com a Global
Ecovillage Network – GEN (Rede Global de Ecovilas):
“Ecovilas são comunidades rurais ou urbanas de pessoas que buscam integrar
um ambiente social assegurador de um estilo de vida de baixo impacto ecológico.
Para atingir este objetivo, as ecovilas integram vários aspectos do projeto
ecológico, permacultura, construções de baixo impacto, produção verde, energia
alternativa, práticas de fortalecimento de comunidade e muito mais” ((GEN),
2013).
A GEN, é consultora da ONU para assentamentos sustentáveis, tem em seu processo
de formação os cursos de Design de Ecovilas Educação – EDE, o Gaia Education. O EDE foi
desenvolvido ao longo de vários anos por um grupo de educadores do universo Ecovillage e
lançado em 2005 na ecovila de Findhorn, como uma contribuição oficial à Década das Nações
Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável - DNUEDS 2005-2014. A educação
Gaia possui uma abordagem holística da educação para o desenvolvimento sustentável, através
da elaboração de currículos para o design sustentável das comunidades, trabalhando em parceria
com universidades, ecovilas, agências governamentais e não-governamentais e das Nações
Unidas ((GEN), 2013).
Os modelos urbanos e rurais como as ecovilas e os ecobairros tiveram como inspiração
as idealizações de cidades igualitárias, verdes, e com propostas de integração cidade e campo,
no século XIX (NUNES, 2011). Para um maior entendimento das ecovilas, CUNHA (2014)
apresenta como referenciais teóricos de apoio à compreensão destas experiências a utilização
de conceitos ligados à ecofilosofia, o princípio da responsabilidade, a ecologia profunda, a
permacultura, bem como os ligados à antropologia e sociologia econômica, como a economia
solidária; que constituem elementos chaves da configuração destas comunidades de práticas.
O trabalho com a educação é fundamental nas ecovilas, pois a estruturação de todas
suas práticas são aprendidas e feitas em coletividade. A construção de aprendizagens se dá pela
própria vivência do processo participativo em suas interações e colaborações com o coletivo.
As metodologias participativas são bastante utilizadas em processos formativos e integrativos
das ecovilas. A aprendizagem se dá em todas as idades, é pedagógico, andragógico, vem de um
movimento de educação viva, que valoriza as relações e as experiências do cotidiano. A educação
tem um compromisso geracional fundamental com o desenvolvimento dos indivíduos e da
sociedade na condução dos saberes. Atua na vida da sociedade nos aspectos do desenvolvimento
das forças produtivas e dos valores culturais, com a dupla função de conservar e de mudar os
sistemas.
Capítulo 3. Verão
54
Entre algumas práticas que se destacam neste modo de viver ecológico estão a produção
local e orgânica de alimentos; o aproveitamento dos resíduos orgânicos, em compostagem
e minhocários, criação de hortas comunitárias; utilização de sistemas integrados de energias
renováveis e de baixa pegada de carbono; transportes sustentáveis e solidários; bioconstrução ou
construção ecológica das suas unidades, com a utilização de material de baixo impacto ambiental
nas construções; conservação da água, captação de água de chuva, uso de sistema de tratamento
e reuso de esgoto residencial, o uso de banheiro seco; manejo sustentável dos recursos naturais e
conservação da biodiversidade (JANUÁRIO, 2014) (JORGE, 2008). São práticas de cuidado
de si e do outro ambiente com a natureza e a saúde do planeta, onde o uso de seus recursos é
feito de forma consciente e no uso de tecnologias sociais e mais limpas. Estas tecnologias são a
fortaleza e o grande atrativo destas comunidades, numa oportunidade de ter contato, conhecer
e aprender este caminho outro que considera as dimensões ecológicas e sociais na produção e
consumo.
Na economia tem-se a prosposta de ser praticada em visões não-lineares na perspectiva
de uma (re) economia, fortalecendo a rede local com ações em apoio e solidariedade aos seus
talentos e em iniciativas do voluntariado, clube de trocas, da própria comunidade local que se auto-
organiza no escambo de produtos e serviços. Das experiências vivenciadas em algumas ecovilas
a dimensão econômica requer um olhar mais atencioso focado em ampliar as aprendizagens
destas práticas. Observo uma variação de ecovilas que vão da escassez à abundância, e o desafio
de chegar na suficiência. Há ecovilas de luxo que operam na dimensão econômica no mesmo
padrão capitalista bem como há ecovilas que estão buscando sua subsistência.
CUNHA (2014) observou que as práticas das ecovilas podem ser entendidas também
como sendo de economia popular solidária, por aderirem aos seus princípios voltado ao desen-
volvimento sustentável para as comunidades. Sendo práticas singulares ao assumirem, enquanto
coletivos, características de empreendimentos econômicos solidários, e também articulando com
diversos empreendimentos numa estrutura de rede local de economia solidária.
O turismo está integrado a esta dimensão e numa abordagem educacional, onde são
desenvolvidas vivências e experiências dentro das práticas culturais de base comunitária; as
trilhas ecológicas na relação com o ambiente e na vivência com as tecnologias propostas;
atividades valorizando a arte com música, teatro, circo; vivências espirituais e com as práticas
integrativas de yoga, meditação, dança circulares sagradas, massagem, entre outras; assim como
a realização de cursos, retiros e vivências também como atrativos para se relacionar com estas
comunidades.
Nesta relação com as práticas integrativas, a ecovila da Fundação Findhorn, fundada em
1962 e primeira referência de comunidade ecológica, convidou o bailarino e professor alemão
Bernhard Wosien em 1976 a difundir o trabalho de pesquisa que começou a desenvolver em 1960
de resgate de danças populares e tradicionais de vários países que estavam se perdendo entre
seus povos e de torná-las acessíveis a todos, criando uma metodologia de trabalho das danças
Capítulo 3. Verão
55
circulares sagradas (WOSIEN, 2000). As danças circulares sagradas são feitas em círculos, que
não tem princípio e nem fim, em movimento horário e anti-horário, conduzindo a estados de
alegria, energização, introspeção e meditação, em comunhão com outras pessoas onde todas são
referências. No Brasil está em inclusa na PNPIC pela portaria 849 de 27 de março de 2017.
O fortalecimento das ecovilas no Brasil tem seus marcos com a fundação de alguns mo-
vimentos e representações. A Associação Brasileira de Comunidades Aquarianas – ABRASCA
foi criada 1978 para congregar as comunidades brasileiras, ditas de, alternativas. Ela realiza
desde a sua fundação, anualmente o Encontro Nacional das Comunidades Aquarianas – ENCA.
A ABRASCA e os organizadores do ENCA criaram em 2006 o Festival Internacional de Cultura
Alternativa – FICA, que também acontece anualmente no Brasil. A Rede Brasileira de Ecovilas,
ENA Brasil surgiu em 2003 no primeiro Encontro Brasileiro de Comunidades Intecionais Sus-
tentáveis. E em 2011 é fundado em Brasília o Movimento Brasileiro de Ecovilas, Permacultura e
Transição Planetária – MEB. A ABRASCA, o ENCA, o FICA e o MEB podem ser considerados
como redes de apoio das ecovilas no Brasil.
A atuação em conjunto fortalece as ecovilas, ao atuarem em rede, na evidenciação das
suas práticas e nas possibilidades de diálogo local no enfrentamento das necessidades de suas
problemáticas e o incentivo ao protagonismo no desenvolvimento local. A partir da compreensão
das problemáticas e potencialidades locais, gerindo iniciativas com foco no suprimento destas,
além do desenvolvimento da autonomia pode-se ter uma redução no grau de dependência
das iniciativas dos órgãos externos como os determinantes e condutores das ações que são
desenvolvidas.
As ecovilas são lugares de aprendizagem e isso é atrativo nestas comunidades, da
possibilidade de aprender com o outro, aprender juntos. Também para quem acredita em uma
vida vivida com menos impacto a busca de aprender caminhos mais saudáveis, harmoniosos.
Pensar a vida e a dinâmica de funcionamento das ecovilas na perspectiva de suas ino-
vações foi um movimento de reflexão feito a partir das provocações do componente EDCA
92 Criação e Difusão do Conhecimento para a Inovação Tecnológica com as professoras Ana
Maria Ferreira Menezes e Maria de Fátima Hanaque. Em reflexividade, a compreensão que o
conhecimento produzido pelas práticas das ecovilas fazem frente a um árduo sistema de gestão
existente na relação mercado e sociedade. Incrementam em perspectivas holísticas, cultural,
espiritual, social e ambiental. As tecnologias sociais e ambientais utilizadas nas ecovilas fazem
frente as tecnologias tradicionais de mercado por serem constituídas considerando os aspectos e
impactos socioambientais na produção e manuseio das mesmas.
A inovação pode contribuir para a compatibilização do estilo de vida com padrões de
consumo na produção e circulação de conhecimento dos modo de ser e viver que propiciem
condições de vida de menor impacto socioambiental. Essas práticas são aprendidas para serem
feitas em coletividade bem como ensinadas para quem busca aprendizagens com as ecovilas. As
práticas educativas e de gestão das ecovilas são elencadas em alusão ao tripé da sustentabilidade.
Capítulo 3. Verão
56
A difusão destas práticas faz repensar a reinvenção de novos caminhos onde a inovação contribua
para estilo de vida saudáveis em ambientes urbanos e na sociedade como um todo.
Na Região Metropolitana do Salvador, no Vale do rio Itamboatá em Simões Filho há a
Fundação Terra Mirim, que tem uma atuação ecológica em suas dimensões ambiental, socio-
cultural como ponto de cultural, político territorial em relacionamento comunitário, e espiritual
em que se destaca o trabalho com o Xamanismo. Com essa comunidade, em seus 25 anos de
sua existência, escutamos a fundadora da Comunidade Terra Mirim, a xamã Alba Maria dizer
que segue os caminhos do coração, que diz para onde seguir: “Sirvo aos corações. Talvez por
isso assuste a tantos, por que a partir do momento em que cada um entra em contato intenso
com o seu coração, tudo o que está fora – instituições, crenças, padrões – não mais amedronta”
(MARIA, 2006)
Como nem todas as pessoas tem a possibilidade de mudar para meios rurais onde geral-
mente as ecovilas se encontravam, o crescente impulso com as ecovilas urbana nos impulsionou
a reflexão de como viver deste modo outro seja na ecovila ou no ecobairro construíndo estas
ações e relações ecológicas. E o pensamento de nos apropriarmos das ecovilas e buscando trazer
estas aprendizagens nas moradas em que habitamos, vivendo estas relações no apartamento,
condomínios, bairro, cidade nos moveu a novas aprendizagens com os nossos corpo-ambiente,
corpo-cidade, corpo-transição em nosso cotidiano em nossos corpos caminhantes que se desco-
lam em caminhos do coração.
3.1.2 A criação colaborativa de Projetos Dragon Dreaming
O dragon dreaming surgiu em 1987, a partir do trabalho desenvolvido pela Fundação
Gaia da Austrália Ocidental tendo como um dos fundadores o John Croft, um estudioso das
culturas aborígenes e co-fundador da Fundação Gaia do Oeste da Austrália. Tem como inspiração
e organização a partir da teoria Gaia, de James Lovelock e Lynn Margulis, congregando com
a ecologia profunda com Joana Macy, a pedagogia de Paulo Freire, a economia da dádiva e
a sabedoria dos povos aborígenes. Os princípios norteadores de sua práxis são o crescimento
pessoal – compromisso com a sua própria cura e empoderamento – a construção de comunidade
– fortalecendo as comunidades de que você é uma parte – e o serviço à Terra – o reforço do
bem-estar e prosperidade de toda a vida (CROFT, 2012a).
Traduzindo literalmente o termo dragon dreaming para sonhando com os dragões, bem
como é repercutido como um movimento em que dançamos com os dragões em nossas vidas.
Tem como símbolo o ouroboros, com a cabeça do dragão mordendo a sua cauda E para melhor
compreender este movimento trago algumas palavras na Figura 2 em um texto que dança no
espaço, e de acordo o DREAMING (2014, p. 3):
Para quem atua com o projetos, o questionamento do que faz um projeto ter êxito em sua
realização e o que faz outros não serem concretizados, o olhar para os dragões e cuidar deles é
Capítulo 3. Verão
57
Figura 2 – Conceito de dragões do Dragon Dreaming
Fonte: DREAMING (2014, p. 3).
um dos aspectos de ação desta proposta. A dinâmica de projeto se dá na relação interativa do
indivíduo com o ambiente, da teoria com a prática, no desenvolvimento de uma inteligência
coletiva em fluxo com as dimensões do sonhar, planejar, realizar e celebrar que compõe o ciclo
do Dragon Dreaming, conforme pode ser observado na Figura 3.
E de forma fractal para cada uma destas quatro dimensões há quatro perspectivas equiva-
lentes a cada uma delas, compondo dezesseis passos na trilha desta metodologia. Vale destacar
que as dimensões do sonhar e celebrar são diferenciais do Dragon Dreaming dentro das práticas
de projeto; e mesmo com a dimensões já conhecidas do planejar e realizar elas acontecem de
uma outra forma, trazendo esta outra lógica criativa de fazer e conviver nas ações e relações que
propõe o dragon dreaming.
A dimensão da celebração, nos lembra da alegria de comemorar todo a trajetória enquanto
ela acontece. Uma forma de honrar os passos dados, como uma pausa respiratória de fluxo a
outro que se abre. A celebração chega pelo dragon dreaming com ares de interioridade, uma
festa de dentro, que nos convida a admirar os passos dados e seguirmos em abertura para um
novo sonhar.
Deixamos com o tempo de dar atenção aos nossos sonhos e ao sonhar, em que nos
referimos tanto ao que se revela quando dormimos bem como ao que sonhamos acordados
com nossas aspirações, daquilo que faz o nosso coração cantar. Entendermos a importância do
sonhar em nossas vidas, de como ele nos (re)conecta e nos faz reacreditar que é possível viver
a realidade de nossos sonhos, fortalecendo a nossa esperança. O dragon dreaming traz uma
compreensão da relação individual e coletiva do sonho e é um momento de criação (in)consciente
da realidade na prática do círculo dos sonhos, onde a intenção e a imaginação entram em ação em
um processo divertido de partilha coletiva na construção deste sonhar e de visualização criativa
Capítulo 3. Verão
58
de sua realização contribuindo nos passos desta caminhada para a sua materialização.
O que observo, dentro de algumas práticas de projeto em comunidades, é uma relação
com pseudo participações que irei descrever assim: Nós temos este projetos para vocês com as
nossas regras e decisões e com o que nós enxergamos serem importantes para vocês, com aquilo
que podemos oferecer que tem relação com alguma demanda nossa. Também percebo que as
pessoas não querem ser mais público alvo a ser beneficiado por algum projeto que aparece para
eles. Como descrito na dissertação em Leal (2013) nos níveis de participação parcial, passiva
ou não participação não há uma abertura ao desenvolvimento da autonomia, pertencimento
e empoderamento dos participantes no processo decisório. Uma participação plena considera
o individual e coletivo na tomada de decisão, em que o querer se manisfesta no desejo de se
sentirem inclusas, pertencidas, empoderadas, se apropriarem dos projetos no construir juntos.
Então, na prática do Dragon Dreaming, é essa forte dimensão colaborativa de construção
de projeto, desde inicio com o sonhar essa construção acontecendo em todo o ciclo até o celebrar.
Uma pessoa que entra em um projeto depois de um sonhar construído, se o seu sonhar não
for acolhido no processo bem como socializada a construção do sonhar já feita pelo grupo, é
provável que aconteça um desempoderamento deste participante que não tem o mesmo nível de
vinculo e conexão com o projeto podendo abandonar no meio do caminho. Assim, a metodologia
propõe acolher cada participante que chega há um cuidado de incluir e cada participante que sai
uma escuta aberta ao aprender.
Em encontros formativos do dragon dreaming com a chegada ao curso, vivenciamos
algumas breves ações de apresentação acontecendo em dinâmicas que possibilitaram identificar
redes na fala dos participantes em suas autoapresentações individuais bem como no corpo
coletivo que moveu em resposta as perguntas trazidas pelos participantes. Essa abertura neste
momento de partilha tem a sua relevância com o que chamamos de fazer conexões em rede a
partir de nossos centros de atuação e interesse vamos nos encontrando na coletividade, criando
pontes de conexão ao diálogo com o outro.
Destas conexões que o dragon dreaming também faz em sua metodologia também
pode ser observado nos espaços da estrutura interna da Figura 3 a integração da prática da
Comunicação Não-Violenta - CNV dentro do ciclo dragon dreaming.
Nessas conexões faz além da CNV vimos também com outras práticas - a exemplo
também da constelação familiar, a teoria U, a sociocracia e do movimento cidades em transição.
Este movimento nos remete em diálogo com a polilógica em Galeffi, na perspectiva de integrar
de forma coerente várias lógicas que possuem e encontram suas interfaces fazendo suas inter-
relações bem como mantendo a singularidade que as caracterizam. Estas outras práticas são
apresentadas nas fichas técnicas do Dragon Dreaming, como na ficha técnica de número dezoito
em que Jonh Croft relata o seu encontro com o movimento Cidades em Transição em 2006
quando foi a Totnes em Devon e também depois quando foi convidado a trabalhar com Robin
Hopkins enquanto atuava no Schumacher College (CROFT, 2012b).
Capítulo 3. Verão
59
Figura 3 – Círculo de Síntese do Dragon Dreaming
Fonte: DREAMING (2014, p. 3).
O que nos chama atenção nestes diversos diferenciais que possui o Dragon Dreaming
são as formas de cuidado em suas práticas, que são estabelecidas no percurso. Na proposta
de ser, fazer, viver e conviver de um modo outro de tudo aquilo que nos desconecta, trazemos
aqui algumas ações que se destacaram em nossa visada, que estão entre e além do ciclo da
metodologia, podendo serem praticadas no cuidado das relações de convivências coletivas. São
um modo de cuidar dos dragões que surgem na caminhada da vida, para que esta possa continuar
em prosseguimento com leveza e alegria. Para evidenciar estes cuidados queremos falar dos
guardiões, como pessoas pertencentes ao coletivo que tomam para si o cuidado de alguma ação
durante a dinâmica de acontecimentos do projeto e nos inspiram, ahá, a seguir no fluxo da vida
como anjos na terra, na compaixão dos guerreiros de shambala.
Aqui falaremos de alguns guardiões praticados no dragon dreaming, do Pinakarri, da
memória, do tempo e da energia. Para iniciar e realizar esta jornada faremos uso de uma prática
chamada Pinakarri, que é um conceito para escuta profunda, denominado pelos povos aborígines
Mandjilidjara Martu do Grande Deserto Arenoso da Austrália Ocidental e difundido pelo CROFT
(2012a). Nesta prática de meditação ativa focamos a atenção nos ritmos da vida na conexão à
Terra.
Pinakarri ocorre quando todos os indivíduos são totalmente engajados com
a sua intenção na outra pessoa, tentando ver e entender através ‘do andar de
seus mocassins’ ou ‘ver com os seus olhos’. [...]. É muito diferente da escuta
cotidiana à qual estamos acostumados, onde enquanto escutamos com a metade
de um ouvido, já estamos preparando internamente a resposta. O Pinakarri
exige que seja silenciada a voz individual interna da mente, e a doação de uma
empatia profunda, tanto para si mesmo como para o outro (CROFT, 2012a,
p.12).
Capítulo 3. Verão
60
O guardião do Pinakarri é o da escuta mais profunda e empática, no acontecimento
de uma comunicação carismática e ganha ganha mantendo o grupo no fluxo do propósito. Ele
percebe se a energia caiu, se houve alguma parálise por análise de repetição dos esquemas
mentais prévios que cada pessoa traz consigo, e cuida do pedido e da realização do Pinakarri.
Estabelece um momento de pausa e reconexão corpo-alma-espírito, silenciando a voz da mente.
A vivência do Pinakarri praticada em grupos de trabalhos acontece como uma meditação que em
poucos minutos acalma todo o processo mental e reconecta a pessoa consigo e com o ambiente.
Também quando chegamos em qualquer ambiente com o corpo tendo a mente estando disperso
no passado ou futuro, com a realização da prática há um reconexão mente corpo no presente e na
presença.
O guardião da memória cuida do registro coletivo captando a essência do que está sendo
dito pelos participantes. As ideias, pensamentos e sentimentos a medida que são compartilhados
este guardião registra o nome da pessoa que falou e a essência do que se disse. A memória
também no processo do dragon dreaming é cuidada em outras perspectivas para fortalecer a
aprendizagem, como a curva do esquecimento desenvolvida pelo psicólogo alemão chamado
Herman Ebbinghaus, que pesquisou a capacidade e o tempo que as informações adquiridas
permanecem retidas e são recuperadas em nossa memória. O dragon dreaming integra em seu
processo a proposta de Ebbinghaus, incluindo práticas de fortalecer o que foi aprendido durante o
processo de formação e no compartlhamento destas informações em três tempos de vinte quatro
horas, uma semana e um mês.
O guardião do tempo cuida da organização do tempo cronológico, monitorando-o durante
a realização das atividades. Ele sinaliza sutilmente o momento de encerramento conforme
previamente acordado a duração das ações propostas. Porém existe um outro tempo que é
cuidado no dragon dreaming, ele é chamado de tempo interno. É um espaço criado para se falar
como estamos nos sentindo e isto é acontece fazendo referência ao tempo da natureza para falar
do tempo de nossas emoções e sentimentos. Como se pintássemos uma paisagem falamos se o
nosso tempo está trovejando e chuvoso bem como se nosso tempo está como um sol intenso com
arco-íris. Assim, como esses tempos de Cronos e Kairós nos organizamos em nossas ações com
os nossos sentimentos.
O guardião da energia cuida de manter a conexão com o coração, expandindo e mantendo
essa energia no fluxo. Ele cuida da vibração, e sua interação se desenvolve em harmonização do
indivíduo/ambiente, acolhimento, celebração, e outras ações que reconecte a energia coletiva a
amorosidade. No Dragon Dreaming, uma questão norteadora de sua práxis é como tornar seus
sonhos em realidade através do amor em ação. Assim, ele é definido como o amor em ação,
sendo uma aventura em descoberta mutuamente compartilhada.
Na formação de aprofundamento do dragon dreaming foi solicitado aos participantes
desenhar a expressão que eles traziam consigo naquele momento em que chegavam ao curso.
Após um tempo desenhando foi solicitado passar o desenho a pessoa que estava a sua direita e
Capítulo 3. Verão
61
da mesma forma tempo depois a pessoa a sua esquerda. E assim que se deu o desenho da Figura
4 como a expressão do diálogo silencioso de três pessoas cuja leitura que aqui faço como esse
espaço entre infinitas possibilidades encontramos a vida em nosso caminho do coração. Uma
outra perspectiva que me chega na construção deste desenho é que o amor flue em colaboração,
em relações ganha ganha acontece em leveza a abertura da amorosidade. Em competição, as
relações perde-ganha e perde-perde aciona as nossas feridas, gatilhos, defesas e tensões.
Figura 4 – Desenho co-criado no II Curso de Aprofundamento do Dragon Dreaming
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2016.
Dos processos formativos que participei eles aconteceram em escolas de permacultura,
ecovilas, espaços de terapias integrativas, vejo a escolha dos espaço também como uma forma
de fortalecer a rede do que se quer construir no mundo. No final dos processos formativos
a prestação de contas acontecia com a transparência dos custos e despesas detalhadamente
apresentada aos participantes. Com a cobertura dos gastos quando havia excedentes era colocado
para decisão do coletivo a decisão da destinação do valor. A exemplo, para apoior projetos que ali
surgiram, ou projetos já existentes, apoiar pessoas no pagamento de seus processos de inscrição,
entre outros.
Essa prática de não visar o lucro e apoiar a rede aparece desde o primeiro curso que fiz
como um diferencial que vou conhecendo mais as suas bases ao fazer o aprofundamento nesta
metodologia. Ouço falar da economia da dádiva e vivêncio uma aprendizagem de um processo
denominado de captação empoderada de recursos. Essa prática incentiva a troca, o talento a
serviço, o apoio da sua rede e busca resignificar a relação que as pessoas possuem com o dinheiro.
Através do uso desta prática pude realizar os sonhos de fazer a formação do aprofundamento
do Dragon Dreaming bem como viajar e fazer o treinamento de facilitação de treinadores do
movimento cidades em transição.
Capítulo 3. Verão
62
3.1.3 A Comunicação Não-Violenta
A Comunicação Não-Violenta - CNV é uma proposta do psicólogo norte americano
Marshal Rosenberg (1934-2015) para resolução pacífica de conflitos. Ela foi estruturada da
necessidade de reformular a forma como as pessoas se expressam – o falar e o escutar – e a
importância da linguagem e das palavras no florescimento da nossa compaixão Rosenberg (2006).
Com seu intuito de desenvolver uma mudança qualitativa de atitude, para que se permita vir à
tona aquilo que há de positivo nas pessoas, para que elas sejam dominadas pelo amor, respeito
e gratidão. Assim, na CNV os relaciomentos são cultivados em práticas de escuta profunda e
empática, fala carismática e amorosa e atenção plena. Uma comunicação carismática e genuína
que vem do coração transforma as realidades de nossos relacionamentos.
Rosenberg (2006) fala de uma comunicação alienante da vida, em que ressalta a existência
de algumas formas, que nos afasta e bloqueia a compaixão de si mesmo e do outro. Para
Rosenberg (2006, p.47), esta comunicação tem profundas raízes filosófica e política baseadas em
dominação e hierarquias sociais, e diz que: "onde quer que uma grande população se encontre
controlada por um número pequeno de indivíduos para o benefício desses últimos, é do interesse
dos reis, czares, nobres etc. que as massas sejam educadas de forma tal que a mentalidade delas
se torne semelhante à de escravos.".
Essa questão histórica colonizadora que persite nas relações, de pessoas fazendo uso
do poder para criar mecanismos de exclusão, separação, controle e dominação se manifesta
na linguagem e na palavra consituintes da comunicação alienante da vida. Assim, em uma
conjuntura histórica social construída, para (LEAL; GALEFFI, 2017) "As palavras, quando
utilizadas em abuso de poder, reproduzem condicionamentos, crenças limitadoras, manipulação
de fatos e realidades para gozo de interesses próprios e alienação dos sujeitos na predominação
de um discurso."
As formas que Rosenberg (2006) faz referência são: o uso de julgamentos moralizadores
dicotômicos, com o uso de classificações e comparações; o uso de sistemas de recompensa e
punição, bem como da comunicação dos nossos desejos como exigências, e da responsabilidade
pessoal por nossos pensamentos, sentimentos e ações. Ele aborda a relação da linguagem e
violência e da importância de termos consciência de nossa responsabilidade pessoal.
O seu método se organiza em expressar honestamente e receber com empatia por meio
de quatro componentes que são: a observação, sem avaliar, do que acontece numa situação; a ex-
pressão do nosso sentimento ao observar a ação; a necessidade ligada ao sentimento identificado
e o pedido para enriquecer a vida (ROSENBERG, 2006).
Neste método, o permitir manifestar a nossa vulnerabilidade na expressão dos sentimentos
é um dos quatros caminhos na resolução de conflitos, em que os "nossos sentimentos resultam
de como escolhemos receber o que os outros dizem e fazem, bem como de nossas necessidades
e expectativas específicas naquele momento."(ROSENBERG, 2006, p.79).
Capítulo 3. Verão
63
No estímulo a expressar verdadeiramnete os sentimentos reais, nos ajuda a distinguir o
que sentimos e o que pensamos que somos pelo o que achamos que os outros reagem ao nosso
respeito (ROSENBERG, 2006). Nos deslocarmos da repetição de comportamentos reativos e
defensivos que culpa a si mesmo e ao outro e navegar nos sentimentos, é que encontro ressonância
da CNV com o diálogo que Obry (2003, p.135-136) faz entre emoção e sentimento, ao entender
que:
Se estivermos vivendo uma certa emoção, nossa percepção sensorial se retrai;
mas se expressamos um sentimento, ou seja: se usamos os nossos sentidos, sem
nenhuma interpretação, nossa percepção da realidade é naturalmente ampli-
ada. [...] a emoção é sempre provocada pela interpretação imediata de uma
realidade observada através de uma crença. [...] Por sua vez, o sentimento se
inicia quando a realidade identificada exclusivamente pela percepção sensorial,
ativada por nossa determinação, sem qualquer interpretação por parte das nossas
formas de inteligência. Nosso sentimento é exclusivo; as emoções, comum a
todos.
Também percebemos presente nas palavras de Obry (2003) a conexão com o que a CNV
traz em diferenciar sentimento de pensamento. Da crença existente em um pensamento que
mobiliza a emoção, recordando de quando interpretamos, classificamos como certo e errado,
culpamos e criticamos nos distanciamos dos nossos sentimentos e da real necessidade que nos
motiva a nos expressar o nosso sentimento exclusivo.
Reconhecendo a relevância de compreender a profundidade da violência existente dentro
de todas as pessoas, a causa raíz que reside em nós e que fortalece esta propogação seja ela de
natureza física ou passiva, dentro de uma lógica egoísta. A atenção a linguagem que a CNV
aborda evidencia um caminho para observamos a manifestação da violência presente em nosso
comunicar e modificarmos esta história que se repete em nós no desenvolvimento de uma
comunicação compassiva que fortaleça a compaixão.
A CNV aborda que uma das características da compaixão é nos entregarmos de coração
e aqui nos abrimos a dialogar com a CNV com o que também sustentamos neste caminhar de
aprender a ser este ser que escuta e caminha nas trilhas do coração. Juntamente a prática da
compaixão abordagem da CNV também ressalta o poder da empatia, e a define assim:
A empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivenciando.
Em vez de oferecermos empatia, muitas vezes sentimos uma forte urgência
de dar conselhos ou encorajamento e de explicar nossa própria posição ou
nossos sentimentos. Entretanto, a empatia requer que esvaziemos nossa mente
e escutemos os outros com a totalidade de nosso ser.[...] Precisamos sentir
empatia para dar empatia. (ROSENBERG, 2006, p.150-151).
A lembrar da empatia profunda que abordamos com o pinakarri, e da essência deste
proposta de expressar e receber com empatia, no refletir a empatia nesta abertura em nós mesmos,
em que nós colacamos em conexão ao corpo do outro, corpo de sentimentos e necessidades.
Capítulo 3. Verão
64
A escuta compassiva que nos coloca em condições de diálogo, sendo este um processo de
democratização da fala.
A comunicação é apontada com o fator crítico nas relações interpessoais. Sem de fato
escutar o outro, sem a sabedoria do silenciar e de falar com, nos choques de cultura, crenças e
valores e a carga de emoções presente, o conflito torna-se mais suscetível de acontecer com as
possibilidades de desequilibrações das vivências na perduração deste estado que pode levar a
processos de adoecimentos.
A CNV nesse caminhar chega como desejo de mudanças e construção de possibilidades
de convivência pela criação de espaços internos de paz que se exala nos diálogos, estimulando a
relação em territórios afetivos não-violentos.
3.1.4 O Movimento Cidades em Transição
O movimento Cidades em Transição – Transitions Towns foi criado pelo inglês Rob
Hopkins que, ao ser questionado em uma entrevista disponível na EcoDebate (2009) sobre a
origem do movimento, ele relata como se deu o surgimento respondendo:
Toda a idéia do movimento surgiu através do meu trabalho como permacultor
e professor de permacultura nos últimos dez anos. Quando comecei a me
aprofundar sobre a crise de combustível e mudança climática, as ferramentas de
resposta sobre o assunto eram as de permacultura. Mas o que eu percebi é que,
apesar de a permacultura ser o sistema de design ideal para isso, o movimento é
ainda muito pouco conhecido e tem quase uma aversão embutida ao mainstream.
Por isso, o que quis fazer através do Transition foi criar um modelo em que a
permacultura fosse implícita ao invés de explícita, que ela estivesse escondida
dentro do processo para que as pessoas a descobrissem se assim a desejassem.
Rob Hopkins ensinava sobre permacultura em Kinsale na Irlanda e desenvolveu um plano
de gestão para esta cidade. A saber que permacultura ou cultura permanente é um conceito co-
criado do professor pesquisador naturalista Bruce Charles Molisson (1928-2016) e do ecologista
escritor David Holmgren inicialmente apresentada na Austrália com orientação a princípio para
grupos pequenos buscando a autossuficiência na tentativa de melhorar as práticas agrícolas
existentes. Com a proposta de criar um modelo, tanto para áreas urbanas e rurais, integraram
em seu design princípios e pr áticas interdisciplinares que sustentam o paradigma, conforme
aborda Holmgren (2013, p.8) em que “sistemas nos quais o consumo se ajusta à capacidade de
suporte renovável e se preservam espaços de mata nativa para possibilitar a absorção do impacto
ambiental e a regeneração do meio produtivo.”
Ao mudar-se para Totnes na Inglaterra, em parceria local com Sophy Banks e Naresh
Giangrande, juntos em 2006 consolidaram o movimento nesta cidade. Atualmente, o movimento
está presente em mais de 50 países, representado por milhares de grupos em cidades, bairros,
ilhas, universidades e escolas e é referido também como iniciativas em transição, uma forma de
dizer que sua prática acontece não só nas cidades.
Capítulo 3. Verão
65
Faz uso de metodologias participativas, como o open space e word café, que estimulam
o protagonismo, o empoderamento e autonomia do sujeito na atuação coletiva e colaborativa em
rede e elos que são fortalecidos junto com a visibilidade dos talentos locais na sua potencialização.
Este movimento dialoga com o contexto das sociedades que construímos e os seus
desafios como as questões das crises econômicas e ecológicas, das mudanças climáticas, o pico
do petróleo, da pegada de carbono, questões de baixo consumo de energia, das desigualdades
sociais, do estilo de vida e padrões de consumo insustentáveis de poluição antrópica que ameaçam
a teia da vida no nosso planeta. Tem a proposta de mudança interna e externa, desde o indivíduo
na tomada de consciência e modificação das crenças que constribuiram para a construção desta
realidade à ações coletivas de iniciativas de transformação de bairros e cidades em modelos
sustentáveis, menos dependentes dos combustíveis fosséis, mais resistentes e integradas à
natureza.
Então como mudar sociedades inteiras insustentáveis, dependentes dos combustíveis
fosséis, competitivas, desiguais e cosmicamente desconectadas? Diante destes contextos e
cenários, (HOPKINS, 2008) aponta três possibilidades de ação, a de adaptação – na criativa
invenção e reinvenção constante de caminhos para resolução de problemas –, de evolução – na
mudança de mentalidade que promova uma evolução coletiva – e do colapso – na fratura e a
desintegração, súbita ou gradual, da sociedade.
Estas três instâncias de transição nos faz pensar nos desafios que vivenciamos em viver e
promover a mudança que queremos para nossas vidas. Ampliar a borda de nossas possibilidades
de viver outras realidades pode não ser tão simples de realizar quando nos deparamos com
crenças limitadoras, emoções e impressões que inibem ou bloqueiam o avançar dos passos em
uma expansão. Assim, ao nos defrontarmos com as questões problemas que são desafiantes
para nós, as dificuldades internas e externas podem suscitar os comportamentos de esquiva,
luta, defensivas e ofensivas que surgem num mecanismo de impedir de se relacionar, fazer o
enfrentamento destas e os distanciamento que podemos nos levar a possibilidade do colapso.
Também acontece com questões que nos são afins e estimadas em manter em nossos hábitos,
porém quando surge com estas questões experiências de aspectos que nos são desconhecidos e
nos faz ter outros acessos do que os habituais podem surgir um estranhamento com as mesmas
abrindo uma rota de adaptabilidade neste relacionar.
Assim, ainda em reflexividade com estas possibilidades nestas perspectivas pensamos
no ritmo de seu acontecimento conforme os movimentos singulares individuais e coletivos
locais se organizam e realizam. Podem acontecer de modo gradativo, em doses homeopáticas,
para que uma convivência possível se estabeleça e as questões problemas de uma rejeição
assustadora passe para uma conviviência harmônica ou possível de se sustentar. Também com o
acontecimento de uma mudança de mentalidade com a possibilidade da evolução, podemos dar
um salto dinâmico que dá uma celeridade de resolução outra no tempo, que ao nos depararmos
com uma questão problema, faz com que ela não sejam mais um problema evitável e sim uma
Capítulo 3. Verão
66
questão para se olhar, aproximar, relacionar e cuidar.
Então é importante perceber que uma expansão de nossos horizontes de possibilidades de
ação pode acontecer em movimento de dentro para fora bem como de fora para dentro, do centro
para borda e da borda para o centro, interno e externo retroalimentando e impulsionando. E que
há uma maturação neste processo, em que na proposta das iniciativas em transição, participando
do processo formativo do launch a realização de engajamento comunitário eles validam em
apropriação a espiral da mudança de James O. Prochaska e Carlo DiClementeo no Modelo
Transteórico de Mudança de Comportamento integrando em sua proposta.
Assim, com este modelo apropriado para a transição nos ajuda a mapear as nossas
práticas individuais e coletivas visualizando onde encontramos nestes estágios. Os seis estágios
de mudança são denominados de pré-contemplação – em que as pessoas estão desinteressadas,
desapontadas e negam a necessidade de mudança – contemplação – há um movimento de
abertura, escuta e aproximação onde os fatores favoráveis a mudança aumentam e os contra
diminuem – preparação – as pessoas estão conscientes e ativas começando a desenhar ação a ser
desenvolvida – ação – este é o estágio da mudança real em que as pessoas estão implementando as
mudanças em suas vidas – manutenção – com a mudança estabelecida a consciência dos desafios
contribui na consolidação da mudança ao estilo de vida da pessoa – e por fim a terminação,
novo comportamento é totalmente integrado e a tentação de recair no antigo comportamento
enfraqueceu-se.
A jornada de vida de professor e pesquisador de Hopkins com a permacultura, a espiral
de mudança, as experiências em Kinsale e Totnes e outros conhecimentos vão somando a
essa tecitura para a composição da modalagem proposta por este movimento. Desta forma,
o Movimento Cidades em Transição tem como princípios norteadores a visão de um futuro
positivo; sensibilização, um convite; inclusão, todos são necessários; resiliência, construindo
comunidades locais fortes; a transição faz sentido – a solução é do mesmo tamanho do problema;
a transição de que precisamos é tanto interna quanto externa; um modelo viral, algo fácil de
replicar (HOPKINS, 2016).
Destes sete príncípios vamos tecer um pouco com alguns deles. Na transição de que
precisamos é tanto interna quanto externa, pela aprendizagem que já caminhamos este momento
com esta escrita nos faz relacionar, esse mover dentro e fora que se alternam e se incluem
simultâneamente nos conecta com a persectiva transdisciplinar do terceiro incluído, de ser um e
ser o outro retroalimentando-se.
Compreendo que o movimento de transição faz é inspirar as pessoas para a que a
mudança real aconteça em suas vidas. A mudança interna neste movimento tem como linhas de
inspiração psicologia e psicoterapia, ecopsicologia, psicologia da mudança, a ecologia profunda
e o trabalho que reconecta, a teoria de sistemas, relatos de transformação de consciência e a
sabedoria tradicional dos povos da terras (RÍO, 2015). Estas linhas focalizam nossas relações
com o mundo da natureza, reconhecimento de nossos sentimentos, comportamentos e valores
Capítulo 3. Verão
67
associados à natureza na compreensão que não existe separação entre o eu e o mundo. A visão de
saúde mental e relação com a natureza andam juntas em relação indissociável a saúde do planeta;
e as alterações humana na biosfera que ameaçam a própria vida revelam psique em sofrimento.
A atuação se dá em diferentes temas e atividades, tais como a resiliência pessoal fazem
crítica ao consumismo e na adoção de práticas como yoga e meditação; comunidade de apoio
coletivo e individual, entre pessoas e iniciativas no incentivo a uma cultura colaborativa em
empatia e compaixão; resolução de conflitos adotando preceitos e práticas com a comunicação
não-violenta, círculos restaurativos e constelação familiar; sabedoria ancestral indígena e e
realização de práticas de reconexão com a natureza fortalecendo eu ecológico interconectado, na
jornada do despertar de cada pessoa; e a celebração criando espaços de compartilhar, reconhecer,
agradecer (RÍO, 2015).
Hopkins (2008) fala sobre um processo de construção da solidariedade comunitária
e preservação do essencial da vida. Pode-se observar que em momentos de crises, acidentes
e desastres, guerra, epidemia e pandemias há uma notoriedade sentida desta fala, quando a
percepção se abre ao essencial e a compreensão da interdependência que se vivencia.
O aumento da resiliência, na capacidade de não colapsar e de responder com adapta-
bilidade, é uma forma de estar preparado e se auto-organizar para vivenciar as mudanças. Na
reconstrução da resiliência local o fortalecimento da economia local, favorecendo a escala local
ao produzir por nós mesmos na criação de sistemas de produção locais, gerando uma infraestru-
tura para este fornecimento, comprar na própria comunidade, fazer uso de moedas locais, entre
outras práticas (HOPKINS, 2008).
Assim, com a proposta de desenvolvimento interior e exterior, local e global, as iniciativas
de Transição criam um processo de engajamento de pessoas, comunidades, instituições e cidades
para que juntas numa prosperidade compartilhada, implementarem as ações necessárias de curto,
médio e longo prazo na construção das realidades que desejamos ver e viver no mundo. Com
soluções de baixo impacto frente aos desafios ambientais globais, geração de renda local, relações
de vínculo, potencialização dos talentos locais, cidadania e boa convivência em um bem viver.
O movimento chegou na América Latina primeiramente no Chile e em seguida ao Brasil
em 2009. Com formações no sul e sudeste do país e encontrou a sua força de expressão no
desenvolvimento comunitário urbano dos bairros, em iniciativas que se destacam como a Granja
Viana e Brasilândia em São Paulo, em Laranjeiras no Rio de Janeiro. Em Salvador, aconteceu
dois processos formativos, em 2011 movido pelo o Ecobairro aconteceu o primeiro Treinamento
Oficial em Salvador com May East nos dias 2 e 3 de abril, na Escola de Administração da
UFBA no Vale do Canela, com a Prof.a Maria Suzana Moura sustentando este acontecimento na
Universidade. E em 2019 na organização das facilitadoras e dos guardiões das redes do Bem
Viver no Imbuí e do Núcleo de Práticas Integradas.
Dos trabalhos de ensino e pesquisa desenvolvidos em Salvador com esta prática des-
Capítulo 3. Verão
68
tacamos aqui o trabalho de Denise Noronha no ano de 2013 da Dissertação Caminhos de
Fortalecimento da Sustentabilidade em Comunidades Urbanas do Mestrado em Desenvolvimento
e Gestão Social da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia; conhecimento
trabalhado no componente ADMF18 – Desenvolvimento Sustentável com a Prof.a Maria Suzana
Moura em parceria com Prof.a Andréa Ventura e em estágio de bolsa Capes Doutorado com
Priscylla Lins Leal; em 2017 com a Tese de Heliana Faria Mettig Rocha com o título O lugar
das práticas comunitárias emergentes: caminhos de coexistência socioecológica em projetos
urbanos da Faculdade de Arquitetura da UFBA; e a a disseração Lívia Santana Fauze em 2018
intitulada de Arte e Design para o Movimento de Transição: um estudo sobre lideranças criativas
soteropolitanas. apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (PPGAV- EBA-UFBA) sob orientação da Profa.
Dra. Ana Beatriz Simon Factum.
3.1.5 As Hortas Urbanas Comunitárias
Movimentos expressivos de uma política ecológica que demarca a sua atenção ao re-
lacionar ao cotidiano humano a uma produção de baixo impacto ambiental e de práticas em
favor da vida, tem suas ações voltadas para a saúde e o bem estar dos ecossistemas em relação
com a garantia da biodiversidade, com a preservação das florestas e práticas de cuidados em
um processo de produção mais limpa que se ocupa com o todo o ciclo de vida em medidas
antecipatórias e preventivas.
A prática do agronegócio é um exemplo de perda de conexão do ser com a natureza. O
agronegócio é um exemplo de exploração do ecossistema, que com o seu processo produtivo causa
profundos impactos destrutivos em cadeia. Ele é caracterizado pelo monocultivo, desmatamento,
concentração de terras; degradação e contaminação do solo, da água e do ar; diminuição e perda
da biodiversidade dos ambientes naturais; uso de pesticidas, agrotóxicos e fertilizantes químicos;
contaminação dos mananciais, geração de resíduos; exploração da mão de obra, a exploração
da vida animal em condições de maus-tratos em prol de uma produção em maior escala, entre
outros. Esta prática no Brasil é feita por produtores rurais e latifundiários, e sua ação destrutiva é
regida por uma visão tecnocrata, dos recursos infinitos e na exploração destes em larga escala
com o uso da tecnologia para o crescimento acelerado da sociedade.
Uma produção de base agroecológica conforme a Política Nacional de Agroecologia
e Produção Orgânica – PNAPO (BRASIL, 2012) faz uso sustentável dos recursos naturais,
integrando a capacidade produtiva com a conservação da biodiversidade. Assim, a oferta e
consumo de alimentos saudáveis é oriunda de um sistema orgânico de produção considerando
equilíbrio ecológico, eficiência econômica e justiça social abrangendo práticas biodinâmicas,
regenerativas e de permacultura.
Ao falar de plantio orgânico, considera-se inevitável refletir sobre a qualidade
dos hábitos alimentares, por tratar de uma forma de cultivo que proporciona
Capítulo 3. Verão
69
benefícios para o corpo humano e que, também, é essencial para a mente uma
vez que diminui as tensões do cotidiano. A implantação de hortas facilita o con-
vívio social e promove um ambiente saudável pela transformação dos espaços
ociosos. As hortas urbanas e escolares atuam, ainda, como um instrumento peda-
gógico que facilita as atividades de educação ambiental e de ações terapêuticas.
(SUSTENTABILIDADE, 2019, p.6)
Com as experiências formativas em agricultura nos processos de compostagem, minho-
cários, hortas urbanas, passamos a nos relacionar mais, conhecendo e práticando caminhos
ecológicos de cuidado e com isso as fontes que fundamentam estas aprendizagem fomos aces-
sando.
O aprendizado se dá na relação de cuidados com o ambiente, as plantas, as trocas de
aprendizagem entre as pessoas e o interesse que se desperta de aquisição de novos conhecimentos
ao se lidar com questões que desafiam a compreensão de cada pessoa e do coletivo como um todo
aumentando a borda de aprendizagem. E assim que nesta caminhada de aprendizagens surgem
novos diálogos com a Agricultura Biodinâmica com Rudolf Steiner, a Agricultura Sintróica de
Ernst Götsch, e a Agroecologia e Agricultura Orgânica com Ana Primavesi.
Na agricultura biodinâmica, Steiner (2010) fala da importância da agricultura, como ela
está entrelaçada e torna viável a vida humana na Terra, na compreensão antroposófica da vida
humana como microcosmo do macrocosmo. Assim, na agricultura para liberar as forças vitais
existentes devem ser considerados e observados as influencias do sol, das fases da lua e dos
planeta em todas as suas relações de cuidados, as condições geológicas do solo, as condições
climáticas, em que estes e outros elementos influenciam tempos secos e chuvosos, do plantio a
colheita.
Gotsch (1995) com a sintropia desenvolve um trabalho de alfabetização ecológica em
uma compreensão que vai do simples ao complexo, no fortalecimento de uma cultura além das
explorações dominante em uma cultura da vida nos diz:
O nascimento de cada ser vivo, a sua força de crescer, de frutificar, de criar o
próximo a seguir, de completar o processo de amadurecimento, tendo no final
a morte, ou melhor dizendo, a transformação em outras formas de vida - tudo
isso faz parte do metabolismo do macroorganismo Mãe Terra. A sucessão de
gerações e a sucessão natural das espécies é o pulso da vida, o veículo em que a
vida atravessa o espaço e o tempo. (GOTSCH, 1995, p.6)
Em uma prática solidária voluntária a participação se dá neste lugar, com fluxos de
transições de pessoas entram e saem em seus próprios movimentos de vida e outras que per-
manecem desde o inicio. Ações de mutirões, rega manual e sistemas de irrigação , cuidado do
solo, compostagem, minhocário, organização de plantio, compra e doações em recebimento de
recursos materiais e financeiros para aquisição e manutenção, doação da colheita para instituições
sociais, rodas de conversa, treinamento, projetos de educação ambiental em trilhas educativas
Capítulo 3. Verão
70
estão entre algumas das ações desenvolvidas em coletividade em que a horta mantém sob o
cuidado de seus voluntários.
3.2 As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde
As PICS eram e ainda são praticadas profissionalmente no Brasil em iniciativas privadas,
em formações e atendimentos em clínicas e consultórios particulares e atendimentos domiciliares.
Atuando como empreendedores estes profissionais do cuidado, além do atendimento fazem
toda a gestão de sua própria atuação, em parcerias, comunicação e divulgação de suas ações,
agendamentos, ações solidárias e educativas.
Os profissionais que atuam em linhas de cuidados em práticas integrativas comple-
mentares ao sistema vigente são conhecidos como cuidadores bem como terapeutas corporais,
vibracionais, holísticos, naturais e integrativos, variando conforme a abordagem de atuação e de
um reconhecimento que lhes são próprio e apropriados. Estas pessoas que atuam nestas práticas
de saúde também já foram e ainda se ouve serem chamadas também de misticos, curandeiras,
xamãs, pajés, feiticeiros.
Em suas trajetórias individuais enquanto profissionais de saúde organizadores de linhas
de cuidado ao adentrar no universo das PICS no Brasil sustentaram este caminhar das práticas
como atuação profissional em uma certa clandestinidade e o que existia nas unidades de saúde
públicas eram ações informais (LEAL; FRANCO; GALEFFI, 2018).
Com a expansão da atuação destes profissionais do cuidado no Brasil, de diversas
categorias profissionais, passaram a se organizar em conselhos, associações e federações com
uma vinculação terapêutica. Também se observa um movimento de pesquisa que fez nascer
algumas destas práticas, como nos caminhos que tiveram o nascimento da homeopatia, as danças
circulares sagradas, entre outras práticas no mundo. Com a visibilidade de resultados curativos
bem com as ações de manutenção da saúde humana, amplia-se o interesse de profissionais de
diversas áreas, em pesquisa com as universidades numa aproximação, relacionamento e atuação.
Essa ampliação nos últimos trinta anos das PICS, tem marco com a realização da 8a
Conferência Nacional de Saúde em 1986, a contribuição com seu relatório final servindo como
base para elaboração do artigo 196, Da Saúde, da Constituição Federal. E com a promulgação da
Constituição de 88, a saúde ganhou novos rumos com a criação do Sistema Único de Saúde -
SUS.
Em 2003, com a 12a Conferência Nacional de Saúde, um grupo de trabalho no Ministério
da Saúde é constituído com o objetivo de elaborar a Política Nacional de Medicina Natural e
Práticas Complementares – PMNPC – que é hoje a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares – PNPIC no SUS aprovada pela portaria no971 de 2006. Com a instituição desta
política, cinco práticas — homeopatia, medicina tradicional Chinesa, medicina antroposófica,
Capítulo 3. Verão
71
plantas medicinais e fitoterapia, e termalismo social/crenoterapia — foram incorporadas ao SUS.
Essa abertura das PICS no Brasil também acontece em consonância aos conceitos de aco-
lhimento, autonomia, clínica ampliada, igualdade, integralidade, protagonismo, universalidade e
vínculo da Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2006), tendo em mira o cuidado como
uma ação cidadã de perceber a outra pessoa como ela é, em suas particularidades e necessidades,
na singularidade de cada pessoa de se lidar com as questões que surgem em seus caminhos
(GUIA. . . , ).
Nessa compreensão de cuidado, o cuidar do outro “é dar-se ao desabrochar do seu ser
consciente/inconsciente de si em comum-responsabilidade”GALEFFI (2017, p.82). Assim, a
relação do cuidador com a pessoa em cuidados passa a ser vista não como uma atitude passiva,
dependente e assistencialista que espera a solução advinda do outro, do profissional e que se
exime do compromisso com a autoresponsabilidade do seu itinerário terapêutico.
Na inspiração das PICS, a possibilidade de um caminhar em comum-responsabilidade,
pressupõe a abertura ao aprender o cuidado nos modos de ser e viver do cotidiano humano
em harmonia, que conduza a uma cultura de contínuo autocuidado. O autocuidado, conforme
Guia. . . (, p.7), "não se refere somente àquilo que a pessoa a ser cuidada pode fazer por si,
também inclui aos cuidados que o cuidador deve ter consigo com a finalidade de preservar a sua
saúde e melhorar a qualidade de vida". E nesta preservação da saúde do cuidador também aborda
do cuidado de si e do outro , em que:
"Autocuidado significa cuidar de si próprio, são as atitudes, os comportamentos
que a pessoa tem em seu próprio benefício, com a finalidade de promover a
saúde, preservar, assegurar e manter a vida. Nesse sentido, o cuidar do ou-
tro representa a essência da cidadania, do desprendimento, da doação e do
amor. Já o autocuidado ou cuidar de si representa a essência da existência
humana."(GUIA. . . , , p.7).
A partir destas três perspectivas do cuidado, trazidas nestas perspectivas cidadã e existen-
cial, o cuidar do outro, de si mesmo e do cuidador, nessas linhas de cuidados é possivel dialogar
com as dimensões inerentes a estas relações conforme proposto na Tabela 1 a seguir.
Reconhecer o acontecimento em complementariedade destas perspectivas em suas coe-
xistência é um caminhar possível de integralidade com este movimento de inclusidade de saberes
e práticas que constituem as vias de cuidados. E nos passos desta expansão das PICS nos Brasil,
em 2017, com a portaria no849 há ampliação de quatorze práticas na PNPIC com a inclusão de:
Arteterapia, Ayurveda, Yoga, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia,
Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala e Terapia Comunitária Integrativa. Em
2018 houve a inclusão de dez novas práticas perfazendo um total de 29 práticas ofertadas pelo
SUS, que são a Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação familiar, Cromoterapia,
Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos, Ozonioterapia, Terapia de Florais.
Capítulo 3. Verão
72
Tabela 1 – Dimensões e perspectivas do Cuidado.
Fonte: elaborado pela autora, 2018.
Dimensão/ Biomédica
Perspectivas
Cuidar de Sob as orientações de
si, (autocui- tratamentos dos
dado)
profissionais de saúde
Cuidar do ou- em práticas formais
tro
do exercício da
Cuidar do cui-
biomedicina.
dador
Popular
Práticas de saúde
realizadas em espaços
não-convencionais,
como nos cuidados
caseiros feito por
familiares no cotidiano.
Místico/ Religioso/ Es-
piritual
A dimensão integral
dos corpos como fon-
tes de saúde e bem
estar, tendo campo de
atuação as energia,
emoções, os pensamen-
tos e centros de forças.
As PICS podem ser ofertadas em diversos serviços no SUS, em todos os âmbitos e
transversal a toda a Rede de Atenção à Saúde – RAS, sendo prioritária, de acordo com a PNPIC,
na Atenção Básica. Destacam-se “as equipes de Atenção Básica, entre elas a Estratégia de Saúde
da Família - ESF, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - Nasf, as Equipes de Consultório na
Rua, de Saúde Prisional, as Equipes de Saúde Ribeirinhas e Fluviais, podem realizar ações em
PICS” (BRASIL, 2018, p.9).
A constituição, em alguns estados do Brasil, da Política Estadual de Práticas Integrativas
e Complementares em Saúde - PEPICS com elaboração das políticas municipais, mesmo não
sendo de caráter obrigatório contribui na gestão, ampliação e consolidação das PICS no SUS. Já
estão consolidadas nos estados do DF, RN, RS, ES, MG e há outros estados estão em processo
de elaboração (DAB, 2018).
A PEPICS Bahia teve a sua publicação em nove de dezembro de dois mil e dezenove,
por meio de Resolução CIB-BA no 113/2019, e traz uma perspectiva orientativa quanto as PICS
e a sua proposta de consolidação. Nesta política as práticas foram categorizadas em Sistemas Mé-
dicos Complexos, Práticas Corporais e Vivências Integrativas, Práticas Energéticas/Vibracionais
e Meditativas/Contemplativas, Terapias baseadas em produtos naturais/Plantas Medicinais e
Práticas Tradicionais e Populares (BAHIA, 2019).
Algumas destas práticas que chamamos de PICS no Brasil em seus países de origem
elas são as medicinas praticadas; a exemplo, na China a medicina chinesa, na Índia a medicina
indiana ayurvédica. Essas medicinas são sistemas médicos complexos também denominados
aqui no Brasil como racionalidades médicas.
3.2.1 Os Sistemas Médicos Complexos
Eu conheci as racionalidades médicas com a Profa. Dra. Anamelia Lins e Silva Franco,
psicóloga, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e doutora em Saúde Pública, coordenadora
Capítulo 3. Verão
73
e professora do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde do Instituto de Humanidades, Artes
e Ciências, Professor Milton Santos da UFBA. Em uma apresentação sua no I Congresso
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde - CONGREPICS e o III Encontro
Nordestino de PICS realizados em Natal/RN no período de 12 até 14 de outubro de 2017.
Depois pude aprender mais como aluna ouvinte no componente HACA50 Racionalidades
em saúde: sistemas médicos e práticas alternativas do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde
com a Profa.Dra. Anamelia Lins e Silva Franco; bem como nas suas contribuições na qualificação
e defesa do doutorado, como a do trabalho desenvolvido por Madel Luz.
Assim passamos a nos relacionar neste trabalho com a pesquisa e as escritas da filosofa
Profa. Dra.Madel Therezinha Luz, mestra em Sociologia, doutora em Ciência Política, professora
titular aposentada das universidades do Estado e Federal do Rio de Janeiro; colaboradora do
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva no Instituto de Saúde da Universidade Federal
Fluminense e líder do Grupo CNPq Racionalidades em Saúde: Sistemas Médicos complexos e
Práticas Complementares e integrativas.
As racionalidades médicas, um conceito desenvolvido por Madel Luz, é inspirado em
Max Weber e se constrói como um tipo ideal a posteriori, de todo sistema médico complexo fun-
damentado em uma cosmologia, a partir da empiria e do racional, em um modelo tendencial em
contextos sócio-histórico específicos com cinco dimensões fundamentais (morfologia, dinâmica
vital, doutrina médica, sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica) no reestabeleci-
mento da saúde do ser humano (LUZ, 2011). As práticas terapêuticas não-convencionais que
não cabe em uma racionalidade devem ser chamadas de recursos terapêuticos.
Assim, dos sistemas médicos complexos que possuem sua própria racionalidade po-
demos citar como exemplo as medicinas orientais tradicionais chinesa e indiana ayurvédica,
a homeopatia, a antroposofia, as medicinas tradicionais indígena e africana. Das 29 práticas
incorporadas no SUS, nota-se a presença de cinco racionalidades médicas e dos vinte quatro
recursos terapêuticos derivados dos sistemas complexos.
Nas medicinas da homeopatia, as medicinas orientais tradicionais chinesa e ayurvédica,
Luz (2011, p.158) observou como traços comuns na “descoberta de um paradigma transcultural
que poderíamos denominar bioenergético, ou vitalista”. Assim, o vitalismo se caracteriza pelo
restabelecimento e expansão da saúde na arte de curar, sendo esta arte uma questão milenar
central do saber médico (LUZ, 2011). Estas três racionalidades possuem uma abordagem centrada
na pessoa, no cuidado do sujeito adoecido, assim “tem como objeto o sujeito desequilibrado
(”doente”) e por objetivo o restabelecimento de sua saúde, ou mesmo sua ampliação “ (LUZ,
2011, p.159). Estas e outras medicinas da arte de curar ficaram conhecidas no Brasil como
medicina alternativa, holística, tradicional e mais recente referidas como PICS.
Luz (2005) salienta os aspectos deste novo paradigma médico como a terapêutica e sua
predominância sobre a diagnose, na necessidade dos sujeitos adoecidos serem tratados e não
Capítulo 3. Verão
74
apenas diagnosticados. ELa também ressalta que a relação médico e paciente possui elementos
simbólicos e significados subjetivos que contribuem na evolução tratamento; de uma medicina
que respeite o cidadão e que estimule a sua autonomia e ativa presença em sua relação com o
cuidado (LUZ, 2005).
As racionalidades escolhidas para serem mais abordadas nesta tese são as que fui de-
senvolvendo maiores aproximações nas experiências vividas em minha trajetória de cuidados e
aprendizagens com os recursos terapêuticos, destacando a relação que elas possuem na integração
do ser com a natureza. Elas são as medicinas tradicionais ayurvédica, chinesa, indígena xamânica
ou não-xamânica, e a antroposofia. Ressalta-se também a existência de outros sistemas bem
como de outras práticas terapêuticas destes sistemas e além destes. E trago nos diálogos com
elas a relação com as estações do ano, as visões de saúde-doença-cuidado e algumas de suas
práticas terapêuticas.
Fortalecendo nossa jornada com este olhar com as estações no caminhar com estes
sistemas complexos, converge com este pensamento de Foucault (2017, p.130) e nos diz que “Os
diferentes momentos do tempo – dias, estações e idades – são também na mesma perspectiva,
portadores de valores médicos variados ”. Foucault (2017, p.128) também considera que a
medicina não se reduzia a práticas intervencionista e medicamentosa, cabendo a esta “definir
uma maneira de viver, um modo de relação refletida consigo, com o próprio corpo, com o
alimento, com a vigília e com o sono, com as diferentes atividades e com o meio.".
3.2.1.1 Medicina Ocidental Contemporânea
Na cultura ocidental, e especificando aqui também o Brasil, esta é a racionalidade médica
hegemônica também conhecida como biomedicina. Esta, entretanto, não é a única praticada
no ocidente, a exemplo na América Latina destacam-se três grupos de medicinas, alternativas
ao paradigma médico dominante, que são as medicinas tradicionais indígena xamânica ou não-
xamânica, as medicinas de origem afro-americana e as medicinas alternativas ou complementares
à biomedicina derivadas de sistemas médicos altamente complexos (LUZ, 2005).
Ela atua no paradigma “bio-mecânico” em uma cosmologia baseada no "imaginário
mecânico da física clássica, e uma doutrina implícita que vê a doença como entidade concreta,
que se expressa por sinais e sintomas objetiváveis"(TESSER; LUZ, 2008, p.200). Assim, ela
“tem por objeto a doença (através da identificação de patologias) e por objetivo o combate e a
eliminação das doenças” (LUZ, 2011, p.159).
A doença e o conhecimento sobre ela é o eixo estruturante da abordagem deste paradigma.
A teorização das doenças em torno de especialidades e a centralidade no diagnóstico de doenças e
patologias, revelam como o saber terapêutico neste sistema "ficou centrado no combate e controle
das doenças, desviando-se do paciente e sua vida, tornando-se progressivamente padronizado,
num processo de apagamento e desindividualização da ação biomédica em relação aos sujeitos
reais."(TESSER; LUZ, 2008, p.200). O relacionamento com a pessoa adoecida se transforma
Capítulo 3. Verão
75
de um olhar evolutivo individualizado para uma ação homogeinizada técnica especializada que
reduz assim o seu coeficiente de integralidade (TESSER; LUZ, 2008).
A integralidade é principio normativo do SUS, de saúde individual e coletiva que "consti-
tui um grave problema para a biomedicina, cujo saber esquartejou o doente e centrou sua ação nas
“doenças biomédicas”."(TESSER; LUZ, 2008, p.195). Na abordagem integral é que se situam as
chamadas práticas integrativas cujos sistemas são centrados na pessoa em sua singularidade e
suas relações na construção de seu intinerário terapêutico com a saúde-doença-cuidado.
No entanto, esse esquartejamento e desindividualização da medicina, também conhecida
como moderna e alopática, se sustenta na visão de mundo materialista catersiana da ciência
convencial, no paradigma clássico, duro, tecniscista, que põe um véu que esconde o por que
deste saberes médicos serem deixados do lado de fora da prática médica. Jr (2005) fala destas
inconsitências e desconhecimentos são delineados por esta prática com o intuito de produzir
discursos de caráter generealizantes que sejam postos como universais.
Há de se refletir também que "O conhecimento fundamentador das práticas da biome-
dicina foi submetido a investigações científicas orientadas por estudos de base cartesiana, mas
esses não respondem por todas as ações."(LEAL; FRANCO; GALEFFI, 2018). Assim, destes
discursos universais oriundos de estruturas que buscaram domínios de mercado fomentaram
este "Modelo de saúde que compreende o uso de sistema biomédico com incorporação de alta
tecnologia, íntima relação com a indústria farmacêutica e medicalização da sociedade."(BRASIL,
2018, p.75). Madel situa esse marco de:
"influência da grande indústria químico-farmacêutica na produção-reprodução
(ensino-pesquisa) do saber médico e a influência da indústria de equipamen-
tos médico-hospitalares e laboratoriais no saber e na prática médica em todo
o mundo ocidental a partir da segunda guerra, e no Brasil desde o período
desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek."(LUZ, 2013)
Dos enquadramentos que encaixotam o ser humano na diagnose de alguma doença
classificada em algum Código Internacional de Doenças - CID, em uma visão de totalidade do
ser humano que se restringe apenas a dimensão biológica, e em procedimentos que atuam com as
técnicas medicamentosas, cirurgicas, físicas e dietéticas, são alguns dos aspectos que configuram
a atuação profissional neste sistema (JR, 2005).
3.2.1.2 Medicina Tradicional Ayurveda
A Ayurveda, a sabedoria da vida, é uma palavra que vem do sânscrito antigo cujos termos
Ayus significa vida e Veda vem de conhecimento verdadeiro, com a finalidade do ser vivo em sua
constituinte combinação da mente, alma e corpo na manutenção do equilíbrio dos dhãtus , que
são os elementos teciduais, os doshas e malas (AGNIVESA, 1972).
O pensamento filosófico indiano esta organizado na compreensão, darsana, daqueles
que acreditam nos Vedas e dos que não acreditam (DASH, 1978). As escritura dos Vedas se
Capítulo 3. Verão
76
divide em quatro livros que são Rig Veda, Yajurveda, Samaveda e Atharvaveda. Eles possuem
ensinamentos de cura e cuidados que se dão pela mudança de hábitos, de alteração da energia
com cânticos de palavras sagradas que promovem a mudança de estado, entre muitas outras
práticas de seus recursos terapeuticos. Há três grandes tratados do Ayurveda, denominados de
Brihat Trayi, o grande trio, que os estudantes desta medicina na India estudam estes textos, que
são o Charaka Samhita por Agnivesa, o Sushruta Samhita de Sushruta e o Ashtanga Hridaya de
Vagbhata.
A abordagem do Ayurveda da origem do universo e do ser humano feita aqui pela escola
filosófica Sankhya Darsana, que considera o conceito de Avyakta, significa Não Manifestado,
incluindo "tanto o Purusa (elemento consciente) como o Prakrti (matéria primordial)"na origem
do universo (DASH, 1978, p.44). A partir de Avyakta surge:
"o Mahan (Intelecto) e o Ahankara (Ego). O Ego possui três aspectos diferentes,
sattvika, rajasika e tamasika. Sattvi é o aspecto puro, rajas representa o dina-
mismo e tamas é a energia potencial. Os tipos sattvika e rajasika de Ahankara
combinam-se para juntos produzirem os onze indriyas. Os tipos tamasika e
rajasika de Ahankara combinam-se para produzir cinco tanmatras. Destes tan-
matras, originam-se os cinco mahabhutas. A partir dos cinco mahabhutas tudo
o que é matéria no planeta – tanto animado como inanimado – é criado"(DASH,
1978, p.45-46).
É importante ressaltar que os cinco mahabhutas que são os cinco elementos da natureza,
do éter (akasha), ar (vayu), fogo (tejas), água (jala), terra (prthivi) (DASH, 1978); eles são
"constitutivos de tudo que existe no universo, inclusive o ser humano, entendido como uma
pequena representação do macrocosmo."(BAHIA, 2019).
E dos aspectos referidos do Ego, na classificação das faculdades mentais de sattva, rajas
e tamas, o tipo sattviko é uma mente concentrada livre de impureza e defeitos, que no movimento
para dentro e para o alto em elevação conduz o ser a atos virtuosos como autocontrole, pureza,
amor, devoção, calma e tranquilidade (DASH, 1978).
Para dialogarmos com os atributos da mente, seguimos em comunhão com o texto da
obra do Bhagavad Gita, pertencente obra épica clássica da India, o Mahâbhârata. A humanidade
no seu caminhar para autorrealização busca inspiração para se lidar em suas travessias com os
desafios de seus condicionamentos. A história de vida de seres que conseguiram vivenciar um
caminho de libertação de seus sentidos e fluir em um caminho virtuoso é fonte de inspiração em
sattva dos caminhantes dos aspirantes desta trilha. Krsna é uma referência de Ser transcendental,
uma alma autorrealizada, que é considerado a grande autoridade do dharma, transcendental a
todas a regras dos mundos material, astral e espiritual, mesmo não havendo dever para esta
alma realizada ele ainda assim ele se ocupa de mente e coração ao serviço devocional amoroso
(SWAMI, 2018).
A mente rajasika age em dinamismo e agitação voltada para fora apegado ao poder e
aos bens materias bem como a mente tamasika tende a estagnação, a inércia, em movimento
Capítulo 3. Verão
77
descendente a ignorância e ilusão em que "O domínio dos tamas no citta (mente) impede
o despertar da consciência."(DASH, 1978). No Bhagavad Gita, esta literatura espiritual da
humanidade, no relato da batalha de kurukshetra, os diálogos de Krishna e Arjuna, o arqueiro
que mergulhado em conflitos de seu propósito, são a sabedoria desta ciência da alma.
Em contato com a natureza material o ser age sem hesitar a sua própria vontade. Ao
entrar no modo de paixão, o divino amor eterno se transforma em luxúria. Swami (2018) aborda
a dificuldade do Ser corporificado, no esquecimento de sua natureza espiritual eterna, viciando-se
na satisfação dos sentidos estando nesta condição ilusória confunde o prazer do gozo dos sentidos
com a verdadeira felicidade. A ira é a manifestação do modo da ignorância e a luxúria é uma
condição ilusória que destrói o conhecimento do Eu. No firme propósito de libertação desta
condição ilusória, a prática deste sistema atua na educação dos sentidos, no conhecimento do
mundo superior e desenvolvimento de uma inteligência superior.
Essa medicina é uma tradição dos antigos sábios hindus cuja origem há referências
que relatam mais de cinco mil anos. De acordo com Agnivesa (1972, p.21), esta ciência é
compreendida de três princípios que são etiologia, com as causas da doença; sintomatologia,
com os sinais e sintomas do estado de saúde e da doença; e a terapêutica, com o seus sistema
quádruplo do médico, medicamento, assistente e dos pacientes que sofrem de doenças sérias e
leves.
Na visão da ayurveda de saúde-doença-cuidado, a:
“Saúde”, de acordo com o Ayurveda não é simplesmente estar livre das doenças.
Uma pessoa é considerada saudável apenas quando sua mente, seus órgãos sen-
soriais e sua alma estão em um estado de perfeito equilíbrio para proporcionar a
felicidade. Somando-se a isto, o corpo deve estar livre das doenças. O Ayurveda
enfatiza a preservação e a promoção da saúde Positiva em adição à prevenção e
cura das doenças. (DASH, 1992, p.14)
Assim Agnivesa (1972) afirma que a saúde é um estado de equilíbrio dos dhãtus – que
é prakrti – e felicidade; e a doença, que podem ser curáveis e incuráveis, é o resultado do
desequilíbrio dos dhãtus e a dor. A doença é também conhecida, de acordo Vagbhata (2002)
pelos seguintes termos sinônimos roga, pãpmã, jvara, vyãdhi, vikãra, duhkha, ãmaya, yaksmã,
ãtañka, gada e ãbhãdã sendo cada um são aspectos da doença. Asim:
“A doença é denominada roga, porque ela dá origem à dor; é pãpmã, porque tem
origem em ações não virtuosas; é jvara, porque causa tormento; é vyãdhi, por
que está presente em diferentes tipos de anormalidades; é duhkha, pois causa
vários tipos de infelicidade; é ãmaya, porque é causada por ãma (metabólitos
não digeridos e inadequadamente processados); é yaksmã, pois consiste de
uma combinação de doenças (complexidade de sintomas, síndrome); é ãtañka,
pois torna a vida miserável; é gada, porque é produzida de múltiplas causas;
e ãbhãdã pois produz constante desconforto (para o corpo, a mente e para
os órgãos do sentido). Além disso, o termo dosha também é utilizado como
sinônimo indicativo de doença.” (VAGBHATA, 2002, p.20-21).
Capítulo 3. Verão
78
Tabela 2 – Descrição das características dos tridoshas.
Fonte: Baseado em Vagbhata (2002)
CARACTE-
RÍSTICAS /
DOSHAS
Mahabhutas
Função res-
ponsável
Estrutura fí-
sica
VATA
Éter e ar
Direcionar a energia em
movimento Regula todo
o movimento mente
corpo..
Magro, esguio, alto ou
baixo, veias e ossos apa-
rentes
PITTA
Fogo e água
Gerar energia. Regula a
fome e a sede. Digere
ideias, impressões
Constituição média do
peso e altura, fácil aqui-
sição de músculos
KAPHA
Água e terra
Regular a energia. Res-
ponsável pelo acumulo
de gorduras e líquidos
no corpo.
Robusto, encorpado,
largo, tende a obesi-
dade, estatura bem
desenvolvida
Pele
Cabelo
Seca, áspera, rachada
Escasso, frágil, seco,
quebradiço
Pele mista, quente com
sardas e/ou verrugas, co-
rada, propensa a irrita-
ção
Macio, oleoso, Fino,
branco precocemente
Mais oleosa, macia e su-
ave, úmida e fria
Forte, oleoso, grosso,
volumoso
Apetite e di- Apetite e digestão variá- Apetite forte e excelente Apetite regular e a di-
gestão
vel.
digestão e metaboliza- gestão é lenta, difícil
ção, com tendencia a metabolização.
azia.
Eliminação Tendencia a prisão de Regular, o intestino Intestino moderado. Eli-
ventre. Fezes seca e solto as vezes com minadas regularmente .
dura, sem regularidade. diarreia.
Volumosas.
Comporta- Sono leve e irregular Pouco e profundo sono, Muito sono e profundo.
mento
com tendência a insônia, com facilidade para dor- Caminham lento Cal-
caminham depressa, fa- mir e acordar. Cami- mos, carinhosos. Dis-
lam em demasiado. Ale- nham estável. Determi- postos ajudar..
gre, animados, adaptam nados, agressivos, orga-
bem a mudança.
nizados.
Mente
Ativa, inquieta, curi- Perspicazes, inteligen- Receptiva. Pensamento
osa; a memoria fraca, tes. Aprende rápido e lento. Excelente memó-
aprende e esquece rá- demora para esquecer. ria, aprende devagar e
pido; o pensamento di-
não esquece.
vagam.
Em desequi- Preocupação e insegu- Frustração, irritadiço, Flacidez, fadiga, sequi-
líbrio
rança.
raiva e impaciên- dão, obeso, lento, ape-
cia., temperatura e tite desregulado, produ-
transpiração irregular ção de mucosa. Depres-
são, isolamento
Capítulo 3. Verão
79
Os doshas, para Vagbhata (2002, p.31) estão mais relacionado com o corpo e “possuem
pramãna (quantidade), guna (qualidade) e karma (funções) próprias e definidas”. O corpo humano
é constituído dos cinco pancha mahabhutas e podem ser percebidos com os tridoshas, os trigunas,
entre outros. Os doshas são três energias universais que regulam os processos na natureza a nível
macroscópio e microscópio, conhecido como tridoshas, os três doshas que são vãta, pitta e kapha.
Possuem relações com os elementos da natureza – os pancha mahabhutas – e as estações, onde o
dosha Kapha é constituído pelos elementos água e terra, tem-se a primavera e início do verão;o
Pitta, os elementos fogo e água, no verão e início do outono; e o Vata, elementos espaço e ar,
final do outono e inverno.
No ciclo de vata-pitta-kapha com base nos cinco elementos da natureza se observa esta
constituição no ser humano. Também em relação as estações do ano há três importantes marcos
no decurso da vida humana: infância, idade adulta e velhice. A infância é o tempo de kapha, o
nascimento aos dezesseis anos; o tempo de pitta vai dos vinte aos sessenta anos, indivíduo está
ativo e cheio de vitalidade. E o tempo de vata é a velhice, após os sessenta anos (VAGBHATA,
2002, p.20-21).
Esses tridoshas tendem ao desequilíbrio, e são considerados doshas do corpo (Kãya) e
os doshas rajas e tamas são considerados doshas da mente (manas), sendo que sattva, rajas e
tamas, são os três mahagunas – as qualidades primárias da criação das substância do mundo
(AGNIVESA, 1972) (VAGBHATA, 2002). Vata, pitta, kapha, rajas e tamas são considerados
fatores patogênicos, sattva não é patogênico, ele é a mente e o espírito (AGNIVESA, 1972).
Assim, na relação de harmonia com os mahãbhu˜tas nos cuidados do ser em equilíbrio
com os aspectos das faculdades mentais, na prevenção as tendências com os desequíbrios e na
cura de doenças é que se dá a atuação terapêutica desta medicina. Nesta visada, "O ayurveda
considera saudável aquele indivíduo que tem os doshas (humores) em equilíbrio, os dhatus
(tecidos) com nutrição adequada, os malas (excreções) eliminados adequadamente, e apresenta
uma alegria e satisfação na mente e no espírito."(BRASIL, 2018).
Na arte terapêutica desta racionalidade médica podem ser utilizados em uma rotina de
cuidados com Jyotisha ou astrologia védica; nutrição em uma dietética alimentar; práticas de
eliminação e purificação como o Panchakarma; da fitoterapia e a fitoenergética; sistemas de
cirurgias; diveros tipos de massagem e oleação; cuidados do corpo-mente com Yoga, entre outros.
Dos recursos teraputicos da ciência ayurvédica, trazemos aqui nesta abertura dialógica
as práticas que experienciamos de seus recursos terapeuticos com Yoga e com as massagens da
Yoga Massagem Ayurvédica - YMA e a Shantala.
Yoga significa união e em seu caminho aprendemos a caminhar na união das polaridades,
a viver encontrando em nossos corpos essa sabedoria em movimentos de contração e relaxamento
em sincronia com os ritmos respiratórios em que cada ser humano vivencia, com as suas
possibilidades, histórias e memórias incorporadas, fortalecendo o centramento do ser com um
interior robustecido. A prática de Yoga de acordo com os oitos pilares dos Yogasutras de Pantajali
Capítulo 3. Verão
80
são:
Normas de convivência [yama], normas de auto-aperfeiçoamento [niyama], pos-
turas de assentamento [ásanas], práticas de controle das forças sutis [práñáyama],
recolhimento [pratyáhára], concentração [dharaña], meditação [dhyána] e supe-
ração de si mesmo [Samádhi] são as oito partes [axgas] do Yoga (BARBOSA;
PATANJALI, 1999, p.61)
Desses oito pilares é importante salientar que Yoga vai além das posturas em que assim ficou
conhecido, e que derivam destes diversos tipos de Yoga, como os de purificação, devoção,
meditação, entre outros.
Assim como há muito tipos de Yoga também há muitos tipos de massagem ayurvédica, a
Gharbini Abhyanga é a mais comum. Conhecemos esta prática bem como a da Yoga Massagem
Ayurvédica – YMA de Kussum Modak, uma mulher indiana que durante anos vivenciou práticas
de yoga com o mestre Yengar e de massagem com Lymaye e encontrou o seu próprio caminho
na combinação deste com a proposta da YMA. Uma massagem profunda que utiliza mãos, pés,
braços na realização das trações, bem como alongamentos de yoga durante a massagem.
A massagem indiana feita em crianças foi difundida no Ocidente médico francês Fré-
dérick Leboyer, também reconhecido pelo trabalho do nascimento sem violência, o chamado
parto Leboyer, em de suas visitas a India, em Pilkhana em Calcutá conheceu a hindu Shantala
que se encontrava no chão a massagear um de seus filhos e em homenagem a ela denominou a
massagem de Shantala (LEBOYER, 1976).
3.2.1.3 Medicina Tradicional Chinesa
Na natureza, os fenômenos acontecem de forma integrada com as leis e movimentos da
natureza, e a consciência que o ser humano é integrado a natureza traz maior dimensão das inter-
relações existentes. Pela observação da natureza, a compreensão de ciclo surge como qualidade
básica que tem seus movimentos e estações, sendo que “a vida é um fluxo constituído de ciclos
assim como as estações do ano. Ciclo é outro conceito básico que os taoistas desenvolveram
contemplando a Natureza” (OTSU, 2006, p.25).
A medicina é a do ser com a natureza, do ser integrado na natureza, do seu sistema
dialogando com os elementos da natureza. Essa sabedoria é trazida na base da Medicina Chinesa.
Há três vertentes nas quais a Medicina Chinesa é expressada, que são as medicinas clás-
sica, tradicional e contemporânea (FERREIRA; LUZ, 2007). Conforme as autoras, a Medicina
Clássica Chinesa abrange o período de formação da medicina chinesa durante a dinastia Han
e contém as obras clássicas deste sistema; a Medicina Tradicional Chinesa – MTC integra a
medicina clássica e expande em novas formulações cuja teoria e prática são disseminadas no
Oriente e Ocidente; e a Medicina Chinesa Contemporânea que se distancia mais de suas origens
históricas buscando uma legitimação na ciência ocidental e surge na sistematização da medicina
proposta por Mao Tsé-tung (FERREIRA; LUZ, 2007).
Capítulo 3. Verão
81
Nesta entendimento, seguimos aqui na vertente da Medicina Tradicional Chinesa –
MTC ou Medicina Taoista, na influência e constituição do ciclo dos cinco elementos, também
conhecidos na teoria dos cinco movimentos -WuYun - onde os elementos são considerados como
fases da energia ying-yang e “por meio das estações do ano: fogo equivale à fase da energia
no verão; terra à do verão prolongado; metal à do outono; água à do inverno e madeira à da
primavera” (BRASIL, 2018, p.119).
E quando trazemos o conceito de yin e yang é preciso aqui trazer na relação com a sua
simbolização com o tai ji para melhor expressar com a visulizade do seu movimento dinâmico
que Botelho e Lee (2017) chama de dança das polaridades em que:
Os chineses consideram o céu e a terra como pais ancestrais o mundo feno-
mênico. Portanto, tudo o que tem forma possui o seu lado materno, que é a
natureza terrestre, e o seu lado paterno, a natureza celeste. O yin e yang são dois
símbolos utilizados para representar e explicar essa visão dialética na qual tudo
o que tem forma e é percebido pela consciência e pelos sentidos submete-se às
leis que regem a interação do yin e yang. Em todas as coisas no universo, o yin
abraça o yang e o yang carrega o yin. (BOTELHO; LEE, 2017, p.126)
A partir destes símbolos podemos prosseguir no diálogo com as estações. E na primavera
a vida recomeça, a energia yang se manifesta gerando energia e tudo volta a pulsar no início de
um novo ciclo (OTSU, 2006). Regido pelo elemento madeira, na energia do fígado e na relação
com a raiva e a mágoa (BRASIL, 2018).
O verão é considerado o auge da vida que entra em ebulição, tem maior predominância
da energia yang, na distribuição de energia, as árvores ficam mais frondosas, momentos de
plenitude e abundância da natureza (OTSU, 2006). Esta estação é regida pela energia do coração
e pelo elemento fogo, que está relacionada com a alegria e a ansiedade (BRASIL, 2018).
O estio é considerado um prolongamento do verão, do seu final também conhecido como
canícula pelos chineses; um interlúdio do fogo para terra (BRASIL, 2018). Equilíbrio e plenitude
na estabilização da energia yin e yang, uma pausa respiratória do verão ao outono, revelando o
seu próprio movimento pausa.
O outono é um momento que a natureza se transforma, as folhas cobrem o chão como
um tapete; é preciso contrair, voltar-se para dentro e poupar energia, a energia yang decresce
e yin se manifesta (OTSU, 2006). Tempo de amadurecimento, transição e renovação; deixar ir
comportamentos repetitivos e das folhas que precisam abrir mão para seguir em frente. Regido
pela energia do pulmão, relacionada com a depressão, tristeza e angústia (BRASIL, 2018).
O inverno é um momento de recolhimento da energia, repouso das pessoas em suas casas
em descanso, quietude e introspecção; de estagnação e paralisação da vida, em paisagem de
frio e silêncio (OTSU, 2006). Tem maior predominância da energia yin, elemento água; e, das
emoções que nas águas fluem relaciona com o medo e o pânico na energia do rim (BRASIL,
2018).
Capítulo 3. Verão
82
No filme de direção e roteiro do Kim Ki-Duk, da Coreia do Sul, com o título de Pri-
mavera, verão, outono, inverno e. . . primavera, retrata o ciclo de aprendizagens que trazem as
estações da vida. No processo de amadurecimento dos personagens, a roda da vida se renova e
consonância ao que o filme enfoca, as experiências no percurso de vida vai revelando seus ciclos
de aprendizagem.
Na abordagem terapeutica da MTC, a acupuntura é pratica reconhecida no uso de agulhas
em pontos que são canais de energia e pode ser utilizada com eletro estimulação ou não -
eletroacupuntura - e acompanhada de outras práticas como a moxabustão, a reflexologia e a
ventosaterapia na realização de seu atendimento. Também como recursos terapeuticos estão as
práticas de atividades corporais, energéticas, meditativas e integrativas do lian gong, qi gong,
tai-chi-chuan, meditação, massagem tui-ná, o uso de plantas medicinais e orientação alimentar
(BAHIA, 2019).
3.2.1.4 Medicina Indígena Xamânica ou Não-Xamânica
Essa medicina no Brasil constitui o nosso saber ancestral, um conhecimento passado
oralmente pelas gerações, e que de acordo Luz (2005) sobrevive a desafios históricos e culturais
da colonização à modernização onde:
“Em primeiro lugar, deve ser salientada a mais antiga e persistente, apesar de
todas as agressões culturais sofridas, que é a medicina de origem indígena,
xamânica ou não-xamânica, nativa dos países que sofreram a colonização
lusoespanhola. Tal medicina tradicional, também identificada como aborígine,
primitiva, natural, não-formal, ou simplesmente medicina indígena, é realmente
a expressão viva das culturas locais em muitos rincões do continente americano.”
(LUZ, 2005, p.154)
A redução da população indígena brasileira aconteceu desde o inicio dos processos
colononização no Brasil com apropriação de seus povos e suas terras, na aculturação das tribos
indígenas com a imposição de novas crenças e valores, e nos adoecimentos com o contato
e convivência com os seu colonizadores. E persiste até hoje com conflitos de sobreposição
de interesses socioeconômicos com questões atinentes a posse de terras e exploração de seus
recursos. Assim, no seu processos histórico de colonização esta população foi:
"dizimada pelas expedições punitivas às suas manifestações religiosas e aos seus
movimentos de resistência, mas, principalmente, pelas epidemias de doenças
infecciosas, cujo impacto era favorecido pelas mudanças no seu modo de vida
impostas pela colonização e cristianização (como escravidão, trabalho forçado,
maus tratos, confinamento e sedentarização compulsória em aldeamentos e
internatos). A perda da autoestima, a desestruturação social, econômica e dos
valores coletivos (muitas vezes da própria língua, cujo uso chegava a ser punido
com a morte) também tiveram um papel importante na diminuição da população
indígena. (BRASIL, 2002, p.7)
Capítulo 3. Verão
83
Uma medicina cuja cura é uma aprendizagem coletiva para o mundo praticar a inclusão,
o pertencimento, de uma memória viva que nos lembra de nosso exercício da cidadania, da
dignidade da pessoa humana, da garantia dos direitos de todos os povos e de honrar a nossa
ancestralidade. A resitência e o resistir é uma aprendizagem dos vividos em que é preciso ter
uma espaço de dentro muito fortalecido para se sustentar quando os desafios ameaçam a vida,
a perda dos territórios, a desconstrução de sua história, a perda de seus direitos. Estas e outras
questões constituem este sistema de cura em que:
“As medicinas tradicionais indígenas, fortemente enraizadas nas culturas locais
dos países sul-americanos, sobreviveram como puderam ao massacre cultural
do período histórico da colonização, e ao da modernização que lhe sobreveio
com o século XIX. Caracterizam-se como sistemas de cura nos quais integração
ou harmonia homem/natureza, e natureza/cultura é um sinônimo do que desig-
naríamos, em nossa cultura, de equilíbrio para os indivíduos, e uma garantia de
saúde para a comunidade. O adoecimento é gerado pela desarmonia entre esses
elementos fundamentais da vida, e restaurar a saúde, através da intervenção de
xamãs, ou brujos, ou outros agentes de cura, é restabelecer a harmonia entre
esses termos nos sujeitos, sempre vistos como um todo socioespiritual inserido
na natureza.” (LUZ, 2005, p.155)
A sobrevivência a este desarmônico e desequilibrado sistema sociocultural, esta deserção
cotidiana implica de resistência, possibilidade de escape do dispositivo se colocarmos linhas
de emancipação, e compreender o nosso comportamento de resistência para que uma ação de
invenção aconteça ou de tentar inventar o novo (GALEFFI; MARQUES; NETO, 2016). Assim,
no movimento de vida dos povos indígenas a busca de uma outra via, e conforme os autores, de
um outro caminho que se desdobra, em que você dobra de diversas maneiras, cabendo assimilar
isso como aceitação ou submissão, assumindo um processo de assujeitamento ou de emancipação,
bem como ter uma determinada resistência.
A resistência é uma marca na história indígena Xamânica ou Não-Xamânica. Uma
resistência que evidencia a compreensão de potência humana, que segundo (AGAMBEN, 2006,
p.16) “é definida essencialmente pela possibilidade do seu não-exercício, disponibilidade de uma
privação”, de uma presença privativa daquilo que não é ato, que não se vê, mas tem algo que por
vezes lhe falta este algo. O potente é aquele que pode ser e fazer bem como não ser e não fazer,
nesta possibilidade de coexistência. Toda potência também é impotência e a “grandeza de sua
potência é medida pelo abismo da sua impotência” (AGAMBEN, 2006, p.22). Resistir e ir além
da sobrevivência, é uma ação de resignificação e reinvenção que quando nos colocamos neste
processo de criação de nós mesmos vivemos novas possibilidades, existindo assim na dimensão
de potência.
Então é desta aprendizagem vivida de cura que precisamos evidenciar quando abordamos
a medicina indígena, do seu caminho de resitência, potência, de reconexão e harmonização com
a vida. Ailton Krenak é uma voz indígena brasileira, do território do povo Krenak na região do
Vale do Rio Doce; é um ativista de defesa dos direitos indígenas e do movimento socioambiental
Capítulo 3. Verão
84
contribuindo para a organização da Aliança dos Povos da Floresta e União das Nações Indígenas
- UNI (KRENAK, 2019).
Krenak (2019) questiona se somos mesmo humanidade, abordando a nossa disposição a
servidão voluntária e da alienação que vivemos com as agências e instituições internacionais
consolidadas das quais ele exemplifica – Banco Mundial, Unesco, OEA, ONU – determinando
o que é importante para o planeta com base no “mito da sustentabilidade, inventado pelas
corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza” (KRENAK, 2019, p.9).
Quando estive no Uruguai em outubro de dois mil e dezesseis, ao visitar uma exposição
do Xamanismo em um museu, me espantei com a história que se criou do Uruguai do se ver como
uma terra sem índios. Uma exposição com as vestimentas, vídeos, utensilios, dialogando com a
existência dos índios e do xamanismo no Uruguai, e do resgate destes povos ancestrais neste
país e de suas memórias no reconciliar com sua própria historia da dizimação dos seus povos
originários e o reconhecimento de sua descendência. A visão de cura neste sistema complexo
também é histórica, das disputas e conquistas territóriais que consituíram os países e a sociedade.
Na relação com o sagrado, os agentes de cura são conhecidos como curandeiros, xamãs,
pajés, feiticeiros, líder espiritual, eles atuam promovendo limpezas corporais e espirituais pelos
seus rituais de cura, tendo nas questões transcendentais mediadas pelas forças da Natureza e os
espíritos dos antepassados e a comunidade. Com o recurso terapêutico denominado de fitoterapia
no ocidente, "As ervas, os minerais e não raramente os animais de cada região fornecem as bases
terapêuticas desse sistema de cura, não exclusivamente operado por xamãs"(LUZ, 2005, p.155).
Assim, Luz (2005) também considera os erveiros, as benzedeiras, as parteiras, os farmacêuticos
populares.
A recuperação destes saberes das “medicinas populares ou folk do país (como as xamâ-
nicas ou as ligadas às religiões afro-indígenas) foi um evento histórico que atingiu não apenas
o Brasil, mas o conjunto dos países latino-americanos, principalmente durante a década de 80,
basicamente nos grandes centros urbanos.” (LUZ, 2005, p. 153). A notoriedade destas práticas
são evidenciadas no:
“grande desenvolvimento, nos centros urbanos, de farmácias e lojas de produ-
tos naturísticos tradicionais ou recentes; reaparecimento, em feiras populares
urbanas, do “erveiro” (vendedor de plantas medicinais) como agente de cura, e
aparecimento, no noticiário da grande imprensa escrita e televisiva, de reporta-
gens frequentes sobre os efeitos curativos de terapias ou práticas terapêuticas
não-convencionais, denotando aumento da procura das mesmas por um número
significativo de pessoas.” (LUZ, 2005).
Assim como a partilha de saberes populares, há de se destacar de nossa matriz da
medicina indígenas e afro-americanos, outros saberes de outras medicinas, dos povos que aqui
chegaram na constituição histórica do Brasil, também coabitaram geracionalmente entre as
famílias na manutenção de seus costumes e tradições.
Capítulo 3. Verão
85
A expressão viva deste sistema de cura está presente em nossas relações e aprendizagens
de cuidado que são heranças dos povos ancestrais tradicionais indígenas, incas, os maias. Assim,
em sua arte terapêutica as práticas de cuidados pelas ervas e raízes medicinais, o uso das
chamadas plantas de poder, exemplo de Wachuma e Ayahuasca;o cachimbo, o tabaco; o uso
de instrumentos musicais,os tambores e flautas xamânicos; os cantos e danças; a meditação
presentes em seus ritos, como a busca da visão e a revelação do animal de poder; as cerimônias
de limpezas e purificações, como a cabana da purificação e a sauna sagrada.
Destas chamadas medicinas, a Ayahuasca tornou-se fonte de atração de pessoas em seus
caminhos de cura e uma abertura ao relacionar com este sistema. A Ayahuasca é considerada
uma medicina da terra e da floresta, uma das vias de acesso a quem chega a se relacionar com
o Xamanismo. Trago aqui dois filmes, um norte americano e outro brasileiro que falam desta
medicina.
O filme chamado The Last Shaman, do ano de 2016 dirigido por Raz Degan que reporta
esta busca de curandeiros e da cura com o uso desta bebida. É um documentário que conta a
jornada de James Freeman, que sai dos Estados Unidos peregrinando algumas comunidades
xamãs do Peru, em busca de cura da depressão e do pensamento de suicídio que o cerca em
seus conflitos existenciais. Observo em minha leitura fílmica, que além de evidenciar a sua
experiência com a Ayahuasca e as questões que implicam num comércio de cura, na narrativa
surgem outras perspectivas que vão constituindo a sua própria cura. A exemplo, o perdão ao seu
pai, a mudança temporária da realidade que vivia a sua clausura, as transformações no estilo de
vida e em alguns hábitos enquanto vivência a sua jornada, o seu diário que lhe coloca na escrita
reflexiva do percurso, sua reconexão com a vida, consigo, com o outro, com a natureza, com a
simplicidade, a beleza e com o firme propósito.
E o filme Ayahuasca, Expansão da Consciência do ano de 2018 dirigido e protagonizado
por Fausto Noro, que também retrata sua busca de cura da sua criança ferida na relação com o pai.
E na sua relação conta a história que acessa deste sistema complexto no Brasil nas experiências
do Santo Daime e do Voô da Àguia com Leo Artese. E das questôes que envolve o uso desta
bebida do chá da Ayahuasca, da busca da diferenciação do que é droga em nossa sociedade, a
perspectiva de substância psicoativa à bebida sagrada, como se dá o seu processo de preparação,
propósito do seu uso, dos efeitos, entre outras abordagens.
Com o trabalho da Roda de Estudos de Xamanismo Voo da Águia com (ARTESE, 2018),
que conhecemos através de Vânia Almeida (Brisa Alegre), esta medicina é representada na
Figura 5, com as estações e seus elementos.
Assim, conforme (ARTESE, 2018) a primavera é a fase de fertilização e do nascimento,
o verão de crescimento, o outono de introspecção e o inverno de maior concentração e renovação.
Nestes caminhos de cura, cuidado, desenvolvimento da consciência nesta medicina
observa-se a relação do ser humano com a natureza, seus elos, elementos que constituem essa
Capítulo 3. Verão
86
Figura 5 – Roda de Estudos de Xamanismo Voo da Águia
Fonte: (ARTESE, 2018)
relação Ser Natureza. Conforme Kaká Werá Jecupé (2016), o ser é um som que vestiu das
quatro forças da natureza, os elementos, que estruturam o corpo material humano e assim
corporificam-se. Esta relação está associada ao que ele chama de medicina primitiva da alma, que
“quando estão alinhadas e harmônicas, resultam na saúde física, emocional, psíquica e espiritual.”
(JECUPÉ, 2016, p.55).
Nesta compreensão reside a visão na tradição tupi em que “[. . . ] existe uma misteriosa
relação entre os estados mentais e as energias primordiais: terra, água, fogo e ar"(JECUPÉ, 2016,
p.43). Essas energias também são conhecidas como arquétipos, elas são entidades de consciência
superior, sendo estas uma expressão de Tupã da renovação que se dá pelos quatro ciclos das
estações (JECUPÉ, 2016). Sobre os ciclos e sua renovação o autor também afirma que:
A natureza se renova de tempos em tempos. É assim que seus ciclos nos ensinam
a preciosidade deste desse comportamento! Existe a pequena renovação diária,
sob o auspício do sol e da lua, do dia e da noite. Existe a renovação setenária,
sob os cuidados da semana. Existe a renovação mais profunda e longa, sob a
regência das estações. E assim sucessivamente. (JECUPÉ, 2016, p.55)
A estações são chamadas no tupi-guarani de acordo com Jecupé (2016, p.56) de: “Arapoty
– as flores que se abrem para o céu, a primavera. [...] “Arapyau, o verão, a divina graça em
Capítulo 3. Verão
87
expressão”[. . . ] “Arakuá, o outono, que remaneja e purifica [. . . ] e “Arayma – o tempo primeiro,
o caos inicial, o seco, o inverno.
3.2.1.5 Medicina Tradicional Africana
No pensar a sociedade brasileira a partir das matrizes de cosmologias negras e dos
saberes nativos dos ameríndios, assim como já trouxemos esta questão na medicina indígena, a
colonização, a escravidão e o tráfico de pessoas na diáspora negra que constitui o caminho de
chegada dos povos africanos no Brasil e no mundo.
A Medicina Tradicional Africana – MTA é um sistema de cura e cuidados, conforme nos
relata Luz (2005, p.156), este contexto de originário de chegada as Américas, em que:
"há uma medicina em parte também originalmente xamânica, mas marcada-
mente mais religiosa que a primeira, relacionada com a população de origem
africana, introduzida nos países da América do Sul e América Central através da
escravidão praticada no continente pelos colonizadores europeus, basicamente
a partir do século XVII e desenvolvida durante os séculos XVIII e XIX com o
tráfico de escravos vindos do continente africano.".
Neste processo de escravidão e colonização, de acordo com Luz (2005), essa força de
trabalho escrava se encontravam enraizados nas grandes fazendas e nos centros urbanos de
vários países da América do Sul, Central e de ampla inserção no Brasil, em uma cultura de
resistência proveniente das culturas das tribos africanas cujos saberes foram transmitidos na
oralidade geracionalmente tendo:
“uma base terapêutica fortemente ancorada na fitoterapia. Entretanto, embora
empregue a natureza como recurso básico de intervenção de cura, é inegavel-
mente mais espiritualista em sua abordagem dos fenômenos de adoecimento
individual e grupal, e seu agente de cura mais importante é normalmente um
sacerdote (ou sacerdotisa), através da figura do pai de santo ou mãe de santo,
que opera terapeuticamente intermediando entidades espirituais, divindades
de diversas hierarquias, geralmente em rituais em que possessão e exorcismo
podem ter papel importante na cura.”(LUZ, 2005, p.156)
Nesta abordagem na senda da espiritualidade, este sistema de cura está ligada a diversas
divindades de origem africana, em que as pessoas “buscam as medicinas espiritualistas da
umbanda, do candomblé e dos centros kardecistas, utilizando-as sincreticamente como forma
terapêutica popular. As chamadas medicinas populares no Brasil são grandemente impregnadas
por esse sistema tradicional.” (LUZ, 2005, p.157).
Assim, a MTA se caracteriza como uma medicina espiritualista que:
se encarrega do tratamento de “doenças espirituais” ou de origem espiritual
(mau-olhado, feitiço etc.), ou então daquelas doenças para as quais a medi-
cina ocidental não oferece ainda perspectiva de cura, ou cujo tratamento é
considerado como excessivamente invasivo, como câncer, AIDS e várias do-
enças crônicas. Cobre, portanto, uma gama enorme de doenças orgânicas e
Capítulo 3. Verão
88
não-orgânicas, empregando como meios terapêuticos, além dos “passes” espiri-
tuais, a fitoterapia e a prática de uma homeopatia popular de tradição secular na
sociedade brasileira. Além disso, exige certas disposições, comportamentos e
atitudes dos pacientes “em tratamento”, como dietas especiais, formas de sentir
e de pensar que facilitem a cura, além de oferendas de preces e alimentos, ou
doações materiais às divindades (“orixás”, no caso do Brasil), no sentido de
propiciar o restabelecimento do paciente. (LUZ, 2005, p.157)
No DMMDC com o componente EDCC50 TE- Filosofia Contemporânea: a perspectiva
latino-americana com o filósofo e professor Eduardo David de Oliveira pudemos conhecer
questões pertinentes ao diálogo e pensamento da africano e afro-brasileiro a partir da filosofia
da libertação e da cultura e epistemologia da ancestralidade com as relações sociais de gênero,
raça/etnia e classe atinentes a sociedade brasileira.
A partir da Rede Africanidades - formada em Salvador pela iniciativa de Eduardo Oliveira
com os cursos por ele realizado de Filosofia Africana - em um encontro realizado na UFBA
promovido por esta rede é que conhecemos o Cosmograma Bakongo, conforme Figura 5, e
o diálogo com os ciclos da vida. A relação com a autocura nos motivou a pesquisar mais a
cosmovisão da cultura Bantu do povo africano Kongo ou Bakongo, o pensamento e os princípios
do sistema bantu-kongo com o trabalho desenvolvido pelo kongolês Kimbwandende Kia Bunseki
Fu-Kiau (1934-2013).
Figura 6 – Cosmograma Bakongo
Fonte: (GRIôS, 2017)
Capítulo 3. Verão
89
Encontramos a tese de Tiganá Santana com o trabalho de tradução da obra de Fu-Kiau
do O Livro Africano Sem Título já na sua segunda edição nomeada de Cosmologia Africana dos
Bantu-Kongo: Princípios de Vida e Vivências. O Cosmograma Bakongo é também conhecido
de acordo com Fu-Kiau como dikenga dia Kongo, é formado por quatro estágios de Musoni,
Kala, Tukula e Luvemba (SANTOS, 2019). Trazemos este cosmograma para nosso diálogo pois
compreendemos a sua importância neste sistema complexo bem como nos caminhos desta tese,
nesta construção com os ciclos da vida, as estações que vivemos, a partir desta cosmovisão.
Musoni, é o primeiro ciclo, de cor amarela ao qual acredita-se está associada ao conheci-
mento, nele “O mundo em seu começo era vazio; era um mbungi, uma coisa vazia, uma cavidade,
sem vida visível.” (SANTOS, 2019, p.20). No mbungi há forças e ondas ativas invisivéis que
agem naturalmente no mundo e na vida humana, como "Uma força de fogo completa em si
mesma, Kalunga, emergiu dentro do mbungi, o vazio/nada, e tornou-se a fonte de vida [môyou
wawo mu nza] na Terra."(SANTOS, 2019, p.21). Kalunga, essa força originária aquecida é
"a energia superior e mais completa, dentro e em volta de cada coisa no interior do universo
(luyalungunu)."(FU-KIAU, 1991, p.1).
Com o processo de amadurecimento Kala torna-se Tukula e esta é uma fase positiva no
mundo superior, em que Kula significa "crescer em direção a fazer a própria história, [kikulu] de-
senvolver, amadurecer até alcançar a posição de liderança e estar apto(a) a exercê-la."(SANTOS,
2019, p.27).
Na horizontalidade temos a linha da Kalunga, e na verticalidade no ponto mais alto de
Tukula temos essa zona do "V da vida", do mundo superior e inferior (SANTOS, 2019). Assim,
neste movimento da vida, as possibilidades que:
o ser humano [mûn-tu] dispõe de dois planos para o seu movimento. No plano
horizontal, ele se pode mover em quatro direções: para frente, para trás, para a
esquerda e para a direita. Os movimentos para essas quatro direções são para o
aprendizado, ou seja, para se coletarem informações (dados) a serem arquivadas
no banco humano, a mente. Mas, graças ao plano vertical, pode-se andar em
mais três direções, das quais uma é decisiva para a saúde e para a autocura.
O plano vertical permite ao ser humano andar para baixo, para cima, e, para
a saúde “perfeita”, verdadeiro autoconhecimento e autocura, permite-lhe que
caminhe para dentro. (SANTOS, 2019, p.99).
Na Figura 5, Kala, Tukula e Luvemba são chamadas das três pedras de fogo ou mundo
físico; no meio a linha horizontal da Kalunga, em que cruzando esta linha da barreira da
morte/vida, segue o portal na direção que divide o mundo dos vivos e dos mortos, (SANTOS,
2019).
Após o estágio de Tukula, Fu-Kiau na tradução de SANTOS (2019, p.29) relata que “o
ser humano deve descer ao mundo mais profundo” adentrando em seu processo de transformação
simbolizado por Luvemba, que “também significa elementos negativos (toxinas) acumulados por
uma pessoa durante a sua vida o que conduz a morte física de todos os seres vivos.” Já a fase
Capítulo 3. Verão
90
de "A fase luvemba-musoni, no ku mpemba, é positiva; é o período de nascimento-crescimento
nesse mundo"(SANTOS, 2019, p.32).
3.2.1.6 Medicina Antroposófica
A antroposofia é uma palavra grega que significa sabedoria do ser humano. Tem como
proponente o filósofo Rudolf Steiner (1861-1925) que do seu percurso de vida, em sua trajetória
com os trabalhos de tradução das obras completas de Johann Wolfgang von Goethe e as experi-
ências na Sociedade Teosófica contribuíram para o desenvolvimento de seu próprio caminhar,
em sua contribuição ao mundo com a Antroposofia.
É uma ciência espiritual, da qual Steiner e Lanz (1996, p.10) coloca que por sua natureza
“deve ter por tarefa oferecer uma cosmovisão prática, que abranja a essência da vida humana.”
Assim ela se constitui num autêntico conhecimento da vida, que busca no aprofundamento
científico-espiritual na natureza humana contribuir para a solução de importantes questões exis-
tenciais e tarefas da atualidade, bem como para o desenvolvimento de seu bem estar (STEINER;
LANZ, 1996).
A partir da visão de ser humano que antroposofia possui, em uma compreensão que
ultrapassa a visão da ciência moderna materialista que reduz o ser é uma única dimensão
inorgânicas, na compreensão de outras forças, orgânicas, que em conjunto constituem a entidade
humana. Ela integra ciência e espiritualidade em seus ramos de atuação, como na pedagogia
Waldorf, a agricultura biodinâmica, medicina antroposófica também com a farmacologia, o
aconselhamento biográfico, euritmia, entre outros.
A medicina antroposófica é um sistema cuja atuação se dá de forma individualizada
no cuidado preventivo da pessoa humana, considera na identificação do desequilíbrio o quadro
clinico, a vitalidade e biografia da pessoa. E na atuação em sua arte terapêutica utiliza os recursos
farmacológicos da fitoterapeutica, da euritmia, a terapia artístíca, o aconselhamento biográfico,
entre outros.
Estes ramos de atuação antroposófico tem em seu âmago o desenvolvimento do ser
em sua integralidade. Na constituição deste corpo de conhecimento dos conceitos e principios
pilares destes ramos, as raízes que dão base são a trimembração, a quadrimembração, os doze
sentidos, os sete processos vitais, a teoria dos setênios, os temperamentos, a consciência do Eu
e a biografia humana na relação com as estações do ano constituindo os saberes deste sistema
complexo.
De acordo com a antroposofia, a constituição da entidade humana possui quatro mem-
brações assim chamada quadrimembração, na composição do ser humano que se organiza em
seus corpos físico, etérico, anímico e espiritual. O corpo físico é composto das mesmas forças
e substâncias que constitui o mundo inorgânico ligadas ao reino mineral (STEINER; LANZ,
1996). No entanto, este reino não possui forças atuantes que lhes possibilite dar vida ao ser;
Capítulo 3. Verão
91
e uma segunda força plasmadora se revela como uma estrutura energética permeando a vida
das plantas, animais e humanos sendo chamada de corpo etérico e de força ou princípio vital
(STEINER; LANZ, 1996).
A terceira membração que é comum aos animais e dentre eles o humano é o corpo das
sensações ou astral. É um veículo da vida sentimental aonde acontecem as manifestações psíqui-
cas, o instinto, as imagens, o campo da sensibilidade cuja faculdade deste corpo é o aprender
(STEINER; LANZ, 1996). E a quarta membração, dos quatros reinos ela é específica do ser
humano é o corpo do Eu. Ele é o portador da alma humana superior tendo como tarefa a purifi-
cação e o aperfeiçoamento dos outros membros tendo assim vários níveis de desenvolvimento
evolutivo (STEINER; LANZ, 1996). Como a consciência Steiner e Lanz (1996, p.18) define
como "o resultado da atuação do eu sobre o corpo etérico através de uma série de encarnações."
Em relação a uma dimensão social da vida em sociedade, na visão da antroposófica, se
baseia na Tripartição do Organismo Social norteados pelos princípios da fraternidade, igualdade
e liberdade, em cada um deles está relacionado a um setor, sendo respectivamente os setores
econômico, jurídico-político e cultural ou espiritual (LANZ, 1979). A compreensão ternária
corporificada no ser humano na antroposofia se dá na relação com a visão arquetípica da
trimembração, na compreensão com o pensar, na vivência com o sentir e na prática com o querer.
Das polaridades do pensar - da ação do sistema neurossensorial - e do querer - com o sistema
metabólico - a mediação deste com o sentir - com o sistema rítmico - compõe esta leminiscata
que é a trimembração humana (JUSTO; BURKHARD, 2014).
A trimembração e a quadrimembração ganham vida nas práticas de cuidado da medicina
antroposófica nesta visão de integralidade da natureza humana com a natureza universal, e em
todos os ramos desta ciência, a exemplo também no ramo da Pedagogia Waldorf, prática educativa
que atua na potencialização destas forças que nos constitui. E seguindo nesta perspectiva de
nossa constituição, no relacionamento com os corpos e com o mundo, Steiner (1997), ao observar
o microcosmo e o macrocosmo no relacionamento do homem com o universo, com as influencias
cósmicas planetárias, aborda a existência de doze sentidos e dos sete processos vitais. Ele ressalta
que dos doze sentidos, os cinco que mais reconhecemos são visão, audição, paladar, olfato e tato;
e percebemos mais a sua atuação pelo próprio reconhecimento destes da ciência materialista que
não o faz com os sete sentidos – vida, movimento, equilíbrio, calor, palavra, pensar, eu – não
notamos da mesma forma por já considerá-los adquiridos. Assim, com os doze sentidos humanos
do tato, vida, movimento, equilíbrio, olfato, paladar, visão, calor, audição, palavra, pensar e do
eu o ser humano se relaciona com o mundo interior e exterior (STEINER, 1997).
Steiner (1997) ao relacionar os sentidos com os mundos internos e externos, traz que o
sentido do tato acontece na parte interna da pele dentro do corpo humano. O sentido da vida
é mais interno que o tato e é uma disposição vital de sentirmos a vida em nós, como quando
sentimos um mal ou bem estar. O sentido do movimento é mais corporalmente interiorizado
na percepção global do movimento interno do organismo. O equilíbrio percebemos com uma
Capítulo 3. Verão
92
interrupção do sentido e na mudança de posição interna. O sentido do olfato o ser pouco se
relaciona com o mundo exterior, como já faz com o sentido do paladar na relação exterior interior,
e aumenta sucessivamente a relação de interiorização das características do mundo exterior com
os sentidos da visão, calor, audição, palavra e penetra mais profundamento com o pensamento e
o sentido do eu, na capacidade humana de perceber um outro eu (STEINER, 1997).
Ainda nas relações com os mundos, os setes processos vitais da respiração, aquecimento,
alimentação, segregação, manutenção, crescimento e reprodução falam como a vida flui através
de nós pulsando em todo o nosso organismo (STEINER, 1997). Os três primeiros se situam mais
no mundo exterior e os quatro outros mais na relação com o mundo interior.
A consciências destes sentidos e processos vitais traz maior clareza da alternância rítmica
da vida que pode ser observada em nosso corpo, na nossa respiração que tem um ritmo, nas
batidas do coração também tem o seu, e eles são ritmos de cada pessoa. Uma alternância que
integra polaridades, nos movimentos de contração e expansão, dentro e fora, interno e externo.
Burkhard (2000) já nos diz que quando vivemos ritmicamente mais força temos e que há ritmos
bem marcados em nossa biografia. Cada pessoa há de descobrir o seu ritmo e o trabalho biográfico
pode contribuir para esta compreensão.
Para Burkhard (2000) o ritmo dos setênios, a vida é observada em ciclos de sete anos,
considerando as sete forças planetárias, cada um deles relacionado a uma força específica. Há
também o ritmo do nodo lunar, a força lua, que se repete a cada dezoito anos e sete meses; a
cada doze anos o ritmo jupiteriano ligados aos aspectos profissionais da vida; o ritmo de Saturno
a cada vinte nove anos e meio, ligado ao eixo espiritual do indivíduo; e o ritmo vindo de Cristo a
cada trinta e três anos, podendo ser observado a cada onze anos também (BURKHARD, 2000).
Junto a influencia exercida por estes ritmos também há de se observar que “além dos
grandes ritmos, temos os pequenos – do ano, do mês, da semana, do dia. Ritmo é uma repetição a
intervalos regulares, com acentos fortes e fracos, constituindo um conjunto fluente e homogêneo
no tempo. É também sinônimo de força.” (BURKHARD, 2000, p.176).
E nestas relações cósmicas, micro e o macrocosmo, também há correspondência com as
estações do ano, que na antroposofia também dialoga com o setênios e a biografia individual, e
conforme JUSTO e BURKHARD (2014, p.19):
“A primavera seria a primeira fase, em que nós crescemos e amadurecemos
fisicamente – de 0 a 21 anos. O verão, época em que as plantas se expandem,
atingindo o máximo de sua vitalidade e tamanho, corresponderia à época ex-
pansiva da vida – dos 21 aos 42 anos, segunda fase. Já o outono, estação em
que as cores se modificam, a natureza se torna colorida e os frutos amadurecem,
seria a terceira fase – dos 42 aos 63 anos de idade. Em seguida vem o inverno,
quando a maior parte das plantas perde a força, as sementes caem no chão e lá
fica, à espera de uma nova primavera”
Esse relacionamento das estações com as três grandes fases da vida também é evidenciado
na Figura 7, representando a partir da visão trimembrada de constituição do ser humano, a sua
Capítulo 3. Verão
93
chegada do mundo espiritual, do corpo encarnando em seu desenvolvimento e sua ação no mundo
e o desencarne do corpo no retorno a seara espiritual.
Figura 7 – As três grandes fases da vida humana
Fonte: Justo e Burkhard (2014)
Essa expansão e perda da vitalidade é observada na vivência das estações na biografia
individual bem como na dinâmica de saúde-doença-cuidado e cura. A doença é uma situação de
aprendizado a ser superado, uma biografia condensada onde “na busca da saúde, nós ganhamos
um aprendizado que nos aproxima novamente do divino” (JUSTO; BURKHARD, 2014, p.14).
Sendo uma situação de aprendizado nos conduz a consciência das necessidades de amadureci-
mento, que conforme JUSTO e BURKHARD (2014, p.13) acredita que a doença torna o ser
humano mais maduro e que “Cada doença é, pois uma tarefa que o organismo se propõe como
desafio superar. É uma situação especial de aprendizado na biografia individual.
Para JUSTO e BURKHARD (2014, p.7), a cura é “uma harmonização maior entre
espiritualidade (o Eu), a alma (ou atividade anímica: pensar, sentir e agir no mundo) e o corpo
biológico-vital". Cura é trazer alegria para a alma, na leveza de um corpo relaxado, em paz e
silêncio a mente se faz presença. É o que te leva a olhar e cuidar daquilo que necessita ser olhado
e cuidado. A cura é uma aprendizagem revelada na experiência.
No movimento de trazer a alegria para alma, na consciência do Eu que Steiner (1991) nos
traz que é preciso então ver com cuidado além do sentido da visão, e nos convida com paciência a
discernir o que é essencial, aquilo que é verdadeiro e tem importância, do não-essencial, aparente
e passageiro sendo que “ao se alcançar a calma interior da visão panorâmica, o essencial se
separa do acessório. Desgosto e alegria, cada pensamento, cada decisão apresentam-se diferentes
quando se está, desse modo, em autoconfronto.” (STEINER, 1991). Ao nos colocarmos neste
movimento de autoconfronto temos de:
Ao nos colocarmos neste movimento de autoconfronto temos de aprender a
conservar a calma e segurança interiores em situações difíceis da vida. Terá
de criar, em si, uma forte confiança nos bons poderes da existência. Terá de
estar preparado para o facto de que alguns motivos que até então o haviam
dirigido deixarão de dirigi-lo. Terá de reconhecer que até então fez e pensou
Capítulo 3. Verão
94
muita coisa só por ter vivido emaranhado na ignorância. Motivos como os que
havia possuído até então serão eliminados. Ele agia muitas vezes por vaidade;
constatará quão indizivelmente inútil qualquer vaidade é para o conhecedor.
Fazia muitas coisas por ganância; descobrirá quão destrutiva toda ganância
é. Terá de desenvolver impulsos inteiramente novos para o agir e o pensar.
E justamente para isso é preciso ter coragem e intrepidez. Sobretudo, trata-
se de cultivar essa coragem e intrepidez no mais intimo da própria vida de
pensamentos. (STEINER, 1991, p.29).
3.3 Reflexões em percurso
A transição interna e externa pode ser evidenciada neste caminhar com as práticas
ecológicas e integrativas, com este arcabouço de possibilidade trazidas com as raízes, troncos
e frutos destes movimentos construídos e vivenciados como mundo possíveis. As mudanças
inspiradoras em nossos modos de ser, viver, conviver, produzir nos caminhos que coração revela
em nossos encontros com comunidades de aprendizagens nos possibilitaram viver e conhecer
experiências que co-habitam e co-criam realidade entre e além a lógica dominante capitalista
mecanicista. Evidenciar estas práticas nos inspiram a pensar em mundo outros possíveis que
vem se fortalecendo cada vez mais no coração de acredita e tem esperança de mudança.
Há todo uma relação de cuidado que permeiam estas construções, e cada vez mais
que acessamos as práticas em movimento de profundida as conexões se revelavam em nossas
compreensões. Começamos a perceber elementos comuns e aproximações com as práticas
gaianas e integrativas entre si que em perceber algumas relações. Notamos a importância do
sonhar do dragon dreaming e da visão do cidades em transição como práticas que ajudam no
processo de tomada de consciência de nosso processo de criação das realidades que queremos
viver.
Eu observo uma relação da CNV com a Antroposofia, na perspectiva em que a CNV
atuar nesta integração com o pensar, sentir e agir humano no diálogo com a vida, dimensões
estas que constituem na Antroposofia a trimembração humana.
Observamos com as PICS, com os princípios balizadores da integralidade, do vitalismo,
com as práticas de acolhimento e autonomia que dão sustentação de comum-responsabilidade
com as linhas de cuidado. Nas PICS, nas visões fractais de mundo e de ser humano, do micro e
do macrouniverso, fomos encontrando também conexões entre elas e nas relações terapeuticas
com a saúde-doença-cuidado e com as estações com seus ciclos.
A exemplo dos doshas na Ayurveda e os temperamentos na Antroposofia nos ajudam
a melhor compreender a nossa constituição física, etérica e anímica para que assim possamos
fortalecer nossas potencialidades e harmonizar os nossos desequilíbrios a partir destas teorias
dos humores.
95
4 Outono
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Cecília Meireles, Canção de Outono.
O outono e o inverno são estações de maior recolhimento, contração, interiorização. No
outono, em nosso mover vamos convergindo esses movimentos expansivos e abertura vivenciados
com a primavera e verão. E assim vamos organizando, assentando, sustentando e acolhendo
estes saberes e práticas dentro de nós, em nossas células, nossos pensamentos, nossas ideias
em nossos diálogos. Eles abre outros espaços dentro de espaço já navegados. Concentra mais a
energia, para as folhas caírem, a mudança se instaura nesta trocas energéticas.
É um momento de transformação e isso requer um movimento de voltar-se para si, na
adaptabilidade as mudanças e do que abrimos mão para seguir em frente em renovações. Como
nas folhas voantes trazidas por Cecília Meireles, que caem nestas estação, com ação dos ventos
presente, essas folhas antes caírem secas no solo, dão seus sinais de mudanças em sua coloração
como uma doação que elas fazem passando os nutrientes da vitalidade as folhas que nas arvores
permanecem.
Assim, neste tempo de amadurecimento de frutos de nossa jornada, em que vamos inter-
nalizando compreensões, delimitando mais o campo de atuação para a transformação acontecer.
A ecologia é o fio condutor desta tese, seus conceitos e ideias possibilitam a reflexividade em
nossas relações com o cuidado poliético.
Esse capítulo esta organizado em dois momentos, o primeiro delas com as ecologias,
com a definição do termo, a motivação que traz a ecologia, a relação com o cuidado e a relação
com três rubricas ecológicas. No segundo momento o diálogo continua com cada uma das três
rubricas ecológicas.
4.1 As Ecologias e o Cuidado
A origem do termo ecologia é considerada desconhecida, porém há pesquisadores que
buscam relatar o aparecimento mais remoto do termo. Goodland (1975, p.242) apresenta como
registro mais antigo de citação do termo Ecologia feito por Henry David Thoreau (1817-1862) em
uma carta feita no dia de ano novo de 1858 ao seu primo George Thatcher. Da citação do termo
para a sua definição, que se dá em 1866, pelo biólogo alemão Ernst Heinrich Phillipp August
Haeckel, apresentando o termo Oecologie, traduzido ao português como Ecologia, definindo
Capítulo 4. Outono
96
como:
A ecologia dos organismos, a ciência de todas as relações do organismo com o
mundo externo circundante, as condições orgânicas e inorgânicas da existência;
a chamada "economia da natureza", as inter-relações de todos os organismos,
que ocorrem que vivem no mesmo lugar um com o outro, sua adaptação ao
meio ambiente, sua transformação pela luta pela existência [...] Haeckel (1868,
p.539, tradução nossa)
Nesse mesmo lugar de convivência que se inter-relaciona os seres vivos, a partir do
conceito acima, é que surge o entendimento mais difundido de Ecologia, relacionado a palavra
grega óikos, que significa casa ou lugar onde se vive; logos, estudo; e em sentido literal, estudo
da casa (ODUM, 1990). Galeffi (2014, p.6) tece as relações tri-ética, tri-estética e tri-poética
da ecologia; e aborda as proximidades semânticas da ética e ecologia, sendo “as duas palavras
de origem grega remetem ao âmbito do “habitar”: oikos e êthos. Se oikos significa “casa”,
“habitação”, “bens”, “família”; êthos significa “morada habitual”, “maneira de ser”, “uso”,
“costume”. A relação dos étimos é evidente.”. E no estudo das nossas moradas e das maneira em
que nelas habitamos, há referências feitas a Terra, também chamada de gaia ou pacha mama;
bem como a casa que também é feita alusão é a do nosso corpo, morada do Ser.
No habitar de nossas moradas, as convivências dos organismos visíveis e invisíveis,
as adaptações e transformações ao ambiente, nestas relações dos seres e dos ambientes em
diferentes níveis de organização que estabelecemos que se constituem os estudos ecológicos.
As aprendizagens nestas convivências e coabitações com os movimentos de aproximação e
distanciamento, contração e expansão que possibilitam o encontro revelam o cuidado compondo
esse fluxo sistêmico de interações. O cuidar é inerente as relações, o ato de cuidado é um modo de
atenção no ser, estar e fazer com sistêmica responsabilidade, acolhimento, respeito e prudência.
A ecologia é uma ciências das relações; o cuidado e a ecologia são imbricados intrinsecamente.
Para Odum (1990, p.4) a ecologia é “o estudo das relações dos organismos ou grupos
de organismos com o seu ambiente, ou a ciência das inter-relações que ligam os organismos
vivos ao seu ambiente”. Esses grupos em suas semelhanças são chamados de espécies, e nas suas
formas de organização surgem os conceitos de população,comunidade, ecossistema, biosfera
que compõe um ecossistema ecológico. Conforme Odum (1990) a definição de ecossistema se
dá na relação sistêmica dos organismos com o seu ambiente, entre componentes abióticos – do
seu ambiente – e bióticos – dos micro-organismos, plantas e animais, na relação microcosmo e
macrocosmo.
Em relação ao cosmo nós somos uma partícula tão minúscula, uma miniatura deste vasto
universo; e de forma fractal somos holograficamente réplicas idênticas ao cosmos, somos um
com o todo. Nesta correspondência cósmica o ser humano, em sua constituição física, emocional
e espiritual, é visto de forma ampliada pelos sistesmas médicos complexos da ayurveda, da
antroposofia, entre outras, como um microcosmo do universo; e o universo, ambiente, como
macrocosmo do indivíduo.
Capítulo 4. Outono
97
E a compreensão da relação ser humano com o universo traz uma visão de religação,
conexão com o todo, unidade e pertencimento. A inseparabilidade e a interdependência também
devem ser consideradas ao meditar sobre essa relação do seres com o cosmo, como os laços, elos
e cordas que nos unem em ressonâncias que se propagam.
Na pesquisa da ecologia nas bases de dados Scielo e Scopus, a partir dos títulos e resumos
dos trabalhos foram encontradas ramificações da ecologia conforme pode ser visualizado na
imagem da Figura 8. Destas interações surgem novos conceitos e ramificações da ecologia como:
ecologia radical, profunda, espiritual, humana, integral, interior, social, ambiental, mental, entre
outros.
Figura 8 – Guarda-chuva ecológico.
Fonte: Elaborado pela autora no Cmap, 2018.
A ecologia é um lugar de fala que, a partir dela, acessamos diferentes informações, como
nas barras radialmente ligadas ao cabo central na Figura 8, e fazemos novas interações com o
mundo. Esse guarda-chuva invertido nos faz pensar que a ecologia em seu caráter holístico teve,
conforme Ricardo (1999, p.52), uma evolução inversa ao caminho de especialização da ciência
“teve uma evolução que poderia se representar como a de um conjunto de raízes ou rizomas que
crescem e nutrem um único tronco”.
Capítulo 4. Outono
98
E desse tronco, a ecologia se expande em compreensões que representam as dinâmicas e
entendimentos quantos aos aspectos, impactos, inter-relações, questões, preocupações e atuações
ecológicas. Há muitas expressões outras originadas na junção do prefixo eco em fusão com as
outras terminologias não só incluindo assim a perspectiva ecológicas mas da fusão a expansão em
novos desdobramentos. A exemplo da ecosofia, ecoespiritualidade, ecofeminismo, ecopedagogia,
ecocorporeidade, dentre outras.
Fomos compreendendo esta necessidade de uso dos ecos que atendem alguma prática, os
ecos dos sistemas, na minha leitura como um chamado para que não nos esqueçamos de cuidar
desta dimensão em tudo o que há, para que seja mais que um reforço, uma internalização desta
dimensão em nossas práticas, o cuidado ecológico com tudo o que há.
Neste guarda-chuva também ressaltamos as três rubricas da Ecosofia de Guattari (2012a)
sob a égide ético-estética, com os três registros ecológicos do ambiental, social e mental,
destacados na Figura 8, integrando a estes os outros tipos trazidos, e evidenciando aqui também
a existência de outras ecologias além das elencadas nesta imagem.
Galeffi (2014, p.7), parte da Teoria dos Sistemas Complexos para explicar os fenô-
menos, dialogando com o conceito de emergência no sentido eco-socio-antropológico, e nesta
tessitura entrelaça o conceito de emergência a estas três rubricas, sendo que “uma emergência
é reconhecida quando afeta a totalidade da vida humana. Deste modo, há em escala mundial
três emergências atinentes ao comportamento ético humano: ambiental, social e mental”. Na
emergência tri-ética planetária de Galeffi (2014) quando falamos das maneiras de habitar o
mundo está imbricado numa inter-relação tri-ética, tri-poética e tri-estética ecológica de orientar
o desenvolvimento humano em seu modo de ser no mundo, nas relações consigo, com outro e no
mundo.
Nas relações ambientais, social e mentais que temos com nós mesmos, com o outro e
com o mundo, a maneira como nos relacionamos afeta a totalidade da vida humana. Viver é
um contínuo ato ecológico de cuidado, de atenção e presença, de criação de nossas realidades.
GALEFFI (2017, p.39) com a tri-ética chama atenção “que não basta o cuidado com o ambiente
sem que se cuide das sociedades e seus valores espirituais (mentais)”. Para ele, o cuidado
tem importância e relação com o aprender, sendo que ele “se revela, assim, como o caminho
metodológico de toda a complexidade cognitiva e informacional da cultura humana planetária”
(GALEFFI, 2017, p.88).
GALEFFI (2016) estabelece uma relação das palavras/conceitos sensível e cuidado
como dimensões que compreende uma epistemologia da complexidade. De acordo com Galeffi,
estes conceitos remetem respectivamente, as instâncias do comportamento humano-animal da
sensibilidade e do comportamento ético-afetivo.
“O ser saudável é sensível e cuidadoso na arte de viver e do morrer. Não se
separa a formação para saúde da sensibilidade e do cuidado. Não há saúde sem
sensibilidade e sem cuidado [. . . ] a sensibilidade é o meio ontológico gerador de
Capítulo 4. Outono
99
afetividade aprendente, colaborativa e solidária. A base de todo ente existente é
a sensibilidade; ela diz respeito aos sentidos através dos quais os animais vão
seguindo linhas evolutivas diferenciadas” (GALEFFI, 2016, p.191).
A ecologia no fortalecimento de saberes formativos para a saúde, como uma perspectiva
cuidadosa e sensível de viver e se relacionar com todos os organismos. E o cuidado é visto como
“[. . . ] fundo afetivo de toda ética. E que toda ética é uma triética do cuidado: cuidado de si,
cuidado do outro, cuidado do mundo.” (GALEFFI, 2016, p.198). Assim compreendendo que,
em uma ética do cuidado, o cuidado e a sensibilidade são condições originárias e devem ser
de contínua presença em todos os momentos da existência de um ser em devir permanente. No
diálogo com estas emergência planetária, com estas rubricas ecológicas e os seus desdobramentos
prosseguimos nesta escritura em nossa jornada.
4.1.1 Ecologia Ambiental
Em minha dissertação propus um modelo de maturidade socioambiental para as organi-
zações da indústria da região metropolitana do Salvador, para que elas mesmas pudessem olhar
para suas práticas socioambientais e reconhecerem a sua paisagem, o estágio que se encontram
e vislumbrar práticas de mudança de estágios para realizar a transição destes (LEAL, 2013).
Nestas indústrias a questão da poluição surgiu como um norteador para se incluir um olhar a
questão ambiental, me chamou atenção a miopia das organizações de reconhecerem o estágio
real de suas práticas, meditante a crença de serem o estágio desejado que se acreditavam ser.
Compreendi as organizações como reflexos de sistemas de crenças sejam eles dominantes
ou não, e das relações que (re)produzem racionalidades utilitarista e/ou culturais. Dos desafios
de mudança organizacional me levaram aos ultrapassamentos da transformação humana, de
nossas capacidades de ver nossas ações com auto-responsabilidade de nossas intervenções e das
relações que criamos, sustentamos e destruímos sistemas.
Na consciência de não sabermos o que é sustentabilidade, um conceito ainda em constru-
ção, e do insustentável modo de ser humano, a mudança de foco desta jornada do mestrado ao
doutorado volta-se da gestão e suas estratégias de atuação rumo as relações e suas aprendizagens
na convivência consigo, com o outro e com o mundo. Da sustentabilidade movendo-me para a
retomada de aprendizagens com a ecologia e com esta uma necessidade de me aprofundar em
questões sistêmicas da relação ser humano com a natureza.
Assim, os caminhos foram surgindo novos contornos e nessa travessia com a ecologia
na compreensão de ecologias, que se constituem das relações seres vivos e ambiente, a visi-
bilidade da dimensão do cuidado surge desta consituição do como habitamos. Na reflexão no
âmbito do seres humanos na relação com o ambiente, as ecologias que dialogam com questões
socioambientais do Ser e a natureza entre e além da questão da poluição foram emergindo.
A abordagem superficial das ciências ambientais reagiam para remediar os sintomas
Capítulo 4. Outono
100
no controle a poluição e na busca de maneiras sustentáveis de extração de recursos naturais,
não abordando as causas sociais e culturais responsáveis de tais sintomas (NAESS, 2007).
O filósofo e ecologista norueguês Arne Dekke Eide Naess (1912-2009), em contraste a esta
abordagem instituiu em 1972 a ecologia profunda. Assim, o termo “ecologia profunda” surge
com a propostas de um saber ecológico a partir de uma abordagem voltada não apenas para os
sintomas, mas para as causas culturais inerentes à crise ambiental (NAESS, 2007).
Naess (2007) aponta duas correntes do pensamento ecológico, a da ecologia superficial e
a da ecologia profunda. A ecologia profunda cuida da relação do ser humano com a natureza,
considera organismos como nós na rede ou biosférico campo das relações intrínsecas onde tudo se
encaixa. Traz uma compreensão a partir de dentro, da interiorização das relações das pessoas com
a natureza, observando os valores éticos, estilo de vida, sistema politicos da sociedade, abordando
os princípios da igualdade biosférica, da diversidade e simbiose, da teoria dos ecossistemas
(NAESS, 2007).
Esta interiorização das relações das pessoas com a natureza fortalece a retomada do
conceito de ecologia pela compreensão como uma ciência que estuda as inter-relações dos seres
com o ambiente, suas interações na convivência, adaptações e existência. Refletindo as causas da
crise ambiental no que concerne a relação ser humano com a natureza, na ecosofia ambiental
Guattari (2012a, p.52-53) considera que o equilíbrio natural depende das intervenções humanas
em suas relações com a ecologia maquínica, em que:
Poderíamos perfeitamente requalificar a ecologia ambiental de ecologia maquí-
nica já que, tanto do lado do cosmos quanto das práxis humanas, a questão é
sempre a de máquinas - e eu ousaria até dizer de máquinas de guerra. Desde
sempre a "natureza"esteve em guerra contra a vida! Mas a aceleração dos
"progressos"técnico-científicos conjugada ao enorme crescimento demográfico
faz com que se deva empreender, sem tardar, uma espécie de corrida para
dominar a mecanosfera. No futuro a questão não será apenas a da defesa da
natureza, mas a de uma ofensiva para reparar o pulmão amazônico, para fazer
reflorescer o Saara. A criação de novas espécies vivas, vegetais e animais, está
inelutavelmente em nosso horizonte e torna urgente não apenas a adoção de
uma ética ecosófica adaptada a essa situação, ao mesmo tempo terrificante e
fascinante, mas também de uma política focalizada no destino da humanidade.
Essa requalificação de ecologia ambiental para maquínica que Guattari (2012a) propõe é
atinente a construção deste sistema em que o destino das espécies, da humanidade em guerra
contra a vida, está em voga e o diálogo com a ecologia ambiental vem nesta perspectiva,
discorrendo com os aspectos e impactos que provocam estas destruições e a urgente necessidade
de transformação das crenças que sustentam este colapso. Os ambientalistas e os movimentos
ambientais, em seus posicionamentos frente estas máquinas de guerra, já trouxeram ao mundo
diversas previsões, muitas delas foram consideradas irreais e catastróficas em seu tempo, outras
vemos acontecendo no tempo de agora, como este futuro descrito por Guattari (2012a) que já se
faz presente.
Capítulo 4. Outono
101
No diálogo com este futuro emergente e na perspectiva da ecologia profunda Macy e
Brown (2004, p.20) nos diz que:
Esse futuro parece cada vez mais frágil. Com guerras surgindo pelo planeta,
florestas derrubadas, famintos e sem-teto pelas ruas, venenos em nossos ali-
mentos, água, ar e leite materno, e a extinção completa de espécies e culturas,
fica mais difícil ter esperança em nossa jornada comum. Somos tentados a nos
isolar, a limitarmo-nos a olhar para a nossa sobrevivência e a de nossas famílias
a curto prazo. Diante de tantas más notícias, o desafio de criar uma civilização
sustentável parece absurdamente irreal.
Uma visão de irrealidade de sociedades sustentáveis surge como uma forma desagrega-
dora para uma possível transformação na consciência coletiva. As contantes notícias produzidas
para o que se deseja visibilizar, alimentam o sentimento de desesperança e uma cultura de medo,
para um conformar tomar conta da sociedade. No desafio de encontrar possibilidade de mudança
do cenário sustentado pelo paradigma dominante, nos deparamos com a oferta de soluções
superfíciais para seus geradores problemas; de quem causa o dano e também surge para remediar
estas questões.
Alarmistas e/ou visionários os ambientalistas, ecologistas e ecólogos, as pessoas compro-
metidas com as causas ecológicas trouxeram suas mensagens ao mundo, chamando para rever
determinadas questões e as consequências destas para todo o nosso ecossistema, dialogando
a construção de possibilidades para mudança destes cenários. Ao revisitar Guattari (2012a,
p.16-17) em minhas leituras, encontro outro de seu presságio, ao que assim escreveu:
E se não houver tal retomada ecosófica (seja qual for o nome que se lhe dê),
se não houver uma rearticulação dos três registros fundamentais da ecologia,
podemos infelizmente pressagiar a escalada de todos os perigos: os do racismo,
do fanatismo religioso, dos cismas nacionalitários caindo em fechamentos reaci-
onários, os da exploração do trabalho das crianças, da opressão das mulheres...
A emergência ecológica triética planetárias que Galeffi (2014) e Guattari (2012a) dia-
logam e conclamam ao despertar humano para uma mudança de rota. Esse modelo dominante
produziu uma deseducação das pessoas, e a desaprendizagem resultante disto é como nos torna-
mos insustentáveis. E dessa paisagem é que vemos e vivemos no momento no Brasil e no mundo.
Perigos e desastres também foram enunciados por Bookchin (2010, p.19)
É hoje impossível considerar pouco importantes, marginais ou "burgueses"os
problemas ecológicos. O aumento da temperatura do planeta em virtude do teor
de gás carbônico na atmosfera, a descoberta de enormes buracos na camada de
ozônio – atribuíveis ao uso exagerado de clorofluorcarbonetos – que permitem
a passagem das radiações ultravioletas – a poluição maciça dos oceanos, do ar,
da água potável e dos alimentos, o extenso desmatamento causada pelas chuvas
ácidas e pelo abate incontrolado, a disseminação de material radioativo ao longo
de toda a cadeia alimentar... tudo isto conferiu à ecologia uma importância que
não tinha no passado. A sociedade atual está danificando o planeta a níveis que
superam a sua capacidade de auto-depuração. Aproximamo-nos do momento em
Capítulo 4. Outono
102
que a Terra não terá condições de manter a espécie humana nem as complexas
formas de vida não humana, que se desenvolveram ao longo de milhões de anos
de evolução orgânica.
Esse suicídio ecológico, também um crime ambiental com a extinção gradativa das
espécies e de todo um ecossistema, desta humanidade que se autodestrói desconectada sistemi-
camente e age em danos irreparáveis a vida, em retroalimentação numa cultura e sociedade de
guerra, competição e egoísmo. Assim, a sociedade autodestrutiva retrata esta desconexão do ser
humano com a natureza, que conforme (BURKHARD, 2000, p.18-19):
o ser humano perdeu a relação com a natureza e com os seres pertencentes a ela.
Da natureza quer-se tirar o máximo de lucro, explorando-a, destruindo-a. Raros
são os que cuidam dela. Aos poucos ela não nos fornecerá nem mais alimentos
básicos, dos quais necessitamos para sobreviver, nem tampouco o petróleo para
as nossas potentes máquinas – nossos automóveis.
Nota-se a relação egoíca que se estabelece com esta desconexão, extraindo continuamente
os recursos naturais sem cuidar da recuperação do que é degradado. Burkhard (2000) também
fala da perda de relação com o mundo espiritual, das relações afetivas íntimas, familiares e de
trabalhos entre as pessoas se desenvolvendo em relações mais superficiais e formais. E essa
perda de relação humana com a natureza nos traz a questão: o que nos faz separar, isolar e
desconectar da relação de pertencimento do ser aí com o mundo, consigo e com outro? É uma
perda ecossistêmica, de natureza interna e externa, e das suas relações como um todo. A visão
de exploração dos recursos naturais, da natureza servir as necessidades humanas carrega a
compreensão antropocêntricas de mundo que sustentam essa relação. A antiga visão de controle
e domínio humano operando dentro de lógica competitiva ganha perde criou exclusões e padrões
que reforçaram estas separações. As colonizações realizadas, as divisões de mundo, como se
houvesse países subdesenvolvidos – para quem? - em desenvolvimento e desenvolvidos criaram
uma corrida para alcançar padrões destrutivos que vendiam o sonho emblemático de crescimento
a qualquer custo em mais uma manobra de continuar agindo em colonização, conquista de
mercado e acúmulo de bens.
Esta perspectiva ganhou mais repercussão na sociedade com a visão da ecologia frente
aos problemas burgueses no modos de operação do capitalismo, quando passou a ser visibilizado
os impactos da produção e dos produtos no cotidiano da vida humana, no meio ambiente com
a destruição da camada de ozônio e os impactos na vida dos ecossistemas. Um livro que teve
bastante notoriedade é o Primavera Silenciosa, em que Rachel Carson aborda uma primavera
sem o canto dos pássaros, fala do uso e a relação de agrotóxicos, os danos dos venenos agrícolas
a saúde de toda cadeia alimentar, fazendo a denúncia dos biocidas.
Da previsão e do pedido de mudança de todos estes cenários vislumbrados ora já vivenci-
ados e outros como possibilidades de futuro não tão distantes, enxergar com clareza o estágio
que vivemos é um passo importante no defrontar com os desafios na superação da ignorância e
Capítulo 4. Outono
103
da inconsciência coletiva frente a esta emergência planetária. Bem como, refletir as rotas para
o acontecimento deste caminho de transformações, dos atos sacrifícios necessários a serem
adotados ao bem maior coletivos.
Reconhecer sabedorias libertadoras desta roda contínua de dano/ escassez/ impacto/
sofrimento/ adoecimento abrindo caminhos para aprender com estas no despertar das reais
necessidades de mudança de atitude quanto ao seu impacto de nossas ações em todas as nossas
relações. As atitudes no nível reativo de se lidar com os danos, revela os desafios que coletiva-
mente passamos até que encontremos uma sabedoria coletiva que nos coloque no nível de ações
antecipatórias e preventivas. Aprender a ser ecológico seja uma possibilidade de saltar com este
padrão, no desenvolvimento saudável de uma consciência ecológica do Ser.
Estas entre outras questões da atual conjuntura dos perigos para com esta pátria, me
faz pensar o contínuo esfacelamento dos direitos humanos, das conquistas sociais, das reservas
ambientais, do pulmão do mundo, nossa amazônia. Dois mil e dezenove foi um ano de muitos
desafios ecológicos no mundo, na América Latina em nosso país, em nossa região, em nossa
cidade, em nossa cidadania. Quando estava me colocando na ação frente ao Bus Rapid Transit –
BRT e a desflorestação em Salvador; bem como com o desmatamento e as queimadas da nossa
Amazônia; outro desastre golpeia sem dó a vida nas águas com o derramamento de petróleo no
nordeste.
Em dois mil e vinte que iniciou com mais fogo que se alastraram nas queimadas na
Austrália e com a vivência da pandemia do Covid-19 - da doença infecciosa denominada de
coronavírus identificada pela primeira vez em Wuhan na China em dezembro de 2019 - modificou
nossa interação no mundo no enfrentamento deste adoecimento social. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) declarou ao surto o seu mais alto nível de alerta internacional de emergência
de saúde pública em janeiro de dois mil e vinte, caracterizando como uma pandemia no mês de
março (OPAS, 2020).
Pela terra e pelo ar, pelo fogo, pelas águas, a natureza sendo devastada em seus elementos.
E o que observo diante destes cenários é a repetição de padrões como a manipulação de informa-
ções que circula, o foco na busca de culpados para desfocar das reais necessidades de ação e
uma forma de sustentar apatia, a indiferença e minar o ativismo. Com a vivência da pandemia
ficou bastante evidenciado estas ações, com a xenofobia contra os chineses; a propagação virtual
em redes sociais de falsas informações e criação de teorias da conspiração sobre o vírus.
A visão de separação e distanciamento do ser aí com todo o ecossistema que está
interligado revela este caminho de desconexão que conduziu a estas problemáticas. A importância
de falar sobre a dor de mundo, a dor que estes acontecimentos fazem nascer dentro de nós, é
uma forma de libertação dos desafetos que alimentaram nossas crianças feridas que externalizam
as suas dores ao mundo. O perceber a raiva e mágoa que carregamos e reproduzimos, bem como
outras emoções e energias que nos bloqueia, tensiona, aprisiona e adoecemos. Dos movimentos
da vida onde tudo parece desandar, onde o caos se fortalece, no mergulho profundo em questões
Capítulo 4. Outono
104
antigas que precisavam ressurgir com tamanha força para serem priorizadas em cuidado.
Joanna Rogers Macy, doutora em ecofilosofia, no seu ativismo em movimentos ecológicos
de paz e justiça na atuação contra a energia nuclear e a produção de armas, percebeu ao se
relacionar com tantas pessoas em sofrimento, o medo destas pessoas de olharem e falarem da dor
que existem dentro delas, compreendeu a dor como uma aliada criando um trabalho de reconexão.
O trabalho desenvolvido por Joanna Macy e Molly Brown atuam no pensamento sistêmico,
ecologia profunda e budismo engajado. A partir da aplicação de princípios budistas, busca-se
conhecer o sofrimento e o desespero como desafio de superação da negação, o entorpecimento e
a fuga (MACY; BROWN, 2004). A ação emana da não ação, nas sabedorias do coletivo, das
tradições, da espiritualidade em compaixão, ação amorosa, coragem, solidariedade, ecojustiça e
justiça social no relacionamento com os problemas mundiais.
Uma psicologia social atuando nas relações indivíduos e sociedade, a partir destes
aportes como sustentação para se lidar com enfrentamentos a questões pessoais e coletivas
que se interrelacionam. A vivencia no caminho da dor e do sofrimento nos torna acessível a
dialogar com a dor de mundo de outras pessoas. Numa conexão empática para o cuidar das
feridas profundas pessoais e coletivas, nos colocamos a serviço da comunidade e da Terra a partir
de nossas aprendizagens. Para Macy e Brown (2004, p.43),
Essa dor é o preço da consciência em um mundo ameaçado e em sofrimento.
Não é apenas natural, como é um componente absolutamente necessário de
nossa cura coletiva. Como em todos os organismos, a dor tem um propósito: é
um sinal de alerta e procura causar uma ação para solucioná-la.
A dor é um chamado para ver o que se revela para nós como uma necessidade de ser
visto e cuidado. Como as plantas que revelam a perda da vitalidade – na necessidade de água,
de fortalecimento do solo, um sombreamento para reduzir o calor e aeração para aumentar a
oxigenação – nós também revelamos essa perda e a necessidade de seu restabelecimento. O
caminho da dor pode apresentar dificuldades, aprendizagens, sofrimentos, libertação, poder,
despertar, opressão, ilusão e consciência. A crise de sofrimento e angústia vem com os desafios
de não aceitação a mudanças, de operar de outras perspectivas além do padrão vivenciados e
quando confrontados com estas possibilidades a não abertura ao novo.
É preciso sabedoria para se lidar com essa compreensão de desejar não viver mais em um
sistema de adoecimento, tendo consciência do que isto representa para seu sistema, este estado
de não saúde, e de como colocar em prática a aceitação de viver e merecer em estado expansivo
de saúde. A não-saúde revela o que não é percebido ou o que não recebe o devido cuidado e que
chama atenção para as suas necessidades. O corpo tem a sua sabedoria natural e ele nos sinaliza
o que precisamos observar e assim questionar a vivência da não-saúde a aprendizagem que se
revela como caminho para nós.
Assim, consideramos relevante compreender quando nos referimos a ecologia também
falamos de cuidado e saúde. Na ética ambiental Galeffi (2014, p.12) nos fala do dever que é de
Capítulo 4. Outono
105
todos de “cuidar das condições de equilibração da biosfera planetária” ressaltando que “não se
trata de somente preservar, mas, sobretudo, de equilibrar os desequilíbrios”. A necessidade de
evidenciar e cuidar desses desequilíbrios com firme propósito de transformação. A saúde e o
bem-estar dos ecossistemas tem relação com práticas de cuidados e preservação que se ocupam
com todo o ciclo de vida, onde o desequilíbrio ecossistêmico é uma fonte de adoecimento.
A saúde não é um produto que se compra numa prateleira como uma solução milagrosa
com o nome de remédio. Considerando os cenários da humanidade frente aos impactos e
desequilíbrio causados pelas ações destrutivas de uma sociedade industrial, numa cultura de
adoecimento e medicalização da saúde, pensar em saúde é buscar uma mudança de vida, de
visão, padrões e crenças, na saída da lógica competitiva que determina o padrão dominante.
Diante destes cenários de perigo, perda, separação, distanciamento, desconexão e des-
truição como participamos da cura do nosso planeta? Joanna Macy conta-nos da profecia de
Shambhala conforme ouviu de seu amigo e mestre Choegyal Rinpoche e na oralidade continua a
difundi-la, bem como na escrita que conta assim:
“chega um momento em que toda a vida na terra corre perigo. Erguem-se gran-
des poderes bárbaros. Embora esses poderes gastem suas riquezas preparando-se
para se aniquilar uns aos outros, têm muito em comum: armas de imaginável
poder de destruição e tecnologias que devastariam nosso mundo. Nesta era,
quando o futuro da vida senciente se encontra por um frágil fio, emerge o reino
de Shambhala. Você não pode ir até ele, pois não é um lugar; não é uma entidade
geopolítica. Ele existe nos corações e mentes dos guerreiros de Shambhala”
(MACY; BROWN, 2004, 85)
No enfrentamento da pandemia COVID-19, um grande luto planetário vivido com tantas
mortes pelas pessoas que morreram neste período, seja pelo covid-19 bem como por outras
questões de saúde, chegando neste momento de fragilidade humana tem um grande pesar sem as
despedidas e honras que são realizados nos ritos de passagem. Dos aspectos e impactos de uma
clausura de dentro fora de nossas próprias casas, as questões problemas que surgem, chegaram
com algumas partilhas trazendo visões de um limitador na perda de liberdade de ir e vir, bem
como de outras vozes com a visada de uma oportunidade de ir e vir para dentro de nós mesmos,
de um tempo de olhar e cuidar de si e das relações próximas que convivemos em nossos habitats.
Um limitador que nos abre oportunidade de reinvenção criativa de outros caminhos de ação em
nossas vidas, de conhecer e viver novas maneiras de habitar o mundo.
Os gueirreiros de Shambhala estão no mundo fazendo uma revolução silenciosa que
começa dentro de si mesmo em um autoconfronto de nossas ignorancias, na abertura ao aprender
e ao que é nos é essencial.
Muitos são os chamados que descobrem o véu da ilusão, retratam o mundo além dos
filtros de seleção de poder possam marcarar e convidam para atuar em uma outra lógica além do
paradigma dominante. Assim, em nosso caminhar com a questões ambientes continuamos nosso
percurso com a ecologia social a seguir, reconhecendo essa atuação desta lógica competitiva
Capítulo 4. Outono
106
nas relações bem como a abertura nos corações e mentes para a aprendizagem de uma dialógica
colaborativa de atuação em rede.
4.1.2 Ecologia Social
No século XX, conforme Leis (1999), a austeridade do pós-guerra tanto da primeira
como da segunda guerra mundial, culminou no desejo de abandono e substituição desta em
prosperidade associada ao consumo e teve no ambientalismo a projeção de ser uma nova
austeridade e com isto houve uma rejeição a esta corrente de pensamento ecológico. As várias
tentativas do engajado ambientalista americano Pinchot de politizar mundialmente a problemática
ambiental fracassaram (LEIS, 1999).
Nesta época, no âmbito das ciências sociais se assumem o comportamento de resposta
reativo, cético e anti-biologicista, para com o ambientalismo. Os problemas ambientais por um
bom tempo não conseguiram despertar o interesse dos cientistas sociais. Estes, conforme Leis
(1999), reagiram contra as teorias sociais com fundo biológico, afirmando que os fenômenos
sociais não poderiam ser explicados a luz das variáveis ambientais. Assim, as ciências sociais
tomaram uma direção antropocêntrica em resposta ao ambientalismo (LEIS, 1999).
O antropocentrismo em contraposição ao ambientalismo é tido como Paradigma Social
Dominante – PSD, funcional, tecnocentrista. em que se acredita na supremacia humana, no
crescimento contínuo e rejeita a escassez dos recursos naturais, situando-se nas correntes dos
acomodadores e cornucópia (NASCIMENTO, 2006; O’RIORDAN, 2000). Já no ecocentrismos a
crença se dá nos limites dos recursos naturais, defendem o crescimento zero e tem-se as correntes
da ecologia profunda, a ecologia espiritual, a ecologia social e o ecofeminismo na vertente
dos ambientalistas mais radicais e da tecnologia soft nos reformistas (NASCIMENTO, 2006;
O’RIORDAN, 2000). Destas polaridades emerge da convergência destes movimentos o desenvol-
vimento sustentável ou ecodesenvolvimento inicialmente trazido como um paradigma alternativo,
um caminho do meio. Segundo (SACHS, 2002) uma alternativa entre o PSD e o Ambientalismo
Radical, o ecodesenvolvimento é endógeno, auto-suficiente, orientado para as necessidades – e
não pelo mercado – em harmonia com a natureza. No entanto, o desenvolvimento sustentável e
a sustentabilidade também foram cooptados pelo mercado tornaram-se um imperativo da nova
ordem mundial, um diferencial competitivo da nova era de ecologização do capitalismo. E uma
nova miopa se instaurou, em querer ser o que não se sabe ser ou acreditar ser o que não se é, na
acelerada corrida de se manter ou ter novos ganhos de mercado.
Assim, as problemáticas socioambientais decorrentes de modelos de desenvolvimento,
relações de consumo e de estilos de vida humano ganharam adesão e notoriedade ao longo
do tempo na sociedade por correntes de movimentos ambientais e ambientalistas que mobili-
zaram pesquisas, articulações, projetos visíveis que se evidenciaram os caminhos e questões
insustentáveis que desencadearam uma crise de dimensões global.
Capítulo 4. Outono
107
Questões que visibilizaram esta crise como a degradação ambiental – capacidade do
ambiente sustentar a vida – causadas direta e indiretamente pelas ações antrópicas; mudança
climática, desigualdade social, crescimento populacional, consumo desenfreado, prática discrimi-
natória, condição indigna de trabalho, entre outras. Elas denotam essa perda de conexão humana,
do eu outro mundo.
Organizações internacionais foram criadas adotando as questões socioambientais em
suas vertentes de atuação. A criação da United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization – UNESCO em 1945 e a inclusão da proteção da natureza em suas sumulas,
impulsionou um ganho de notoriedade do ambientalismo, na realização de eventos de porte
global, e dos diálogos e articulações com organizações governamentais e não-governamentais.
Na década de 1960, tem-se a existência de um movimento de contracultura na contestação
de culturas dominantes, como no Hippie nos Estados Unidos, em defesa da paz, da liberdade,
do amor, da natureza, frente a hegemonia da guerra; a geração beatniks; os anarquistas; e
o punk na Inglaterra. Importantes movimentos para mudanças culturais, de comportamento,
de posicionamento frente a hegemonia de sistemas bem como de revalorização de práticas
tradicionais indígenas. Em 1962, em conexão com este movimento de buscar uma outra via
de viver a vida, houve o surgimento da ecovila e Fundação Findhorn, uma referencia em vida
comunitária e de baixo impacto ambiental, também nasce ali uma comunidade de práticas de um
bem viver na relação ser humano e natureza.
As mudanças pensadas em dimensões globais eram muitos desafiantes e ora pareciam
impossíveis de serem alcançadas dentro de diálogos e compromissos firmados ou recusados entre
países. A governabilidade no enfrentamento dos problemas globais socioambientais ultrapassava
a capacidade efetiva do Estado com seus impasses, e as questões ambientais avança no cenário
da sociedade civil mundial articulada. Emergindo através das Organizações Não-Governamentais
- ONGs ambientais emergentes – a exemplo da World Wide Fund for Nature - WWF em 1961 e
o Greenpeace em 1971– e nos movimentos sociais, que ganharam identidade representativa de
agentes institucionais atuando na promoção de ações de cunho ambientalistas em redes mundiais.
Em 1964 a ecologia social surge, com o seu propositor Murray Bookchin (2010), da
crítica a sociedade de consumo e os padrões de organização social do capitalismo e apresenta o
termo e seu pensamento ecológico social em um ideário libertário. Considerado um anarquista
com ideias radicais, ele fez severas criticas a ecologia profunda, ao desenvolvimento sustentável
entre outras perspectivas e correntes do movimento ecológico.
Murray Bookchin nasceu em 1921 no Bronx em Nova Iorque, filho de imigrantes russos
que militavam na organização sindical Industrial. Estudou engenharia eletrônica e trabalhou
como jornaleiro, estivador de ferrovia, como operário nas usinas siderúrgicas, engajando-se
na militância sindical e participando de movimentos pelos direitos civis, contra a intervenção
norte-americana no Vietnã, nas lutas de maio de 1968 em Paris. Dedicou-se a partir dos anos
de 1950 à questão ecológica, a problemas da contaminação dos alimentos por agrotóxicos, a
Capítulo 4. Outono
108
poluição radioativa participando de movimentos antinuclear, o uso de tecnologias apropriadas,
fontes renováveis de energia. Também lecionou na Alternative University e na City University
ambas em Nova York e tornou-se professor titular de teoria social.
A ecologia social proposta por Bookchin (2010)) norteia-se em um pensamento de ideais
democráticos e libertários. Ele aborda que os problemas ecológicos possuem raízes e estão
profundamente relacionados aos problemas sociais nas enormes desigualdades, hierarquias;
sendo que as relações humanas de dominação e exploração da natureza estão relacionadas as
próprias relações que estruturam as sociedades humanas no domínio dos sistemas políticos e
sociais hierarquizados de gerontocracias patriarcais.
Compreender esta inter-relação, entrelaçamento e interdependência das dimensões ecolo-
gicas é um desafio a ser visto. Considerando que a interface social na dinâmica dos empreendi-
mentos ambientais carece de maior atenção e entendimento destas estruturas, relações e sistemas.
Assim como há o desafio de manutenção da vida de espécies raras em extinção há também das
vidas humanas em busca de sobrevivência, em desempregos, fome, condições inadequadas e
ausência de moradia,entre outros aspectos.
Bookchin (2010) apresenta os conceitos como o de municipalismo libertário e grupos de
afinidade constituindo a sua proposta de ecologia social. Ele ressalta a importância de se estabe-
lecer estruturas sociais em relações que sejam fonte de liberdade, participação, solidariedade
e apoio mútuo, na organização descentralizada de uma sociedade democrática e orgânica na
ausência de hierarquias, em práticas de autogestão em formas participativas de base comunitária
e em uma natural divisão do trabalho, na utilização racional e repartição igualitária dos recursos.
O discurso das hierarquias simples, que atuam em escalonamento de poder e de rique-
zas foram definindo socialmente os países por este ponto de referência como alto ou baixo,
desenvolvidos ou subdesenvolvidos, persistindo como estratégia reativa e ofensiva de mercado
como instrumento de comando e controle. No desenvolvimentos destas desigualdasdes, para
dialogarmos com este discurso precisamos discorrer sobre o que é trabalho, poder e riqueza,
incluindo na relação que se tem com a ecologia social e a crise global.
O trabalho é a capacidade do homem de transformar a natureza e a sua prória vida. His-
toricamente ele assumiu diferentes formas, como o trabalho livre, servil, escravo e o assalariado.
Na condição vigente do trabalho assalariado a exploração do trabalho se dá na apropriação da
força de trabalho, na divisão desta em trabalho manual – voltado para a obediência e a submissão
– e o intelectual – para o poder decisório (DRUCK, 2000).É nessa apropriação e divisão da força
de trabalho que se dá a relação de dominação e a alienção do trabalho (DRUCK, 2000).
O capitalismo, no processo de trabalho e nos efeitos das novas tecnologias de produção
e de gestão da força de trabalho, vem sendo capaz de criar condições para a deterioração das
relações de trabalho em todos os sentidos. A crise do emprego fordista gerou o desemprego,
a precarização do trabalho, a subcontratação, o emprego parcial, temporário e sem registro;
Capítulo 4. Outono
109
perde-se paulatinamente os vínculos, estabilidade e segurança. A terceirização no trabalho é uma
violação aos direitos trabalhistas do indivíduo.
No plano das relações sociais, a educação se apresenta como um campo de disputa
hegemonica subordinada aos interesses do capital (FRIGOTO, 1998). No Brasil, a educação é
historicamente marcada pela submissão, perversa desde a colonização. A dualidade na educação,
a da formação escolar e a escola profissional, traz a tona a separação histórica que se deu na
relação da educação e o trabalho. A escola, como o trabalho intelectual, e a produção, como o
trabalho manual, revela uma relação separatista de classes na sociedade (SAVIANI, 2007). Para
compreender como a educação se tornou uma mercadoria que se compra é necessário analisar o
regime de produção capitalista.
O processo de alienação social e política dos homens, é fundamental para entender o
grau de exploração de uma sociedade, que não se veem como sujeitos, capazes de criar, produzir
e transformar a história. E a obra e vida de do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997)
firma-se nesse compromisso pela desalienação, humanização, pelo trabalho livre, na consciência
do opressor e do oprimido e na conquista da liberdade em um educação libertadora. Ele ressaltava
a necessidade de conscientização do Ser de si e do mundo, dos condicionamentos a se enfrentar,
dos inacabamentos que somos e da nossa contínua busca de nos inserirmos no mundo (FREIRE,
1996).
Da dialética neoliberal, em uma teoria antidiálógica da ação, ao caminho da dialógica
nas relações de trabalho, Freire (2014) aborda os níveis de consciência, da ingenuidade ao
desvelamento da realidade num exercício do pensar crítico na prática da ação e reflexão. Na
superação das divisões do trabalho manual e do intelectual “a conscientização como uma
característica desta forma de ação e a superação da semi-intransitividade e da ingenuidade pela
consciência critica das classes dominadas – sua consciência de classe".(FREIRE, 2014, p.67).
Os reflexos desta divisão social do trabalho bem conhecemos na realidade que vivemos,
em alta concentração de renda em uma minoria e uma maioria que resiste em baixíssima renda,
que busca caminhos de sobrevivência. A exclusão, a pobreza e outros questões impulsionaram a
criação de formas de organização contra as injustiças sociais existentes. A grande concentração
da população nos centros urbanos, não podendo esta ser absorvida pelo setor formal da economia,
produziu a fatalidade da exclusão do sistema formal de trabalho (TIRIBA, 1998). O governo e a
sociedade estimularam o auto-emprego e o cooperativismo como elementos para viabilizar o
ajuste do capital e conter o acirramento dos conflitos sociais gerados pelo desemprego (TIRIBA,
1998).
A posição de alguns ecologistas pos-desenvolvimentistas que criticaram o desenvolvi-
mento sustentável, defendem a necessidade de um novo caminho. A perspectiva anti-desenvolvimentista
prolifera no mundo impulsionando uma combinação de activismo local e de redes de activismo
global (SANTOS et al., 2002). A força na dimensão local, de ser local para ser global é uma
compreensão outra que ganha o movimento ecológico em sua busca e caminhar para o desenvol-
Capítulo 4. Outono
110
vimento sustentável. É a inversão das formas de atuação e gestão, tendo o modelo comunitário
contribuindo para a transformação do modelo societário.
As condições econômicas, políticas e sociais contemporâneas propiciaram o ressurgi-
mento do pensamento associativo e das práticas cooperativas. A discussão de experiências que
combinem as vantagens de mercado com as da produção solidária tem sido um dos focos de
criação de alternativas aos modelos econômicos (SANTOS, 2002). O desenvolvimento local está
associado, normalmente, a iniciativas inovadoras e mobilizadoras da coletividade, articulando as
potencialidades locais nas condições dadas pelo contexto (HAVERI, 1996).
Um dos caminhos dentro desta busca tem-se a economia solidária, que são iniciativas feita
pelos setores populares, como uma alternativa de sobrevivência frente ao desemprego nos centros
urbanos. As Organizações Econômicas Populares – OEPs, como iniciativas coletivas e solidárias,
podem representar os germes de uma nova cultura de trabalho, uma alternativa à crise do emprego,
onde poderia se torna viável a elaboração de um projeto nacional de desenvolvimento deste
novo setor da economia com base no interesses dos setores populares e de um projeto maior
de transformação da sociedade (TIRIBA, 1998). Ações ligadas ao desenvolvimento local como
Arranjos Produtivos Locais - APL e a economia solidária são essenciais para consecução deste
desafio,nas iniciativas coletivas, com vistas à desconcentração da produção no país.
Uma cidadania informada é essencial para a democratização do conhecimento territorial
e do seu desenvolvimento. A cidadania se dá no conhecimento, compreensão e apropriação
da realidade do espaço local onde se vive, e na participação ativa neste, como cidadãos e
profissionais, gerando uma dinâmica construtiva para o desenvolvimento deste território. E
a educação é um caminho para o desenvolvimento local, integrado e sustentável, atuando
numa estrutura de rede compromissada na geração de cidadãos ativos que contribuam para a
transformação da sua realidade (DOWBOR, 2006).
Estas questões de dominação, exploração, pobreza, alienação, exclusão, injustiça social,
submissão, violação, pensar na mutação destas na sociedade me faz pensar em cura. E a cura
neste contexto me chega com a compreensão como um processo sistêmico histórico, político,
social que precisa de um tempo para o seu acontecimento. Um tempo de respirar estas feridas
e de cicatrizar. De adormecer e acordar encontrando novas forças para prosseguir, naquilo que
lhe faz bem, traz alegrias, faz nascer sorrisos. E que nesta perspectivas há movimentos que se
ocupam com politicas e ações de recuperação, de reparação de danos, de valorização e inclusão
como formas de cuidado. Neste tempo em que nos transformamos para um agir outros dentro
das condições e situações que possam vir a se apresentar com clausuras ao nosso Ser e em nosso
viver.
Compreender a corência que inter-relaciona o modo de ser, pensar e fazer, traz para a
ecosofia social, a visão que Guattari (2012a) fala sobre o desenvolvimento de práticas efetivas de
experimentação que modifiquem maneiras de ser e na reconstrução de modalidades de ser-no-
grupo. Para Guattari (2012a, p.8) “o que está em questão é a maneira de viver daqui em diante no
Capítulo 4. Outono
111
planeta” e para a constituição do reequilíbrio ecológico planetário será necessário a modificação
nas maneiras de ser e viver.
Estes caminhos de referências se fortaleceram e com eles e outros que surgiram vieram as
aprendizagens de que seja no meio urbano ou rural, vinculado a um movimento ou comunidade
de prática, é no modo de ser e viver que vai se observando e encontrando possibilidades de
melhoria da qualidade de vida almejada. Então pode se observar ecologia na relação consigo
mesmo com o seu corpo, a sua casa, sua relação de consumo de produtos, a sua alimentação, sua
relação comunitária e de vizinhança, entre estas e outras relações de consumo, cuidado, afeto,
conexões em vínculos comunitários em cuidados com a manutenção da vida.
A teoria do capital humano afirma que o desenvolvimento de uma país está relacionado a
educação. Os individuos que tem acesso a educação tornam-se mais capacitados para o trabalho,
e o aumento da produtividade é visto como o aumento da riqueza do país (FRIGOTO, 1998).
Espaços de poder e competição alimentam desconfiança do fechamento do ser em si
mesmo e do isolamento; do poder como figura opressiva e brutal, que como traz (AGAMBEN,
2010), “separa os homens da sua potência e, desse modo, torna-os impotentes”. Essa afastamento
e distanciamentos nas relações podem ser observados também como fechamentos as relações, ao
encontro que nos provoca olharmos a nossas condições operantes e nos convida as aberturas a
mudanças.
A dialética sociocultural contemporânea se revela nos movimentos de encontro e distan-
ciamento. As tensões do binômio eu/ele ou nós/eles é tido como um dos problemas vitais cuja
separação das diferenças se dá pelo domínio e pelo poder de uns sobre os outros (GOERGEN,
2010). Essa relação de dominação e poder é a maior caracterização desta relação dialética, que
para a transformação requer uma mudança de mentalidade para que haja o respeito e a coabitação.
As implicações para a educação residem na transição de uma educação focada na identidade
eu – defasada com relação a essa nova realidade marcada pela coabitação das diferenças – para
uma identidade nós – atrelado ao conceito de alteridade como elemento constitutivo da própria
identidade/ do eu (GOERGEN, 2010). E a mudança se dá na passagem do paradigma monológico
para o dialógico. As três rupturas essências da modernidade são o estreitamento dos laços entre
cultura e comunicação, a coabitação dos valores e dos interesses, e a emergência da identidade
cultural coletiva como uma nova questão política (GOERGEN, 2010).
Para (FREIRE, 2014, p.109) é o diálogo que caracteriza a comunicação, sendo este:
“O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-
lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. [...] o diálogo se impõe como
caminho pelo o qual os homens ganham significação enquanto homens. Por
isto, o diálogo é uma exigência existencial. E se ele é o encontro em que se
solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não se pode reduzir-se a um ato de depositar-se
ideias de um sujeito no outro, nem tampouco torna-se simples troca de ideias a
serem consumidas pelos permutantes.”
Capítulo 4. Outono
112
Assim, o diálogo, como condição existencial de um caminho de transformação e hu-
manização do ser, além de ser um processo de troca de informações, é relação, é poesia. A
interpelação do outro é um espelho que dialoga em revelação. “E na riqueza de um diálogo
verdadeiro que se estabelece uma relação Eu-Tu, que tem como palavra princípio ‘entre’, pois é
a base de uma relação” (ZUBEN, 2004, p.31).
Freire (2014) aborda para o diálogo acontecer amor deve existir e assim é no amor que o
diálogo acontece de forma mais plena e em conexão com os sentimentos, pois “Não há diálogo,
porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronuncia do
mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo fundamento do
diálogo, o amor é, também, diálogo."(FREIRE, 2014, p.110) . Para (MATURANA; EMOÇÕES,
1998), a origem humana é no amor e o seu sofrimento é oriundo da negação do amor. O amor é o
reconhecimento do outro como um legítimo outro na convivência e aceitação disto é o que se dá
uma conduta de respeito.
A integração do ser aí consigo, com o outro e com o mundo tem movimentos expressivos
de uma política ecológica que demarca a sua atenção no relacionar dialógico no cotidiano
humano em um caminhar mais harmonioso. A relação cuidadosa em práticas sistêmicas que se
ocupe com ações efetivas e afetivas que promomvem a saúde e o bem estar dos ecossistemas
são aprendizagens que se constroem no relacionar. Os conflitos surgem no relacionar para o que
precisa ser visto, como ponto de partida que o encontro nos possibilta para uma mudança de
mentalidade e transformação.
4.1.3 Ecologia Mental/Espiritual
O desenvolvimento da consciência ecológica da comunidade humana era e continua
sendo uma aclamação dos ambientalistas. O pedido é da mudança do Ser, de atitude reativa que
deixa o dano acontecer e age para correção dos mesmos. O chamado para atitudes cuidadosas
de conservação, preservação e antecipação na relação com a vida, com os aspectos e impactos
ambientais, no exercício da cidadania individual e coletiva em práticas ecologicamente corretas,
socialmente justas e economicamente viáveis. Um querer fortalecido em atitudes que reflitam
o desenvolvimento da consciência deste Eu-ecológico que de acordo Neto (2006), “é esse
Eu-ecológico o que no e pelo homem toma conhecimento de si”.
A essência da verdadeira ecologia para (HARLAND; KEEPIN, 2016, p.15) é "nos
darmos conta da nossa unidade com a Teia da Vida, não apenas como um aspecto da ciência de
sistemas ou como entendimento da ecologia aplicada, mas como conhecimento autentico, como
consciência”. Assim, essa unidade como interdependentes que somos e em nossas singulares
tecemos essa teia, da qual ressaltamos que esta reinvenção não é só de conhecimento, “mas
também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em sapiência,
e da incorporação dessa sapiência para toda a vida. (MORIN, 2017, p.47). Assim, a “educação
deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a
Capítulo 4. Outono
113
viver) e ensinar como se tornar cidadão.” (MORIN, 2017, p.65).
A educação nos ensina a viver a prosa e a poesia da vida assumindo a nossa condição
humana, transformando informação em conhecimento, tendo como imperativa o desenvolvimento
da aptidão de contextualizar e globalizar (MORIN, 2017). Também aborda que os problemas
particulares só podem ser pensados e posicionados em seus contextos, sendo os contextos destes
problemas posicionados em perspectiva planetária; posto que “é uma necessidade cognitiva
inserir um conhecimento particular em seu contexto e situá-lo em seu conjunto."(MORIN, 2017,
p.24). A capacidade de contextualizar, englobar, integrar e articular saberes é uma aptidão a ser
desenvolvida pela mente; e tende “a produzir a emergência de um pensamento “ecologizante”
no sentido em que situa todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação de
inseparabilidade com seu meio ambiente."(MORIN, 2017, p.24-25).
Tomar consciência de si é um processo de cura e um caminho para viver de forma
consciente. Consciência de nossa constituição corpórea, da nossa essência, de nossa subjetividade.
Nesta ecologia Guattari (2012a, p.17) destaca a subjetividade humana e reinvenção da relação do
sujeito com o corpo, onde “indivíduo-grupo-máquina-trocas múltiplas, que oferecem à pessoa
possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade existencial, de sair dos seus impasses
repetitivos e, de alguma forma, de se ressingularizar”.
Essa reterritorialização dos corpos, a compreensão de que a gente vai criando e mode-
lando nossos corpos com nossas relações de cuidado, na relação dentro e fora do corpo ambiente,
suscita a autoresponsabilidade neste processo criador de reivenção e recomposicação dos corpos
na relação consciente do Ser com eles. Esses corpos são trazidos na Tabela 2 na sua constituição
matéria e energia, individual e coletivo.
A compreensão do engenheiro, professor e monge Azevedo (1995) da ecologia mental
se dá a partir dos seus conhecimentos já com as experiências com a médica psiquiatrica Dra
Nise da Silveira (1905-1999) no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro e do Museu do
Inconsciente, onde ele mergulha em Jung; nas tradições indianas da teosofia, o budismo e o
tantra. Com a yoga dos três segredos – o pensamento, a palavra e a ação – traz os níveis de
manifestação da força cósmica, onde através destes o indivíduo se integra ao todo.
Azevedo (1995) considera que a poluição mental é emissão de formas de pensamentos
que projetamos quando pensamos, expelidos no inconsciente coletivo – também conhecido como
algo novo e inesperado, mente universal, plano manásico, plano mental ou psicoatmosfera –
como fumaças ou dejetos psíquicos, sem nenhum tratamento prévio, nos impregnando como
uma infecção psíquica quando perdemos o autocontrole. Este autor visualiza que cada ser pode
ser uma estação individual, bem como atuar em estações coletivas de tratamento na limpeza das
impurezas do inconsciente coletivo e se tornar um centro de paz atuando na purificação deste.
Assim, é importante observar a energia que traz o pensamento e a palavra e o seu poder
de criação desconstrução na ação, de como agimos movidos pela energia que se manifesta em
Capítulo 4. Outono
114
Tabela 3 – Níveis de consciência do ser.
Fonte: Baseado em Ácarya (2008) e Ken Wilber (1991).
CORPO
CAMADA
FUNÇÕES/ ESTADO CARACTERÍSTICA
MENTE
Corpo Físico Externa, mais Funções do corpo regida Pele, músculo, estrutura
ou Mente Ma- densa. Soma. pelas glândulas endócri- óssea, coração, cérebro
téria
Dimensão fisioló- nas, pineal. Interação psi- e todos os órgão do ser
gica.
comotora. Estado de vigí- constituídos de matéria e
lia. Recepção, instinto e energia.
expressão.
Corpo Emocio- Do desejo e da Percepção e ação pelos Instintos de sobrevivên-
nal ou Mente vontade. Dimen- órgãos sensoriais e moto- cia, preservação e repro-
Consciente são psicológica res gerando desejo e/ou dução. Formulações men-
subjetiva.
aversão.
tais.
Corpo eté- Elaboração dos Capta, absorve, armazena Pensamento profundo ou
reo inferior pensamentos. e recupera informações. reflexivo, e as memórias
ou Mente Dimensão psico- Ação de sonhar. Acesso cerebral e a extracerebral
Subconsciente lógica subjetiva. ao inconsciente.
(mente).
Corpo etéreo Da intuição ou da Receptáculo infinito do Insights criativos, sonhos
superior ou mente cósmica su- conhecimento atemporal intuitivos, percepção
Mente Super- pramental.
extra-sensorial
consciente
Mente Subli- Discernimento e Distingue o transitório do Concentração plena. De-
minar
desapego. Trans- permanente, transcendên- senvolvimento da genero-
cendência.
cia do apego. Estado me- sidade, humildade, paci-
ditativo.
ência.
Mente causa Reino dourado da Mente sutilmente diri- Manifestação do amor in-
sutil
mente. Quinta di- gida ao infinito. Proximi- condicional. Ignorância e
mensão.
dade com o Ser infinito a ilusão são dissipadas da
interior.
mente.
Corpo Espiri- Sutil e imaterial Unicidade. Totalidade. Consciência da unidade
tual ou Mente do ser. Dimensão Interdependência. Estado e comunhão. Mundo das
Espírito
ontológica.
de silêncio.
formas sem formas.
Capítulo 4. Outono
115
pensamento e ganha corpo na palavras e expressão na voz.
A mente, conforme Bateson (1979, p.100), é um agregado de componentes que interagem
acionados pela diferença, “e a diferença é um fenômeno não substancial que não é localizado
nem no tempo; a diferença está mais relacionada com a negentropia e entropia do que com a
energia”.
Na esfera mental, há as camadas de pensamento da mente e também acontecem as
interações mentais. Bateson (1979) aborda a relação mente e natureza, do que ele denomina
com mundo dos viventes e não viventes, senda que esta é apresentada como um metapadrão de
conexões que interagem com uma dança, conforme a figura 9 abaixo:
Figura 9 – Bateson
Fonte: (BATESON, 1979)
Sim, é (in)visível e observável uma estética presente nas formas e padrões da natureza,
assimétricos e não-assimétricos, como os fenômenos dos fractais, a espiral de Fibonacci, a flor
da vida, uma geometria sagrada que com sensibilidade é possível perceber estas conexões de
padrão que nos une.
Esse padrão de padrão também é ressaltado por Croft (2012, p.15-16) quando se refere a
sabedoria em grupos e indivíduos, que pode ser manifesta como um insght, um ahá, do que ele
se refere como inteligência coletiva; sendo que a "Inteligência não é uma ‘coisa’ que reside em
nossas cabeças. Ao contrário, é um processo de fluxo que nos une como nós temporários com o
mundo e liga o mundo de volta a nós."
Também há de se ressaltar que um fenômeno mental se dá na organização e interação de
partes múltiplas diferenciadas, sendo a abdução uma descrição dupla ou múltipla de componentes
abstratos ou eventos (BATESON, 1979).Na esfera mental humana pode-se exemplificar a abdução
como a metáfora, o sonho, a parábola, a alegoria; toda a arte, ciência e religião; toda a poesia
que nos conecta com este ambiente simbólico com a noosfera.
A noosfera é uma noologia destinada ao âmbito do mundo vivo, virtual, imaginário e
imaterial, constituído de informações, representações, conceitos, teorias, filosofias, idéias, mitos,
deuses, fantasmas, sonhos, que gozam de uma relativa autonomia, que ganham consistência e
Capítulo 4. Outono
116
poder quando alimentados por nossas crenças ou fé (MORIN, 2017). Ela é “constituída pela
conjunto de fenômenos ditos espirituais [. . . ] Não são coisas do espírito. Eles são a vida do
espírito” (MORIN, 2016, p.405). A noosfera “é uma duplicação transformadora e transfiguradora
do real que recobre o real e parece se confundir com ele. [. . . ] As entidades da noosfera
reproduzem-se nos espíritos através da educação” (MORIN, 2012, p.45)
No pensamento ecologizante de (MORIN, 2016, p.260) que se fortalece a Ecologia de si,
onde a ideia de si está constelada e ligada a um processo produtor recursivo que “com a vida, o si
se torna produtor-de-si (ciclo das reproduções) e, nos seres individuais, o si cede lugar aos autos:
autoorganização, autoprodução, autorreferência, e o Eu surge a partir deste processo.”. Pelo
circuito recursivo, a produção e reprodução de si mesmo emerge uma nova realidade, se concebe
consciência humana, tendo o si como fonte que brota os auto do ser, como auto-eco-organização
(MORIN, 2016).
4.1.4 Ecologia Cibernética/Digital
Esta ecologia abre algumas perspectivas de diálogos para nossa reflexividade na perspec-
tiva do que mente humana se colocou nesta criação e relação tecnológica, da relação ser humano
e as máquinas, das virtualidades e a comunicação, do real e do imaginário, entre outras.
Para Freire (2014) a tecnologia além de necessária se constitui no desenvolvimento
dos seres humanos. No entanto, "A tecnologia deixa de ser percebida como uma das grandes
expressões da criatividade humana e passa a ser tomada como uma espécie de nova divindade a
que se cultua."(FREIRE, 2014, p.68).
E a tentativas de alienação e controle de pela via da ciência e tecnologia revelaram uma
"“sociedade massificada” aparece muito mais tarde: nas sociedades altamente tecnologizadas,
absorvidas pelo mito do consumo. Nestas sociedades, a especialização necessária se transforma
em “especialismo” alienante e a razão se distorce em “irracionalismo”". (FREIRE, 2014, p.68).
Dos desafios de alienação, massificação e irracionalismo exposto, Sokolowski (2004,
p.11)alerta também que "Um dos perigos com o qual nos deparamos é que com a expansão
tecnológica de imagens e palavras tudo parece se reduzir a meras aparências."
Na interação entre homem e natureza, Nicolescu (1999) aborda a construção de uma
tecno-Natureza que se desenvolve em coexistência com os processos cósmicos, em vias de
informação também com a realidade virtual, em que ele introduz a denominação nova de
"Espaço-Tempo Cibernético (ECT) para designar o espaço informático em seu todo, este espaço
que está envolvendo a Terra inteira."(NICOLESCU, 1999, p.85).
Nicolescu (1999) aborda que o ECT é um novo nível de realidade natural - cuja origem
se dá no mundo quântico - bem como articial e de natureza materialista e esclarece que:
“O Espaço–Tempo Cibernético não é nem determinista nem indeterminista.
Capítulo 4. Outono
117
Ele é o espaço de escolha humana. Na medida em que o ETC permite que a
noção de níveis de Realidade e da lógica do terceiro incluído seja colocada em
jogo, ele é potencialmente um espaço transcultural, transnacional e transpolí-
tico.”(NICOLESCU, 1999, p.92)
Guattari (2012b) aborda o movimento de rejeição que emergiu com as inovações tecno-
lógicas, no entanto ele reconhece as duas vertentes de ação, atuando para o que há de melhor e o
de pior coexistindo. E aqui enxergamos este espaço de pensar as relações que construímos nestas
virtualidades e do que potencializamos.
Em sua visada ele diz que "as máquinas tecnológicas de informação e comunicação
operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das sua memórias, da sua
inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes
(GUATTARI, 2012b, p.14)
Assim, (GUATTARI, 2012b, p.17) continua abordando este caminho que opera com as
tecnologias, com o computador, com a comunicação que se cria neste espaço digital "a exploração
processual das "singularidades"dos acontecimentos, enfim tudo aquilo que pode contribuir
para a criação de uma relação autêntica com o outro.". E com isto, continua Guattari (2012b)
também se oferece com esta constituição indivíduo máquina a possibilidade de recomposição e
ressingularização de uma corporeidade existencial em uma dinâmica entre os afetos partilháveis
e os não-partilháveis.
4.2 Reflexões em percurso
Na ecologia ambiental navegamos em um mar de tensão necessário de ser evidenciado
de questões da emergência planetária que precisam ser dialogadas e praticadas novas rotas
de mudança do percurso da humanidade. Assim, todo este movimento de contração – da dor,
do sofrimento e do adoecimento – como corpo ambiente em desequilíbrio, tem o o intuito de
conscientização de uma rota de coalização destrutiva que a humanidade caminha. Esse chamado
do despertar e de mudança em novos horizontes de aprendizagens, da regenaração dos processos
naturais dos ecossistemas, biomas e biosfera indo nas causas da degradação ecológica, é uma
abertura as sabedorias que nos possibilitem a nossa reinvenção em um viver harmonioso e em
equilíbrio ecossistêmico.
A ecologia social, navegando entre a dialética à dialógica, a busca de maneiras de
harmoniosas de viver e trabalhar, coletiva e colaborativamente que tenha o cuidado como eixo
norteador das relações. A ecologia social se faz na relação eu-outro, na consciência das questões
sociais afeitas às relações de convivência e de trabalhar juntos. Das maneiras de viver e trabalhar
em conjunto, a conscientização das relações de dominação e a busca de um ideário libertário nos
move a reinventar maneiras harmoniosas de viver.
Na ecologia mental/espiritual tomamos conhecimento de si mesmo como autêntico
Capítulo 4. Outono
118
conhecimento, como consciência que assumimos nossa condição humana, a nossa constituição
corpórea e a reinvenção de nossa relação com o corpo. A nossa subjetividade, a relação mente
natureza, com os fenômenos do espírito vamos encontrando em processo produtor recursivo
caminhos de auto-eco-organização em que produzimos conhecimento de si mesmo.
E com a ecologia cibérnetica/ digital estamos no caminho com o aprender nos recompor
e ressingularizar com a subjetividade humano com este Espaço-Tempo Cibernético.
119
5 Inverno
Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas
vem para o mundo, e retorna. . .
Cecília Meireles, Solidão.
O inverno é tempo de nos voltarmos mais ainda para dentro, uma interioridade de
reconexão com a nossa casa, nossa morada. Essa interiorização que difere do outono, revela como
é possível ir mais profundamente para dentro de si. É nesse aprofundamento que sustentamos as
nossas possibilidades de mudanças, com uma base de sustentação interior, nos fortalecemos nos
enfrentamos com maior abertura para com as questões que temos mais dificuldade de lidar.
Momentos de recolhimento são marcos na história como o advento da descoberta da
agricultura, possibilitando o sedentarismo e a formação de comunidades. E recolhidos também
contaram suas histórias, como a autobiografia de Henry David Thoreau (1817-1862) que em
seu livro Waden relatou o seu retiro para viver no bosque compartilhando os seus vividos, as
habilidades que desenvolveu e as aprendizagens que adquiriu em seu isolamento.
Esse reclusão é um chamado para neste momento cuidar do que nos é essencial, e por
isso é preciso primeiro compreender, o que de fato nos é essencial? A vida do planeta, a vida de
todos os seres e de todas as vidas e não-vida, a extinção ao longos dos anos das espécies, perda
de biodiversidade, entre outras gritantes problemáticas que a ecologia traz ao mundo afirmando
o colapso que estamos vivendo. Assim, é um tempo de olhar com amorosidade para tudo que
nos acolhe e sustenta dando base e chão para trilharmos nossas jornadas, nosso ninho de nossas
familias e comunidades em que pertecemos; as nossas casas aonde residimos, as moradas do
nosso ser, os nossos corpos e a nossa Terra.
Um firme propósito com a mudança que queremos ser e viver nos fortalece em permane-
cer em práticas e hábitos que reconhecemos o bem estar e vitalidade que nos proporciona, bem
como a abertura em dar novos passos em caminhos que nos aqueça em alegria, tranquilidade e
amor. A esperança, em tempo que urge o cuidado, da vida vivida em paz, é a sabedoria que nos
traz a poliética do oikos e êthos integrado, da ecologia de si que cada ser aí no mundo-da-vida há
de descobrir em sua jornada.
Reconhecer os frutos de nossa jornada nos fortalece neste auto-confronto, em nossas
Capítulo 5. Inverno
120
mudanças e nos novos passos que queremos dar. As transformações que vivenciamos, as apren-
dizagens adquiridas ao longo da vida em nosso amadurecimento, alegrias e desafios, observar
estes e outros aspectos de nossa (auto)biografia trazem visadas à questões existenciais.
Assim, também é tempo de organizar as sementes da mudança de um novo amanhã, de
uma nova primavera. Trabalhar e fortalecer bem o solo para um vindouro plantio. Tomando a vida
nas próprias mãos, em autocuidado e autoresponsabilidade, vamos nos desvendando em nossos
tempos de amadurecimento e nas possibilidades de nosso autodesenvolvimento. Os principios
norteadores do inverno são: a vida tem seus ritmos e viver ritmicamente nos fortalece; o campo
as conexões ocultas soma em sintonias; e a história que cura é a nossa, que nos contamos quando
nos revisitamos.
5.1 Ecologia de Si
A ecologia de si é o caminho próprio e apropriado que nos conduz de volta para casa.
Um caminho de cura e reconexão humana, de existir e resistir criativamente aos desafios da
jornada, de reconhecimento e aceitação de quem somos, e integração com a natureza cósmica
Una, na jornada de aprendizagens recursivas em inter-relações sistêmicas com a saúde-doença-
cuidado-cura.
É uma trilha de aprendizagem de como cuidar da sua própria casa, dos seus pensamentos,
sentimentos e das atitudes; no desenvolvimento de um olhar atencioso e um ver com clareza,
de uma escuta profunda e empática, de uma fala amorosa e carismática, no uso cuidadoso de
palavras que criam realidades, bem como do espaço de silêncio necessário, da consciência de
movimento e equilíbrio da vida como nos colocamos neste ritmo em (não)ação, em nossas
apreensões e compreensões.
Quanto mais nos aproximamos da ecologia de si mais ela se revela. Na Tabela 3 esta
construção se dá com as compreensões dos acontecimentos em si mesmo. Em uma lógica outra
sutil que se revela em um instante uma possibilidade consciência manifesta. E esse caminhar
em abertura ao aprender em presença ilumina a nossa trilha e a nossa jornada, como atitude
aprendente a claridade de ver e se relacionar com o mundo da vida, com todos os "doze"sentidos
nos diferentes níveis de percepção e realidade.
Em caminho que é muito próprio a cada ser em sua existência tece suas aprendizagens
com os seus percursos, laços e elos de afeto das relações, do encontros miragens e paisagens
se revelam em interação do eu outro. Apropriarmos de nós mesmos, tomarmo-nos em nossos
cuidados, acessar esse retrato do que nos constituímos, do eu sou do que nós somos em nossas
trajetórias, em nossas ações e nos nossos sonhos. Nesse centramento que mergulhamos em
profundidade em nosso Ser, no silêncio que nos reencontramos, em nossos inacabamentos, com
que o nosso ritmo singular que nos movemos com o mundo a brilhar como estrelas que somos
na luz da consciência divina que habita em nós.
Capítulo 5. Inverno
121
Assim, na consciência de si que seguimos em performance e em autoescritura quero
evidenciar que as lembranças que vieram a tona nesta escrita não foram selecionadas e escolhidas,
elas surgiram no fluir da escrita e assim se fizeram presentes na trajetória em escritura.
5.1.1 A vida começa antes do nascimento
Estou aqui para lhe contar uma história. Não é uma história qualquer, pois toda história
compromissada com sua verdade é uma vida de tantas vidas que se expressa. E esta história
vivida é uma das histórias minha de vida que se encontra com muitas vidas e se entrelaçam em
tantas outras histórias.
A vida começa antes do nascimento assim disse Leboyer (1976) e em concordância com
este pensamento é que situo o limiar em que começo a contar esta história. Da eternidade em
que viemos e retornamos, a chegada nesta existência em que trago a minha primavera, se dá no
encontro de duas vidas, pai e mãe, e deste a origem filha.
Minha ancestralidade, a bisavô materna, a descendência portuguesa; e do pai de nosso
avô materno a francesa, em que com a geração do nosso avô houve uma mudança de registro feita
pelo próprio cartório no Brasil ao registrar seus filhos que não considerou o sobrenome Lígia
alterando para Lins a todas as gerações por seguinte da família, um sobrenome mais próximo
considerado em uso no Brasil. A minha avó materna Hilette do Carmo Mendonça, nascida em
1923 na Rua da Ribeira na cidade do Salvador, teve dois casamentos e onze filhos nascidos
em casa com parteira. Do primeiro casamento, o marido fugiu e levou embora suas duas filhas
indo para o Rio de Janeiro. Do segundo casamento, teve alguns filhos não nascidos de aborto
espontâneo e dos nascidos em 1957 nasceu minha mãe.
De meus avós paternos, residentes no Iapi, tive pouco contato, guardo a lembrança da
voz mansa de minha avó Alzira Leal, pouco falava com palavras e muito dizia com seu olhar,
seu sorriso e ar de afetuoso de calmaria que ela trazia. Ambas as famílias de origem pobre, de
numerosos filhos.
Minha mãe cresceu no alicerce da familia e cumplicidade com seus irmãos, assim voltada
para a familia como referência de mundo e dos seus laços de amizade. Não chegou a concluir
o primeiro grau. Meu pai, também de família soteropolitana, nascido em Salvador em 1951, é
o retrato do nordestino que sai do seu habitat para buscar a mudança de vida em São Paulo e
retoma sua cidade natal buscando novas perspectivas. Com pouca instrução só entrou na escola
quando ele mesmo foi se matricular e chegou a cursar o segundo grau incompleto. Desde jovem
era maçom, e foi casado e teve um casal de filhos.
Meu pai conheceu minha mãe no trabalho e se apaixonou por ela e juntos constituíram
este elo de relação que é a minha família de origem. A chegada de minha irmã, no primeiro
parto de minha mãe, foi bem delicado para ambas. Minha irmã teve alta primeiro e foi para casa
sendo cuidada por minha avó materna enquanto minha mãe ainda permaneceu hospitalizada
Capítulo 5. Inverno
122
Tabela 4 – Ecologia de Si.
Estações
Primavera
Verão
Significado
É o começo
da jornada de
florescimento
humano no
movimento
de abertura
de horizontes
no aprender,
como numa
primeira fase
da vida.
Nosso desen-
volvimento
na jornada,
nas aberturas,
e expansões
que nos
relacionamos
nos cuidados
com a vida
em beleza,
sensibilidade,
vitalidade,
harmonia e
alegria.
Tema da tese Práticas
Disciplina
Fenomenologia Epistemologia EDCA 86
Teoriação Po- do Educar Metodologia
lilógica
Próprio e e Análise dos
Autoescri- Apropriado Processos
tura do Eu Biografia
Cognitivos.
Abordagem Narrativa
EDCA 88
Somático- Dança-teatro Sistemas
Performativa Movimento de repre-
Autêntico sentação
Análise La- do conhe-
ban/Bartenieff cimento
de Movi- EDCB05
mento
Natureza da
Criatividade.
TEA 794 La-
boratório de
Performance.
Comunidades Design de EDCA 92
de Aprendiza- Ecovilas
Criação e
gem Grande Educação Difusão do
Virada Eco- Gaia, Per- Conheci-
vilas Dragon macultura, mento para
Dreaming
Compos-
a Inovação
Cidades em tagem e Tecnológica
Transição
minhocário, ADMF18
Comunicação Produção – Desen-
Não- Vio- local e or- volvimento
lenta Hortas gânica de Sustentável
Urbanas
alimentos, Bi- HACA50 Ra-
Comunitárias oconstrução, cionalidades
Medicinas Pinakarri, em saúde:
tradicionais Captação
sistemas
Ayurveda, empoderada médicos
Chinesa,
de recur- e práticas
Indígena
sos, Hortas alternativas
Xamânica
Comunitá- EDCC50
ou
Não- rias, Trilhas TE- Filosofia
Xamânica, Ecológicas, Contemporâ-
Antroposofia Economia nea: a pers-
Racionalida- Solidária, pectiva latino-
des médicas Dança Circu- americana
PICS
lar Sagrada,
Princípios
Abertura do
ser em pre-
sença ao que
se vive em co-
presença..
Entre e além
das dúvidas,
desejos, pos-
sibilidades e
incertezas a
vida flui em
movimento.
Aprender a
ser comuni-
dade local faz
a presença
humana
global.
Bem estar vi-
vido é parti-
lhado.
O tempo
de espera é
um tempo
de aconteci-
mento.
A cura é uma
aprendiza-
gem histórica
e coletiva.
Capítulo 5. Inverno
123
Estações
Outono
Inverno
Significado Tema da tese Práticas
Disciplina
Ecopsicologia,
Transição
Interior,
Trilhas Edu-
cativas, Yoga
Massagem
Ayurvé-
dica, Yoga,
Shantala.,
Acupuntura,
Fitoterapia,
Ayahuasca
Movimento Ecologia
Ecologia pro-
de mudança, e cuidado funda e super-
adapta-
Ecologia
ficial Econo-
bilidade,
Ambiental mia Solidária
transfor-
Ecologia
Yoga dos três
mações e Social Eco- segredos Inte-
renovações logia Mental ligência cole-
que abrem Ecologia
tiva
outros espa- Cibernética
ços dentro
de espaço já
navegados.
Tempo/espaço O começo Balé, teatro, EDCB15
de concen- da vida e o circo banho Estágio Su-
tração,
nascimento de assento pervisionado
recolhimento A infância A e banhos de ADMF66 Me-
na interio- puberdade e a folha Be one todologias
rização em adolescência Yoga, medi- Não Conven-
contração A vida adulta tação, Yoga cionais em
nos voltamos e o fio de Massagem Gestão.
num mergu- atuação no Ayurvédica, TEA 94 Labo-
lho profundo mundo Tornar- Shantala,
ratório de Per-
em nosso ser se mulher A mantras
formance
e em nossas maternidade Divya Samaj TEA A66
relações, na
Nirman, , Re- Poéticas
celebração
consagração Holísticas em
das nossas
do ventre, Movimento.
realizações
em nossa
jornada.
Princípios
Integralidade
cósmica na
relação ser
natureza.
O Cuidado
sensível
vive e vivo
nas nossas
relações e
ações.
A vida tem
seus ritmos e
viver ritmica-
mente nos for-
talece.
Em campo
as conexões
ocultas soma
em sintonias.
A história que
cura é a nossa,
que nos con-
tamos quando
nos revisita-
mos.
Capítulo 5. Inverno
124
Estações Significado
Tema da tese
Práticas
dança circu-
lar sagrada,
medicinas da
floresta do
rapé, tabaco,
sananga e da
ayahuasca.
Movimento
autêntico,
performance
Disciplina
HACA50 Ra-
cionalidades
em saúde:
sistemas
médicos
e práticas
alternativas
Princípios
por um tempo. A diferença de idade entre eu e minha irmã é de um ano e quatro meses. Com
a minha gestação minha mãe ainda trazia as memórias dos medos que viveu desta experiência
traumatizante. Na minha vida intrauterina vivi a transição de meus pais que são de Salvador e
com três meses de minha gestação se mudaram para Manaus por conta de uma gerência que meu
pai havia assumido no trabalho.
5.1.2 O nascimento
Talvez um nome seja só um nome, uma data seja só um data, um local seja assim também.
Na senda desta história o nome, a data e o local contam a história de um ser em um sua trajetória
e constitui o ser na história.
Era 1981 e o Brasil vivia ainda no regime de ditadura militar com o Presidente João
Figueiredo foi o último governante que marca o fim deste período. No verão do dia dois de
marco de 1981, era época de carnaval no Brasil, no estado do Amazonas na cidade de Manaus as
10h10 da manhã, na comarca de Manaus eu nasci nesta existência.
Minha mãe escolheu o nome da primeira filha, e ela e meu pai combinaram que meu pai
escolheria se tivesse outra criança. Meu papai pensou os possíveis nome para minha pessoa em
Judy Mila, Ludmila mas mãe disse ainda não ser estes. Então, ele surgiu com Priscylla, escrito
dessa forma rebuscada com y, e dois ll, traz esse nome como uma ligação de Elvis, homenagem
ao rei do rock, de sua ex-esposa, a Priscilla Presley. Meus pais ao assistirem a um filme sobre a
vida do artista Elvis Presley, que já eram fãs e ouviu mamãe falar que gostou muito da postura
da Priscilla e então assim inspirados escolheram Priscylla para me nomear nesta existência.
Estas informações são suficientes para gerar um mapa astrológico que dirá do momento
em que nasci que além do Sol, meu signo regente, Vênus e Marte também são em Peixes; a
Lua, o lado emocional, em Capricórnio, ascendente em Touro e descendente em escorpião,
entre outras conjunturas revelando maior predominância dos elementos ar e água. Essa relação
astrológica fala da influencia dos astros na vida, na forma como nós relacionamos no mundo, da
personalidade, temperamentos entre outros aspectos que revelam mais de nossa natureza.
Capítulo 5. Inverno
125
Nascer em Manaus neste momento de mudança de meus pais, distante de seus familiares
e construindo algo novo em um lugar até então desconhecido para eles, é o contexto de minha
chegada. O parto foi uma cesariana, minha mãe relata que nem sentiu contrações. E ao contrário
de sua primeira experiência foi um parto tranquilo para ela, que no dia seguinte já estava a
caminhar pelo hospital. Eu nasci com um sinal no cóccix, esse sinal herdei de minha avó materna.
Ela em vida tinha esse sinal no cóccix e na cervical, alguns filhos e netos herdaram o sinal.
Também nasci com dois sinais no olho direito, porém este não foi herança familiar.
5.1.3 Nos passos da primeira infância
Meu pai trabalhava na área de vendas para o nosso sustento e minha mãe muito cuidadosa
vivia neste momento em plena dedicação para com as filhas e a casa. Muito zelosa com a higiene
e limpeza lavava a mão todas nossas roupas e fraldas, que naquela época usava fraldas de pano
limpava bem diariamente a casa, alimentos. Me amamentou até os três meses, disse que o seu
leite secou. Moramos em Manaus por dois anos e neste tempo tínhamos uma boa condição
financeira estável. Teve ajuda de uma das irmãs de meu pai que morou por um breve tempo com
a nossa familia com a minha chegada.
Minha mãe me arrumava muito com shorts e blusas, com roupas parecendo um menino,
o que não fazia com minha irmã, e estimulava muito a minha aproximação com meu pai.
Figura 10 – Eu criança em Manaus
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Estando em Manaus ficamos distanciados das familias de origem de meus pais, pois para
chegar em Manaus só de barco ou de avião. Minha mãe sentia saudades de sua família, queria
estar mais próxima e a pedido meu pai pediu ao seu chefe transferência para um local mais
próximo de Salvador e assim que ele foi transferido. E nós seguimos do norte do Brasil para o
Capítulo 5. Inverno
126
Nordeste, nos mudamos para morar em Fortaleza, onde passamos mais dois anos. Lá minha avó
materna foi nos visitar para alegria de minha mãe.
Eu, quando penso em alegria e felicidade nesta fase da vida a lembrança que me chega da
infância é a dança em família e nos momentos que ela surgiu quando morávamos em Fortaleza.
De dançarmos todos soltos cada um com seu movimento ou fazendo juntos o mesmo movimento,
ver meus pais dançando, de minha mãe dançar sobre os pés de meu pai e eu e minha irmã
fazermos o mesmo. Da alegria de estar em casa, com dança, música e família. Esses pés que
dançavam soltos em casa eram os mesmos pés que saiam em botas pretas fechadas e pesadas nas
ruas. Pisava torto e vivia caindo bastante o que me levou a anos de botas, tênis ortopédicos.
A mudança para Fortaleza foi bem desafiante para meu pai a empresa já tinha muitos
problemas insustentáveis e acabou fechando e com isso meus pais voltaram para Salvador.
Moramos na Vila Laura em Brotas durante dois anos, meu pai ficou desempregado neste período,
não conseguiu uma recolocação de um trabalho fixo de carteira assinada e fez várias ações
pontuais de vendas e fazendo biscate. Essa situação de sair de um cargo de chefia para não ter
uma segurança e uma garantia no trabalho, com filhos para criar e esposa mexeu com meu pai,
destabilizou ele emocionalmente e contribuiu para o seu adoecimento profundo. O casamento
perdeu as suas forças, meus pais se separam por um ano.
Eu e minha irmã fomos com nossa mãe morar com nossa avó materna que morava com
mais dois de seus filhos. Foi uma fase muito difícil para nós, eu tinha cinco para seis anos. Depois
minha avó se mudou para Cajazeiras VII e todos nós fomos juntos com ela. O apartamento estava
só no reboco, nós dormíamos no chão de cimento poeirento com um lençol por cima. Com seis
anos minha mãe me colocou na creche e minha irmã ficava com minha avó, enquanto ela estava
trabalhando vendendo sapatos de porta em porta. Essa experiência foi desafiante para mim que
na época chorava bastante pois não compreendia tão bem as mudanças pelas quais estávamos
vivenciando, por que não podia ficar com minha avó também, sentia saudades de meu pai e da
nossa vida em família. Depois disso passamos um ano acolhidos na casa de uma tia e então meus
pais reataram o casamento e nos mudamos de Salvador para Irecê, onde meu pai foi trabalhar
com meu tio paterno que tinha uma loja de móveis e moramos lá por menos de um ano. Minha
primeira infância há vivências de abundância, escassez e suficiência.
Nesse período da infância tive asma até os sete anos, em contínuas internações e uso de
medicamentos. Em uma das internações em um descuido de uma profissional em um erro ao
deixar o acesso ao medicamento e soro fechado, e sem a devida fruição pela manhã eu estava
desfalecendo. Com a intervenção da médica que me acompanhava recebi choque pirogênico em
desfibrilador e fui sendo reanimada com massagem cardíaca e ao poucos fui voltando a vida no
meu corpo. Esse foi o meu primeiro contato com a morte.
A minha primeira memória da infância que me marca é de estamos nós quatro – pai,
mãe, irmã e eu – indo numa balsa, era noite chovia e fazia frio, estávamos fazendo uma travessia
e tinha uns carros na balsa também. Eu senti medo de afundarmos todos ali. E conforme fomos
Capítulo 5. Inverno
127
atravessando o medo foi dissipando. E eu observava em silêncio a travessia.
A primeira infância caminhamos assim, com a chegada ao mundo as descobertas, com
passos vez por outra cambaleantes com o que surge além do brincar, nas aprendizagens no
convívio familiar e nas relações com o mundo em nossos acessos e deslocamentos.
5.1.4 Da infância a puberdade
De Irecê seguimos para Guanambi, um município no Sudoeste da Bahia, em que meu
pai foi no intuito de abrir uma filial da loja de móveis e lá moramos por cinco anos. A alegria de
morar neste interior foi a força da autonomia e das relações, tudo podia ser resolver caminhando,
tudo era perto e próximo, todos se conheciam, mesmo que aparentemente.
Na escola, eu e minha irmã íamos e voltavamos andando juntas no trajeto casa escola
casa. Aos sete anos fui alfabetizada em Guanambi, com uma cerimônia celebrativa de formatura.
Meus pais convidaram um filho de um amigo que me conduziu no trajeto do rito. Era um
acontecimento a formatura, com recebimento do diploma, assinaturas e fotos. Foi uma noite
muito especial em que senti muito bela e vista, fomos depois jantar fora com a família deste
amigo.
Amava as festas da escola, as de são joão eram as que mais gostava. As músicas, comidas
típicas, o espaço ornamentado, a dança do coco, a dança do pau de fita, nossas vestimentas a
caráter das quais minha mãe adorava me enfeitar e o encontro das familias que participavam
da festa. Em uma festa de São João da escola implorei a minha mãe que não queria ir de botas,
queria meus pés livres e desejava me sentir bonita com os pés de fora. Ganhei uma sandália que
usei nesta festa e foi uma alegria em dançar a festa inteira com os meus pés que não me cansava
de olhar admirando vê-los de fora daquelas botas.
Além das botas passei a fazer balé,uma recomendação médica que minha mãe recebeu
para ajudar no meu pisar, assim vieram as sapatilhas. Iamos juntas, minha mãe fazia jazz, eu
balé, e minha irmã que entrou no balé e logo quis mudar para o jazz. Não demorei muito no balé,
com o primeiro ano antes da apresentação saí. Ali já me sentia a mais gordinha da turma e não
me sentia confortável de ficar de colan e fazer apresentação para muitas pessoas desconhecidas.
Eu e minha irmã ajudávamos nos afazeres domésticos, o que não era algo de muita estima
minha naquela época pois o que gostava mesmo era de brincar, imaginava o mundo brincando
e me perdia no tempo nas brincadeiras. Isso as vezes me gerou alguns conflitos familiares na
divisão dos cuidados da casa. Algumas vezes costumavamos a ter uma reunião familiar agendada
por meus pais para dialogarmos os conflitos.
Eu e minha irmã participávamos do teatro da escola com as peças públicas e o teatro do
centro espírita que meus pais faziam parte. O que me marcou foi a primeira vez que fui ao teatro
e assisti a uma peça. Tinha uma bacia com águas e a gente ria bastante e chorava. E eu achei o
máximo e naquele momento desejei um dia também fazer isso.
Capítulo 5. Inverno
128
Foi período das amizades, das relações sociais, as casas eram frequentadas, havia tempo
para conversar e relaxar, uma vida sem pressa. Havia muito trabalho, meus pais cuidavam da
loja de móveis, eu e minha irmã íamos para escola, algumas vezes íamos para lá loja também e
gostávamos de brincar e ver a vida adulta acontecendo. A loja foi dando certo, meu pai contratou
funcionários. Meu pai foi convidado para a maçonaria, também frequentávamos um centro
espírita kadercista que meu pai acabou se tornando o presidente do centro, montou uma livraria
do centro e também se tornou diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL.
A relação com a maçonaria e com o centro nos trouxe uma relação social mais fortalecida
com os moradores da cidade. Um senso de pertencimento e comunidade que nos ligou a várias
ações locais. Minha mãe integrou o grupo de assistência social das mulheres dos maçons
que organizavam ações sociais e o centro espírita também fazia estas ações. A prática da
solidariedade era um alimento as nossas relações, e das ações desenvolvidas eram feitas gincanas
nas comunidades com brincadeiras, distribuição de sopas, alimentos, roupas e brinquedos nas
comunidades e em presídios. Nestes momentos encontrava com outras familias, que não eram do
meu cotidiano de que buscavam estes apoio, das crianças da cidade que surgiam não sabia de
onde e que juntos brincavamos.
Alguns acontecimentos me marcaram neste período, um deles era véspera de Natal e eu
queria muito ganhar uma boneca e pedia a meus pais. Um dia encontrei meus pais embrulhando
presentes e queria mexer neles questionando se era minha boneca. E minha mãe me falou que
aqueles presentes era para os meninos que moravam na rua. Um dia passeando na rua ela me
mostrou e eu passei a ver que existiam pessoas que ficam sentadas no chão das ruas, comendo na
rua, vi uma mãe com duas crianças, eu olhei para elas e naquele momento elas passaram a existir
para mim. Com o Natal, a celebração predileta de minha mãe, ganhamos presentes e ao abrir a
caixa com a boneca que tanto queria corri para meu quarto chorando. Minha mãe foi ao meu
encontro, e eu lhe disse que não queria mais a boneca, que os meninos da rua deveriam ganhar
os presentes.
Outro momento marcante foi a visita que fizemos a um presídio. Meus pais, minha irmã e
eu fomos para a distribuição de sopa. Num presídio de homens, havia uma mulher também presa
na cela junto a eles. Aquela situação em que o corpo recua quando ver algo em não conformidade
nos tomou conta. Vi meus pais dialogarem para aquela mudança de situação. Momentos como
estes me conectavam cada vez mais com outras realidades do mundo-da-vida, além do meus
mundos vivido e criados no meu imaginário com os meus desejados horizontes. Também nutriam
em mim uma admiração por meus pais, na solidariedade que é tão natural presente neles, com o
hábito de ajudar outras pessoas.
Uma vez ganhei um relógio de presente de meus pais, daquele que pulseira coloridas que
poderiam ser trocadas e combinadas. Ao usar para ir para a escola, fui algumas vezes parada
na rua para informar o horário. Porém quando era questionada do horário, me perguntavam:
Ei, menino, que horas são? Eu não entendia muito bem por que me chamavam de menino, me
Capítulo 5. Inverno
129
perguntava se era por que eu tinha um cabelo bem curto na época, mas deixei de usar o relógio
pois não queria mais ser assim chamada. Passei a observar no trajeto da escola o que diferenciava
o corpo de um menino para o de uma menina, para que então fosse assim chamada de menina.
As roupas, o cabelo, o rosto, no corpo abaixo do pescoço não notava diferença, via que tinhamos
braços muito longos.
Com nove anos despertei para o sentir atraída por um colega, ele era um ano mais novo
que eu e era um cantor mirim sertanejo profissional, que tinha o cabelo espinhado para cima
como daquelas duplas sertanejas. Eu, para expressar meu sentimento espontâneamente, cantei
para ele na roda do intervalo das aulas uma canção sertaneja. Escrevia no caderno desta afeição
que sentia por ele, me encantei pela primeira vez por um rapaz. E até chegar uma festa da escola
meu pai chamou ele na mesa em que estavámos sabendo dos meus sentimentos e perguntou qual
era as intenções dele para comigo e o colega tomado no susto fugiu correndo e ali acabou o
clima de um possível romance por mim imaginado.
A caminhonete de meu pai era uma alegria na cidade, ele dava carona a muita gente na
garupa e quando tinha festa da escola levava todo mundo no fundo da carroça, de um canto a
outro, eram os dias de festa. Na época em que moramos em Guanambi a força da região eram as
plantações de algodão. Meu pai tinha uma caminhonete e resolveu experienciar trabalhar com
a venda de algodão. Algumas vezes fomos com ele transportando no fundo da caminhonete
algodão, que ficava coberto por uma grande lona.
Figura 11 – Caminhonete do Papai
Fonte: Arquivo pessoal da autora
A caminhonete era movida a gás e uma das viagens que fizemos juntos em família, meu
pai dirigindo, minha irmã, eu no colo de mãe que juntas cochilávamos. Ouvimos um estouro,
minha mãe e eu acordamos assutadas, o carro começou a balançar para os lados e ficou muito
Capítulo 5. Inverno
130
difícil para meu pai manter o controle da direção. Não sabíamos o que estava acontecendo e
assustados com aquela situação minha mãe soltou do carro em movimento comigo pois tinha
muito medo do gás estourar. Meu pai ficou dirigindo com uma mão o carro desgovernado que
tinha na verdade estourado o pneu e com a outra segurando minha irmã. Dirigiu com o cuidado
de não passar por cima de mim que caí no asfalto, enquanto minha mãe caiu rolando em um
despenhadeiro em que houve uma pedra grande que a fez parar de rolar. Meu pai conseguiu parar
o carro. Outros carros pararam, recebemos ajuda na estrada atordoados com este acontecimento e
fomos para o hospital com ferimentos leves, uma queimadura do asfalto na perna eu tive, minha
mãe desacordada retomou a si.
Nesta boa infância meu pai teve duas lojas, tínhamos um cachorro chamado de Bob que
cuidava de uma das lojas e outro cachorro chamado Branquinho. Eu gostava de fazer carinho
neles e limpava os olhos deles. Em uma das casas que morávamos tinha uma vasta visão para a
natureza, bastante árvores e os micos eles vinha até a varanda de nossa casa e dávamos banana
para eles. Numa das casas que moramos meu pai trouxe um papagaio, depois um tatu do qual
minha mãe pediu para devolver, passou uns dias com a gente e meu pai levou de volta.
Um outro natal que me recordo, nas vésperas de sua celebração tive um sonho com uma
serpente e ao acordar compartilhei com meus pais. Meu pai sugeriu para jogar neste animal e
assim o fiz e deu serpente. Foi o meu primeiro dinheiro que ganhei, sem ser a mesada de meus
pais, e ele aconteceu de um sonho. Em meu contentamento nesta situação usei o pouco dinheiro
que havia ganhado e comprei lembranças de natal para cada pessoa da minha família.
Me recordo da estante de meus pais, livros que falavam sobre o poder infinito da mente,
do subconsciente, telepatia, clarividência, hipnose, como uma ávida jovem leitora me debrucei
com alguns destes livros, desde cedo acessei esta informação da importância da mente e dos
pensamentos na criação de nossas realidades. No entanto, o desafio que se apresentava era o de
como fazer esta mudança, como operar isto no cotidiano.
Mesmo meus pais sendo espíritas, eu e minha irmã não fomos batizadas. Meus pais
acreditavam que isso era uma decisão que cabia a mim e a minha irmã escolhermos os nossos
caminhos. Eu admiro esta decisão deles, esse espaço de liberdade de escolha. Sempre gostei de
participar dos estudos semanais do evangelho em casa. Escutava sobre reencarnação, sobre a
necessidade de explicar sobre isto e no entanto para minha alma isso sempre pareceu tão natural,
a vida além da vida. Me colocava em observação quanto a assumir alguma prática religiosa como
minha.
Com meus pais vieram as aprendizagens das vivências nas práticas de cuidado e autocui-
dado do cuidado dos nossos corpos de uma alimentação com muitas frutas; inalação de vapor
da água para desobstrução das vias respiratória; o escalda pés para ajudar na circulação dos pés
e pernas inchados; o banho de assento para saúde intima da mulher; os banhos de folha, para
limpeza e energização; e o banho de sol para absorção da vitamina D; e de passes em centros
espíritas para harmonização energética dos centros de força.
Capítulo 5. Inverno
131
Um evento que marcou a memória dos cidadãos brasileiros foi na questão política na
governaça do país, nessa dureza seca que o país caminhou na economia com o confisco do
dinheiro brasileiro. Em 1992, a cidade, o país, nós saímos as ruas para dizer fora a corrupção e
o pedido de impeachment era clamado. A memória viva que eu tenho é do chão de barro seco,
daquela cidade de clima semiárido tão quente e seco, em que caminhávamos sem pressa e som
que surgiam das vozes que ecoavam clamando mudança.
Essa época boa de Guanambi que vi meus pais vivendo em comunidade, tendo amigos, se
divertindo, são boas memórias. Na nossa vida cigana acompanhando meu pai em suas mudanças
de trabalho também partimos em 1992 para uma nova morada em Vitória da Conquista. Porém
mesmo assim meu pai não parou de viajar a trabalho e nas suas viagens ele encontrou um jeito
de se fazer presente com as suas conversas por telefone e seus cartões postais, conforme pode ser
visto na sabedoria de sua mensagem na Figura 10.
Figura 12 – Cartão postal
Fonte: Arquivo pessoal da autora
5.1.5 A adolescência
Me recordo da chegada a cidade de Vitória da Conquista, situada ao centro sul do interior
da Bahia. Era uma manhã de frio e quando passamos pela rodovia da BR116, na chamada
avenida Rio Bahia que divide ao meio o município. Percebi no dia seguinte que aquele não era
um dia frio, que o frio era o clima da região. Nos mudamos para o bairro Brasil.
Uma cidade maior da que morávamos, senti isso ao ver um terminal com a presença de
ônibus para várias rotas. Chegamos sem conhecer ter conhecidos locais, de uma morada de casa
para a de apartamento. Uma adaptação nesta chegada, a saudade da vida que ficou em Guanambi
Capítulo 5. Inverno
132
e um esforço para este novo nesta vida cigana que nos momentos iniciais da mudança tem seu
impacto.
Eu e minha irmã, nossas vidas giravam em torno da escola. Estudamos dois anos no
Colégio Paulo VI, uma escola particular católica fransciscano e convivíamos com a ordem dos
frades capuchinhos. Gostava de subir na arvore que tinha na escola, um mangueira que fica a
chupar manga enquanto observava os seminaristas jogarem bola. Gostava de ver aquela cena,
quebrava a seriedade de suas vestimentas. Também relaxava bastante sentada ou deitada no galho
da mangueira sentindo a sensação do vento, o som do balanço das folhas.
Gostava das aulas de geometria, com as réguas, esquadros, compasso, cadernos de
desenho e pinturas. A escola tinha gincanas solidárias com culminância em exposição de artes.
Tinhamos aula de dança e apresentamos uma coregrafia nesta exposição com a música Canta
Brasil de Geraldo Azevedo e Moraes Moreira, na voz de Gal Costa. Lembro-me das aulas
de religião, como o ensino do catolicismos eu me recordo nesta época do questionamento
e contestação do por que não estudávamos outras religiões, a exemplo que dei por que não
líamos a história do espiritismo. Com esta mesma professora me apresentou um trabalho que era
desenvolvido no lixão da cidade, com os moradores, em que havia crianças pequenas ali, e no
seu relato ela compartilhou o chamado a estas crianças para sairem daquela realidade e que elas
não aceitaram, lá era o mundo delas. Essa situação me atravessou a garganta com uma emoção
que me marcou. E me conectou com mais empatia a esta professora a partir deste seu relato
partilhado.
Havia aulas de sexualidade e elas eram uma algazarra, riamos do assunto, das partilhas
dos colegas que mesmo não sabendo as vezes falar nos termos trazido na aula se comunicavam
com termos mais populares. Minha mãe me perguntava sobre estas aulas e lembro um dia de lhe
falar que um colega meu disse que fazia manutenção no banheiro diariamento e lhe perguntei
estranhando o que era tanto que esse menino tinha o que fazer de manutenção no banheiro. Sentia
um constrangimento que surgia uma vergonha de falar sobre este assunto com meus colegas
mesmo tendo minha mãe falando abertamente sobre este assunto comigo e minha irmã, não
me sentia muito à vontade. As vezes imagens povoavam a minha mente e me sentia impura.
Tinha uma curiosidade também desta desconhecida relação que causava um estranhamento no
imaginario.
Meu senso de justiça era muito forte e minha mãe foi chamada na escola pois não
podia ver alguém brigando que ia defender aquele que estivesse em postura mais frágil, acabei
ganhando um soco na cara em um apartar. Na escola eu fui a primeira da turma a desenvolver os
seios e no intervalo meus colegas queriam tocar, era diferente. Como eu não queria ser tocada eu
corria e pegava uma vassoura para afugentar quem vinha atrás de mim. Mentruei com onze anos,
meu corpo passava por uma ebulição de transformações. Escorre em nós esse vivo sangue, destas
vermelhas águas que colorem a vida feminina. Lembro da minha menarca, em casa eu era muito
moleca brincalhona, minha mãe nem acreditou. Neste dia meu pai chegou em casa e me chamou
Capítulo 5. Inverno
133
para ir ao supermecado com ele e assim fomos. Até que ele vira na prateleira do supermercado e
disse para escolher o meu absorvente. Esses são uns daqueles momentos em que o jovem quer
um buraco para enfiar a cabeça. Meu continuou com o papo de ser mocinha me deixando mais
rubra nas bochechas e suando envergonhada fiquei quando começou a fazer perguntas sobre o
assunto. Mocinha, não sabia lá o que era ser isto, o que ficou nítido da preocupação de meus pais
era que a partir daquele dia eu poderia engravidar e nem imaginava como isto acontecia.
A minha relação com meu pai é de um elo fortalecido e minha mãe sempre estimulou
esta relação. Nós dois piscianos tinhamos afinidades que nos unia e outras que criavamos na
relação. Conversavamos e faziamos ações em conjunto, gostava de trabalhar com ele com as
ferramentas em suas ações de conserto na casa, e das inúmeras vezes que nós mudamos eu era
o seu ajudante, pegava a mudança com ele, descarregava cima a baixo; conversavamos sobre
livros, espiritualidade, suas viagens. As vezes ele gostava de desenhar e pintar e eu admiro essas
forma de expressão nele.
Logo me adaptei e tomei gosto de morar em Conquista, íamos a feira no bairro que
moramos, com o carrinho de feira. Tinhamos uma relação de vizinhança de frequentar a casa de
outras pessoas durante o dia, de passar o dia em conversa. Você tem açúcar vizinha? Desce aí
para tomar um café com bolo. Tinha vizinhos com quem brincar. A cidade tinha só um cinema
pequena nesta época, ir ao cinema era uma programação que se diferenciava do cotidiano quando
esta acontecia.
Nossas férias escolares sempre viajávamos para Salvador, uma oportunidade de estarmos
com a familia. Minha irmã gostava de Salvador, de estar com os amigos e primos e em uma
de nossas vindas ela resolveu morar em Salvador com nossa avó materna. Com esta mudança,
voltamos para Conquista eu e minha mãe com esse novo, eu e ela, meu pais em suas contínuas
viagem a trabalho e mão vivendo a preocupação continua com minha irmã. Esse novo foi uma
oportunidade para mim e minha mãe, de proximidade, de nos olharmos mais uma para outra
além do que nos era já conhecidado de cada uma e vivermos nossas possibilidades de relação.
Uma experiência nova surgiu, minha mãe nos matriculou em um curso de violão, eu e ela na
mesma turma, ficava próximo a praça Tancredo Neves, local que gostávamos muito de passear
e estar na cidade. Ela também me mudou de escola, para o Educandário Padre Gilberto, cuja
vizinha já estudava lá, pensando em companhia para mim com a ausência de minha irmã. Essa
mudança me fez bem, novas amizades que eu passei a me relacionar.
Neste período comecei a escrever cartas para minha irmã em Salvador e para uma
colega da turma ficou grávida. Neste ano aconteceu o meu primeiro beijo, da saída de qualquer
idealização romântica deste momento por mim imaginado foi mais uma intimação das colegas
do absurdo que era para elas eu ainda não ter vivido isto. Na minha turma fizemos uma viagem
juntos em onibus escolar para a fazendo de uma colega de sala que nos convidou e subimos a
serra. Fazíamos aulas teoricas e práticas de educação física, e fiz parte do campeonato de baleado
entre escolas do qual nosso time ganhou.
Capítulo 5. Inverno
134
A vinda para Salvador com quatorze nos foi como se um ar de inocência fosse dissipando
no ar. Fomos estudar no Centro de Educação Santana do Cabula e ficamos por quase um ano
na casa de minha avó no Condomínio Quintas do Imbuí. Tinhamos mais colegas que eram
mães, colegas fumando no lado de fora da escola, combinando festas e bebidas. Havia um
estranhamento para mim com esta vida cigana em que quando encontrava e começava a me
aprofundar em uma relação de amizade já estava em outra cidade. Nesta época lembro do ter lido
o livro Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída, do qual no momento que li me espantei
com as travessias da autora.
No ano seguinte mudamos de casa para morarmmos no condomínio Amazônia na Paralela
e de escola no Colégio Delta no bairro do Imbuí. Essa escola me abriu para muitas experiências
novas, como no contato com a capoeira com o professor Jefferson da Capoeira Topázio. Tinhamos
aulas de teatro com o professor Lázaro Passos ao longo do ano, que culiminou na III Mostra de
Teatro nos dias 28 e 29 de novembro de 1996 no Teatro de Nazaré, em que eu e Flávia Pereira,
estudante do 2oano, participamos do evento com a peça Adorável Vida, que contava a história de
duas irmã, e a vivências dos amores, do luto e o suicídio. A criação junto com dois colegas da
turma e escrita do Caduceu, primeiro jornal da escola.
A feira das nações, um período de gincana que estimulava nossa criatividade e trabalho
em equipe. A oitava série que cursava ficou com o país India e fomos estudar e conhecer mais
deste universo com sua cultura. Fizemos um festival de tortas na escola para agarinhar fundos
para o nosso projeto. Encontramos uma dançarina de dança indiana que nos deu algumas aulas
e esse foi o meu primeiro contato com a dança indiana. Forramos a sala com papel metro
e desenhamos os deuses e pintamos todos os cantos dele. No dia da exposição e visitação
aberta de todas as séries com os seus países, nossas sala tinha várias tendas com as comidas
típicas, adereços, roupas como os sarís,instrumentos, uma tenda para meditação onde lá eu fiquei
meditando durante todo o momento de visitação da sala. As pessoas passavam falavam comigo
que estava de olhos fechados, perguntavam se estava dormindo e lá já estava eu sentada na
postura de lótus escutando fora e dentro. E depois todas as turmas apresentaram as danças na
quadra. Foi uma experiência exitosa que envolvia todos os estudantes do colégio nesta na ação.
Das idas e voltas do imbuí a paralela, passando pela passarela, em uma desta travessias fui
seguida sem perceber e na rua que se segue após a passarela a chegar na portaria do condominio
um homem passa por mim e me joga nas pernas um líquido pegajoso e foge. Havia uma pessoa
atrás dele que viu toda cena e disse a mim que ele estava a se mastubar enquanto andava e me
olhava. Aquela situação me deixou enojada. Fui correndo de onde estava em prantos para casa.
Não queria ser mais notada pelos homens.
Então depois destes me envolvi com um pensamento que me chegou no calor das emoções
destes acontecimentos de que deveria encontrar caminhos de não ser notada, pois assim poderia
então não vivenciar situações abusivas. E uma ação não planejada que surgiu pouco depois foi a
que passei a comer compulsivamente, a engordar, a me achar feia e não saber lidar com aquela
Capítulo 5. Inverno
135
relação de não me sentir mais tão bonita com os meus quilos a mais. Chorava que não cabia mais
em uma roupa, me escondia cada vez mais dentro de casa era a mais gordinha da familia e não
me cabia mais nos esteriótipos de beleza televisiva. Deste marco em diante a vida seguiu numa
gangorra com o peso.
A volta para Salvador foi dura não só economicamente, deixei minhas amizades, a cidade
que gostava de morar e me encontrei só por muito momentos. As relações consolidas no campo
de relações que estava inserida, sentia dificuldades de me conectar com aquelas relações, não me
sentia pertencida em uma tribo com aquelas relações. Com as dificuldades de encontrar o meu
espaço de fala naquelas relações comecei a me isolar, eu fui ficando cada vez mais morando no
meu quarto, numa vida com os livros, numa vida sem interação entre as pessoas, na época não
tinha namorados ou paqueras, tinha um enfrentamento que me esquivava de olhar para este tipo
de relação.
Eu me reimaginava nele agindo de diversas formas, mas mesmo assim não havia interesse
em estar vivendo isso. Era uma repetição sistêmica de comportamento da qual eu já não sabia
mais sair, havia me fechado em mim mesma, Meus pais preocupados insistiam para eu sair de
casa, mas eu não conseguia, me negava a sair para quaisquer lugares. E viam as memórias a
tona de uma série de acontecimentos em que me sentia bloqueada e o contínuo acesso as estas
memórias me coloquei no nível mais fundo de fragilidade que já havia vivenciado. Eu desejava
uma outra realidade só não me sabia saltar para esta. O que eu sentia dentro de mim era um
profundo sofrimento, uma tamanha tristeza que sufocavam, chorava sozinha ao exaurimento das
forças em que me sentia então com em um estado de anestesiamento da vida.
Quando todos saiam de casa, eu saia do quarto, as vezes chegava a me vestir, de querer sair
mais não sabia sair mais das amarras que havia me colocado. E quando todos saiam eu chorava
desconsolada a minha impotência diante de toda aquela situação. Eu chorava por não conseguir
mais me fazer presente nos lugares, por estar me invisibilizando cada vez mais. Às vezes eu
ligava o som, quebrava o silêncio da casa e do som dos meus próprios passos. Colocava alguma
música que gostava, e escutava repetidamente. Gostava de ouvir sentindo Sonate au Clair de
Lune de Beethoven, enquanto a vivia em pranto, em alguns momentos dançava espontaneamente.
E em muitos momentos eu vivia essa dança que me chegou assim com este momentos
com uma profundidade em que fechava os olhos e dançava com todo o meu, com o que surgia em
mim a cada instante eu me movia. As vezes parecia um transe, eu e a música, eu sendo a música,
eu sendo a dança que surgia com os meus sentimentos e emoções. Quando acabava de dançar,
parada, recolhida as vezes ficava sentindo deitada no chão um conforto em mim mesma com
o que havia vivenciado. E então quando pensava de tudo isso tão vivo não fazia sentido viver
tão sozinha. E entra novamente nos choros de minhas clausuras. Depois de chorar desnorteada
andando pelo espaço da sala, eu pegava uma faca e ia para um canto de uma parede onde me
recolhia até sentar e lá eu serrava a pele da minha perna até que a dor de fora gritasse como
gritava a dor da alma. Isso eu fazia em um choro mais brando, em um olhar mais perdido, em
Capítulo 5. Inverno
136
um sentir mais anestesiado pelo próprio cessar do choro. E depois eu comia e a comida vinha
com gosto de culpa e consolo. Esse ciclo se repetiu com os meus muitos momentos de solidão.
Depois da faca, nos momentos de choro intenso e de muito tempo sozinha a devanear
no sofrimento, outros acontecimentos foram se instaurando. Ia para o banheiro, e ficava me
olhando, estava pedindo ajuda a mim mesma. Daí vinha o choro e os pensamentos de todas as
minhas limitações e impossibilidades, vinha uma profunda angustia, e eu começava a apertar
com minhas próprias mãos o meu pescoço, na tentativa de me estrangular. O rosto ficava todo
vermelho, os olhos pareciam que iam explodir de tanta pressão ou soltar do rosto, as lágrimas
rolavam dos olhos, asfixiantemente difícil, mas por diversas vezes tentei e não consegui ir por
este caminho. Mutilação nas pernas com a faca e as tentativas de enforcamento malsucedidas no
banheiro geraram um próximo passo. Aos quinze anos eu tive a experiências mais significativa
de suicídio e que marcou um ponto final nas tentativas. Eu estava na casa de minha avó, mais
uma vez trancada no banheiro, me olhava no espelho mais uma vez me acabando de chorar, no
meu choro escondido para que ninguém me ouvisse ou visse assim, decidida a acabar com tudo
de uma vez. E decidida a dar um ponto final na minha vida peguei todos os remédios da casa e fui
botando na boca tantos quantos podia e tomando. Estava feito! Comecei a ficar tonta, a pressão
cair, sai do banheiro e fui em direção ao quarto e tudo que vi foi a cama onde deitei e apaguei.
Dormir ao longo muitas e muitas horas, as vezes umas frestas de olhos ensaiava abrir, mas as
pálpebras estavam tão pesadas que não conseguia. Quando acordei totalmente dopada, nauseada,
com tremor pelo corpo, frio, só pensava estou realmente viva, e sentia as sensações fortes. E
voltei a dormir. Até que despertei para a vida e depois deste dia nunca mais pensei em suicídio,
nem me mutilei, a minha experiência inacabada me deu novas forças para viver. Um grande
desafio este acontecimento para meus pais e fui pela primeira vez a terapia com psicólogo.
O segundo grau cursamos eu e minha irmã em escola pública. Em 1998 minha irmã
engravidou e casou e teve seu primeiro filho. Minha mãe apoiou muito minha irmã com este
acontecimento bem como para que ela concluísse os seus estudos. O fato de termos estudado
em colégio público em meus pais geravam a preocupação de termos o preparo para o vestibular.
E em 1999, eu, minha irmã e nossos pais achamos que fazer um cursinho de preparação do
vestibular para universidade pública era necessário. Me sentia muito pressionada internamente
com o vestibular, passar em uma universidade pública era tida como única opção para minhas
condições. E a dúvida que eu rondava e me fazia no desafiante processo de escolha profissional.
Alguns desejos também surgiram pelo caminho, a vontade de ser atriz, dançarina, jornalista
e psicologa me permearam. Neste cursinho encontrei tesouros valiosos raros amigos, Lorena
Diegues e Renato Souza, para toda uma vida. Eu costumava a usar roupas pretas, curtia rock in
roll e quando eu chegava no curso algumas pessoas estalavam os dedos e cantavam a música
tema de abertura da série da Família Adams como uma trilha para minha chegada.
Muito espontânea confiava em abertura confidencial a estes dois amigos. E quando estava
triste dava meus cadernos para minha amiga levar e me jogava de roupa no mar, que de lá saia
Capítulo 5. Inverno
137
renovada e ia caminhando de roupa molhada até em casa com um astral modificado de tristeza
para alegria. Esses e outros acontecimentos nasciam espontâneamente em mim que me abria
aos chamados. Esse trio de amizade que formamos neste cursinho se estendeu em nossas vidas,
combinavamos um horário a noite para treinarmos telepatia. Meu amigo estudava quiromancia e
fazia leitura das mãos. Eu jogava eventualmente tarot e Lorena escrevia revelações que surgiam
para ela numa velocidade, e nós duas escreviamos poesias. Nos conversavamos sobre os nossos
sonhos ao adormecer, bem como partilhavamos nossos sonhos de vida. Gostavámos de conversar
do místico, do holístico, das nossas vidas.
E o amor platônico por um professor de cursinho que se tornou amigo arrebatou todo o
meu ser. Essa experiência de amor marca em mim essa aventura nesta descoberta em reconhecer
o amor, pulsante e vivo habitando em mim e numa relação que me sintonizava com o mundo.
Havia uma admiração grande pelo professor não só pelo seu talento em sala de aula, ele nos
apresentou o filme Baraka e a obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas. Eu e meus dois
amigos conversávamos muito com ele em sua loja no prédio do cursinho. O que nasceu em mim
desta admiração foi um amor que ele não soube que eu vivi. Eu o incluia em minhas rezas diárias
que fazia enquanto estava no deslocamento do ônibus e isso nutria mais ainda este amor em mim.
Que transbordava em todas as minhas relações naquele momento. A vida tinha uma nitidez e
com o olhar amoroso tomou a minha existência eu vivi aquele momento da vida em estado de
oração.
Havia uma outra loja neste prédio que eu e meus amigos também frequentávamos, era
uma loja de produtos exotéricos onde nesta epoca adquiri uma mandala de um pentagrama, o
livro de Lao Tzu, Tao Te king, meus dois tarôs de marselha e dos anjos e alguns incensos de
sândalo. Nesta sintonia amorosa que vivia, um dia eu estava sem meus amigos nesta loja e um
homem foi levar os pães integrais que fornecia para esta loja. Conversamos e ele me convidou a
ir conhecer sua aula de yoga ali naquele mesmo bairro na Escola Lua Nova no bairro da Pituba. E
foi ali que comecei com o professor Ranni Perry a praticar yoga, do qual sou grata a generosidade
deste professor por partilhar destes saberes comigo. Então a partir daquele período em 1999
comecei a praticar Yoga não só nos aulas dia aula, bem como em casa também. Essa sabedoria
chega com uma revolução na minha vida, sentia a vontade de praticar mais. Os benefícios
percebidos em meu corpo que expandia em possibilidades cada vez mais com a prática. Esta
prática neste momento da vida me trouxe alegria e me senti mais conectada com mais leveza e
um amor a viver a vida, um relaxamento que me acalmava a mente, uma mudança no apetite, na
redução de peso e no saborear mais os alimentos e a vida. E também passei a mudar meus hábitos
alimentares me tornando a partir daquele momento ovolacteovegetariana. E fui buscar sozinha
aprender a fazer receitas do que comer já que era a primeira em minha familia a vivenciar esta
alimentar.
A solidariedade sempre me pulsionava a ação e neste período da vida fui descobrindo os
meus caminhos de ajudar com os meus próprios recursos. Então comecei com as doações de
Capítulo 5. Inverno
138
sangue com a Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia, mais conhecida com Hemoba.
De 1999 a 2001 atuei como voluntária no Grupo de Apoio a Criança com Câncer/GACC no
bairro do Pau da Lima de Salvador, ia uma vez na semana e ficava a interagir com as crianças
em que brincávamos, conversávamos e desenhávamos; bem como participei da realização dos
eventos internos e externos, como as campanhas de Sua nota é um show e do do dia do lanche
Feliz. Eu muito aprendi com esta experiência no GACC, com o contato com a vida e a morte,
conviver nestes encontros com essa brevidade da vida, em que na outra semana já não tínhamos
mais a presença de uma criança em nossos convívio bem como das alegrias de avanços em
tratamentos, de superação com um paciente que alcançou a cura e tornou-se funcionário da
instituição, de quando o cabela crescia e era uma alegria, da solidariedade de pessoas que mantém
instituições com suas doações e serviços. Lembro-me que estava lá no GACC na manhã 11 de
setembro de 2001 quando vi a cena de transmitindo na televisão no atentado em Nova York ao
World Trade Center. Atordoada me perguntava se o mundo estava acabando em um filme de
guerra até que realmente me desse conta do estava acontecendo. Um congelamento no corpo ser
apavorado em ver esse acontecimento que nenhum filme de guerra e terror foi capaz de produzir
tamanha sensação e sentimento de um inesperado acontecimento real.
No carnaval de Salvador no ano 2000, no fui pela primeira vez no circuito do Campo
Grande com minha irmã e a família de seu esposo. Ficamos em um apartamento em prédio onde
viamos pela janela os trios passarem. La conheci uma jovem que assim como eu não parecia
naquele momento muito interessada na folia e ficamos o carnaval inteiro a conversar no corredor
entre a sua casa e a que eu estava. Dali surgiu uma grande amizade com muitas trocas de cartas,
telefonemas e alguns encontros presenciais.
Em 2001 ela me apresentou e me deu um maravilhoso presente na minha vida, o beOne.
O método BeOne, que significa seja um, seja você mesmo, proposto pelo filósofo francês Jean
Claude Obry, que diz “somos um quando estamos no melhor de nós mesmos”. Fiz o modulo 1 e 2
em Mar Grande e ele me abriu para uma vida com maior leveza, conectada com o presente, com
o mundo pelas percepções, em exercícios de tensão sensorial, desbloqueio de tensões, respiração,
meditação, danças circulares sagradas, práticas de expansão do ser e da relação de admiração
com a vida. Um ensinamento me marcou e trouxe ele comigo ao longo dos anos, ele dizia que
a persistência vence todas as formas de resistência. E quando eu encontrava uma barreira e
dificuldade na vida, a lembrança desta frase vinha com uma força de esperança de encontrar uma
outra saída.
Eu lia muito jornal, algumas notícias, poesias, procurava vagas de emprego. Entrei em
algumas enrascadas ao procurar trabalho, como numa entrevista para secretária em que fui e o
selecionador trancou a porta da empresa e começou a vir a avançar para cima de mim. Naquele
momento de espanto a minha reação foi gritar como uma louca com a força que habita no meu
ventre e ele abriu a porta. Estas e outras experiências desafiantes de ser mulher e lidar com
violações ao buscar uma colocação no mercado de trabalho.
Capítulo 5. Inverno
139
Eu me interessava em olhar mesmo no jornal eram os enunciados arte e assim encontrei
alguns cursos livres de teatro. Em 2001 com o ator e diretor baiano Manoel Lopes Pontes no
espaço Xis fiz parte da turma do Curso Livre de Teatro Manoel Lopes Pontes com a peça Bodas
de Sangue de Frederico García Lorca. Havia pessoas de idades variadas e era uma alegria ensaiar.
Me sentia muito tímida naquela época e carregava em mim o desejo de romper com essa timidez
e assim me colocava com o teatro neste exercício de me expressar e exercitar vir a cena e viver o
ato. Ainda buscava compreender o que era mesmo encenar. O professor também me convidou a
participar da turma que estava em formação no Teatro Castro Alves com a peça Antônio, meu
Santo da qual participei e apresentamos esta peça nos dias 19 e 20 dezembro de 2001. O contato
com o palco era alegria me colocar no ato de minha própria potência que se constituia junto com
todo o coletivo de artista e direção que juntos criávamos. Apresentar ao público foi uma festa
celebrativa de nossa caminhada, na presença de nossas familia e amigos que foram assistir.
Em 2002, no dia dois de fevereiro eu e meu pai, que chamei para ir comigo e que
também acabou participando, fomos para o chamado de figurantes no filme baiano Esses Moços
na direção José Araripe Jr. Participamos como pessoas nas ruas que transitam e a filmagem
aconteceu no bairro do comércio. A vontade de conhecer este universo da arte movia meus
passos nestas aproximações. Também neste ano eu e uma amiga do cursinho passamos a fazer
aulas de Tai Chi Chuan, ela me apresentou esta prática realizada pelo Sensei Ney Alves no
colégio militar na Pituba.
De 2001 à 2003 fazia teatro e oficina no circo Picolino, praticava as meditações, fazia
dança indiana e em casa lia minhas bases de leitura de mundo se davam em Fernando Pessoa.
Neste perído com duas amigas atrizes haviam escrito uma peça indiana e me convidaram para
atuar. No caminho pela Escola de Teatro da Ufba, em processo de organização desta peça uma
das amigas encontra com uma amiga dela que passava pela rua da escola e ficamos a conversar,
da dança indiana que estavamos fazendo e da peça. Ela me deu seu cartão e nele vi o seu nome,
Ciane Fernandes, eu o guardei comigo.
Aos vinte e um anos tive o meu primeiro namorado, um filósofo e professor, muito mais
velho, que estava se separando com um filho. Para meus pais foi desafiante aceitar esta relação
que para eles era um espelho de suas próprias histórias. E neste momento eu decidi sair de casa
sem um destino certo fui vivendo cada dia com a sua possibilidade. Ligava para uma amiga
passava uns dias, na casa da irmã outros, havia dia que não sabia onde ia dormir a noite e pedia a
Deus uma revelação e sempre via a iluminação na mente de alguma pessoa estimada conhecida.
O não saber onde dormir, a próxima refeição, sair caminhando pela cidade sem ter hora marcada
para ir embora ou chegar, caminhar sem pressa beira mar e ficar ali a apreciar, as idas ao Circo
Picolino neste momento era único compromisso agendado. A casa cidade, um casa sem teto ao
ar livre, com muito espaço de circulação. Observava mais a vida desta casa que tem moradores
que também habitam a noite, desta experiência noturna não cheguei a pernoitar.
Eu o conheci dando aula em espaço que frequentei por um tempo, com práticas de
Capítulo 5. Inverno
140
meditação. Ele me questionava por que eu não cursava uma faculdade e me estimulou a tentar
fazer vestibular não só a faculdade pública mas para as particulares também, algo que até então
não cogitava fazer pelas condições financeiras. Ele fazia parte de uma grande rede pessoas que se
vestiam de branco, viajam em retiro em caminhadas pela Chapada Diamantina. Esse grupo tinha
um rígido posicionamento contra a separação do casamaneto, e com a separação deste namorado
ele passou a ser um dissedente deste grupo, o que foi um ato de coragem. Desta grande rede ele
tinha o seu próprio grupo que viajavam juntos e faziam as práticas de yoga, meditação, entre
outras. Lençóis, Mucugê, Andaraí, Piatã foram algumas trilhas pela Chapada Diamantina que
juntos fizemos.
Fazer trilhas e caminhadas em grupo em contato direto com a natureza, em mata aberta
ou fechada, acampar, fazer uma fogueira e preparar os alimentos, observar as estrelas e o céu
essa vivência foram de muitas aprendizagens. Era perceptível a dificuldade de algumas pessoas
se conectar com o caminhar, ainda nos ritmos urbanos a mente tagarela em ação nas conversas
que nem percebiam a possibilidade troca e conexão com o ambiente continuavam caminhando
com seus ruídos nas montanhas também. No meu sentir, a caminhada em si em trilhas ecológicas
é uma meditação profunda, seguir em silêncio, escutar os sons dos próprios passos, do coração
e da respiração, da natureza se revelando. As pessoas mais agéis do grupo seguiam nas pontas
abrindo caminho e cuidando dos ficam mais devagar no final. Com as caminhadas a mochila
que levava foi ficando cada vez mais leve, em trilhas isso faz muita diferença, só o necessário
se carrega. Havia momentos de alguém estar cansada e outra pessoa carregar a sua mochila
do outro para que pudessemos continuar. O ritmo quem faziam eram todos no grupo com suas
necessidades. O encontro em algum rio e cachoeira era o marco para o banhar-se nas águas,
apreciar e relaxar, renovando as nossas energias e voltarmos.
5.1.6 A vida adulta e o fio de atuação no mundo
Nas práticas que eram naquele momento chamadas de terapias holísticas fiz algumas
formações. A formação em Yoga Massagem Ayurvédica em 2003 no Prana Dhama com Damar
Marvid me conectou com este fio de atuação no mundo. Também conheci nesta formação as
meditações ativas de Osho. Uma aprendizagem com o mundo da ayurveda, com as relações
de cuidado de si, do outro e do ambiente; a consciência de ação com o toque fluindo em
movimentos rajasícos, tamasícos e sattvícos em harmonização; oleação, anatomia, a atenção
plena em presença na ação. Um ensinamento importante desta prática para mim foi o de me
cuidar enquanto do outro, de alongar junto e da compreensão de fluidez com a respiração em
que juntos cada um libera o que precisar ser dissipado junto com o movimento.
E logo coloquei esta aprendizagem em ação. Nos anos de 2003 e 2004 vivenciei a
experiencia profissional de atuar como terapeuta em um Spa na Região Metropolitana do
Salvador, com atendimentos terapêuticos em massagem ayurvédica, aulas de Yoga, praticas de
meditação, encontros dinâmicas de grupo, realização de palestras e curso. Esse foi um momento
Capítulo 5. Inverno
141
de muita apropriação na medicina ayurvedica em que experiencie destes saberes formativos na
ação. Facilitei também três cursos de Shantala neste período também.
Conheci neste lugar o índio Wakay que realizava um trabalho de cura na universidade
desta instituição, ao qual tive pouco contato naquele momento, nos deslocamentos nos encontrá-
vamos. Quando chegava as vezes pela manhã via os resquícios da fogueira feita por ele em seu
trabalho com os elementos.
Também conheci o professor de medicina chinesa Gutemberg Livramento, conversamos
e escutei ele contar um pouco de historia de vida na relação com a medicina chinesa, de sua
ida e formação na China e do desenvolvimento de seu trabalho neste sistema. E deste encontro
tive a oportunidade de conhecer o seu trabalho desenvolvido em família na escola de Brotas. Ao
chegar na escola sua mãe estava conduzindo a prática do Tai Chi Chuan e fiquei a observar. Ele
me mostrou depois a escola e fiquei observar a turma de Kung Fu na sua pratica enquanto ele
dava aula. Me recordo da admiração que emergiu ao ver aquele acontecimento, uma vida vivida
com tanto proposito e compromisso com este sistema de saúde.
No ano de 2003 a graduação foi uma grande conquista para mim, de mudança na minha
trajetória familiar a adentrar este universo. Ao passar no curso de Pedagogia na Universidade
Católica do Salvador – UCSAL como ato de coragem me perguntava como bancar os estudos e
isso me colocou numa ação mais focada de trabalho e renda. Com meu trabalho paguei a maior
parte da faculdade sozinha, pois próximo ao término do curso tive aprovação em uma seleção
parcial de Bolsa UCSAL.
Assim, ao entrar na faculdade em 2003 no curso de Pedagogia, me abri para o campo
de atuação da educação vivenciando várias experiencias ao longo da formação. Fui do diretório
acadêmico do inicio ao fim do curso em gestões de chapas diferentes. Fui a organizadora e
responsável pela liberação do transporte, ida e retorno dos estudantes do curso para o III Encontro
Norte-Nordeste de estudantes de Pedagogia – ENNOEPe, Políticas Públicas para uma Educação
do Discurso a Efetivação, em janeiro de 2005 em Maceió – Alagoas.
Como a faculdade para pagar, eu trabalhava pela manhã, estudava pela tarde e a noite
estagiava. O ano de 2005 há duas experiências profissionais que me marcaram bastante. A pri-
meira dela estágio como professora de educação de jovens e adultos na Associação Luiza Mahin
no bairro do Uruguai como bolsista da Universidade Católica do Salvador – Viracom/UCSAL.
A experiência com adultos foi muito enriquecedora, antes de ir para esta atuação fiz uma pre-
paração complementar na mesma escola. Uma educação que passei ali a me relacionar numa
aprendizagem com a vida. Fizemos trilha pela Ribeira, e o diálogo com os saberes de cada um,
na relação com o bairro. Um dos participantes da turma, ficou um período sem frequentar a aula
e pedimos autorização a família para a turma visitá-lo. Ele ficava períodos internando no hospital
e quando o visitamos e ele me tocou com a aquela pele tremula, aquele tremor do seu corpo me
deixou em choque com aquele acontecimento, e me questionava o por que existe ainda existir
este “tratamento de choque” que deixa as pessoas com seus corpos trêmulos mais desorganizadas
Capítulo 5. Inverno
142
ainda.
A segunda experiência que me referencio foi com a atuação com a Pedagogia Waldorf na
alfabetização na Acalento, abrindo a porta para o universo da antroposofia proposto por Rudolf
Steiner no meu campo de conhecimento. Foi de um encamento encontrar um Pedagogia de uma
ciência espiritual, com a relação artistica fortalecida, passei a estudar e ler alguns livros desta
pedagogia. Era um universo aberto ao aprender da Pedagogia em si e habilidades que aprendi
com a escola, a pintura em aquarela para assim vivenciar em sala de aula. Porém não tinha
naquele momento da vida o ritmo para mergulhar neste universo com a realidade que estava
sustentando.
Das produções acadêmicas, a minha primeira produção publicada, no artigo “O Caminho
da Consciência”, escrita durante a graduação em 2005 e publicado no Boletim Psicopedagogia
da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp Seção Bahia, Ano 5 –No 14.
Também me recordo-me da experiência evolutiva de estagiária à gestora organizacional
atuando em Recursos Humanos. Ser a primeira gestora mulher em uma empresa de cultura
familiar e implantar um setor inexistente de recursos humanos na empresa é preciso ter um
muladhara - como é denominado o nosso chakra básico na medicina ayurveda - bem fortalecido.
Lembro-me que em uma empresa que a preocupação que um dos diretores me partilhou era que
as mulheres estivessem bem maquiadas, arrumadas impecável ao qual confesso não dar atenção
a esta preocupação . As roupas eram uma versão masculina de uniforme monocromático. Meu
jeito de trabalhar que como gestora, tinha uma liberdade de não uniforme, era o meu jeito já
próprio de uso de vestidos e saias, de roupas coloridas, sapatos confortáveis pois os saltos altos
na minha visada tiram a mulher da realidade do calcanhar pisar a base do chão. Minha ocupação
foi na atuação na gestão estratégica com a estruturação da áerea com a criação e implantação dos
seus procedimentos, que houvesse oportunidades de cargos chefia e seleção interna para homens
e mulheres, a contratação de Pessoas com Deficiência - PcD, bem como um plano de cargos e
salários por competências para tratar das diferenças salariais.
Era as questões reais que ultrapassavam a maquiagem que me tomavam a ação, a quem
chame de inclusão bem como de reparação, penso também em cuidado com as relações sociais
institucionalizadas em desigualdades hierarquizadas. Como as práticas de cuidado sempre
pulsaram forte em minha ação, elas fluiam em meu agir quando via abertura levava para uma
fábrica a prática de tai chi chuan antes de começar o expediente, uma dança cirlcular em um
treinamento interno, um convidado com uma música mudando o ambiente de sua rotina, bem
como ações de cuidado em comunhão com a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes –
CIPA.
Passando por uma auditoria em gestão ambiental vi a necessidade de aprofundar meus
conhecimentos nesta área e do desejo de me conectar mais com este saberes do universo ecológico
que pulsava em mim. Encontrei a especialização em Sustentabilidade em Responsabilidade Social
Empresarial que cursei na Universidade do Salvador e ela integrou as minhas ações em recursos
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143
humanos com suas dimensões fortalecendo este olhar e ação para os aspectos economicos,
sociais e ambiental na gestão organizacional, bem como me abriu portas para este universo.
No final do ano de 2007 conheci uma pessoa maravilhosa, que saiu dos padrões repetitivos
e me encantou a sua pureza, a sua espontaneidade, esta admiração que surgiu, além das nossas
diferenças de mundo, foi uma nova abertura em mim ao amor e a confiança. Sentia aos poucos a
minha entrega acontecendo. Em dois mil e oito com a saída de um trabalho ao qual tanto me
dediquei e parada de um breve tempo de desemprego vivi o que muitos chamam de depressão. E
que se potencializou com a morte de minha avó materna em dois mil e dez. Eu morei com minha
avó alguns anos e também cuidei dela quando adoeceu de uma fratura na coluna que a levou a
cadeira de rodas e depressão. Cuidar de minha avó me trouxe muitas aprendizagens na relação
de cuidar do outro, escutar a suas necessidades e pedidos.
E quando vivencie esta profunda tristeza, era como se pudesse soltar o controle de tudo e
me deixar olhar para esta dor. No entanto nela também me perdi e vivia deitada na cama, nada
me animava dela levantar, chorava e dormia horas e horas. Procurei vários caminhos para saída
deste estado, sendo eles biomédicos medicamentosos, terapia com psicológico, e de práticas
integrativas. Foi um longo percurso de vivências e superações. Da qual tive um grande apoio do
namorado, que virou noivo e marido.
Em 2011 fui aprovada no Mestrado em Meio Ambiente, Aguas e Saneamento. Motivada
a aprender mais com a area de gestão ambiental, sobre ser um pesquisadora, da escrita de
produção científica, me motivaram a adentrar este universo.
Em 2012 aconteceu em Salvador o VII Fórum Brasileiro de Educação, do qual participei
enquanto cursava o mestrado, me revelou a Rede de Educação Ambiental da Bahia – REABA
e a do Brasil, a REBEA, e que ambas e juntos muitos movimentos, numa rede de redes que
fizeram este evento ambiental que aconteceu no Centro de Convenções. O Ecobairro assumiu a
Secretaria Executiva do evento com Denise Noronha, Denise Denigre e Heliana Mettig movendo
a organização com o Ecobairro local e nele houve o lançamento em Salvador da segunda turma
do Gaia. Foi neste evento em que conheci o Ecobairro e o Gaia Education, no encontro que tive
no stand do Ecobairro no evento escutei a proposta de ambos e depois no evento participei de
uma roda com a May East que tocou o seu tambor e todos juntos que participávamos cantamos e
dançamos juntos com a grande roda que se formou neste evento. Meu coração cantava de alegria
neste momento em ver em Salvador tantas pessoas compromissadas com o cuidado ecológico,
via práticas integrativas permeando o evento em algumas margens. Reencontrando com pessoas
conhecidas, como a professora de mantras Radha Vitória. E mesmo com todo o encanto não fiz a
formação gaia naquele momento.
No ano de 2013 fui voluntária da comissão de receptivo da organização do evento Brechó
Eco Solidário/ Dialogues em Humanité da Rede de Profissionais Solidários. Em 2014 assumi a
coordenação das comissões de receptivo e de diálogos deste mesmo evento participando também
de todo o processo de formação de novos voluntários.
Capítulo 5. Inverno
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Em 2014, um outro movimento gaiano do Gaia Australiano acontece em Salvador, o Dra-
gon Dreaming. A prof.Maria Suzana Moura participou da organização do Workshop realizado
na Casa Amarela em Itapuã, que foi o ponto de partida para vários outros treinamentos que acon-
teceram em Salvador e Bahia, dos cursos introdutórios e do aprofundamento. A primeira turma
aconteceu 16 a 18 de maio que Maria Suzana participou, e eu e Denise Denigre participamos
da segunda turma de 27 à 29 de junho de 2014, ambas realizadas pelos instrutores com Pedro
Mendes e Raquel Davi. No bairro do Imbuí neste ano nasciam as hortas do Vivendas do Imbuí e
do MAI desta que passei a participar com a sua origem.
Fiz o curso de Introdução ao Dragon Dreaming na casa AmarEla.Na época ensinava em
cursos de graduação em duas faculdades particulares, e um dos componentes que atuava era o de
gestão de projetos, ao qual dialogava nas metodologias do marco lógico e do Project Management
Institute – PMI. Ao ver a divulgação de um cartaz em uma rede social com a informação – de ser
um método utilizado há mais de 20 anos para a realização de projetos criativos, colaborativos e
sustentáveis de uma abordagem holística que utiliza a teoria de sistemas vivos, ecologia profunda
e a sabedoria dos povos aborígenes no processo de tornar sonhos em realidade – que me atraio
atenção e levou esta pesquisadora a participar do processo de formação.
Desta aprendizagem fiz uma oficina para professores com a metodologia aos quais
ficaram sensibilizados com a experiência em seus relatos; em um curso de gestão de projetos
que dava para um projeto de economia solidária inclui a aprendizagem o DD, junto com a do
marco lógico e do PMI.
A partir das experiências formativas em compostagem, minhocários, hortas urbanas, no
dia vinte e seis de julho de dois mil e quatorze eu e meu esposo construímos em nossa casa a
nossa horta vertical e a nossa composteira com húmus de minhoca. Isso me conectou mais com
esta relação com as hortas, com a destinação dos alimentos não consumidos em nossa casa.
No ano de 2014 cursei na UFBA e na UNEB componentes como aluna especial. E no final
deste ano participei da seleção nas duas instituições. As motivações de querer fazer um doutorado
foram a externa de ser um caminho profissional demandado para quem ensina em faculdade. E as
internas de meus desejos foram de me fortalecer enquanto pesquisadora e professora aprendendo
mais deste universo da pesquisa e ensino e extensão, me tornar uma professora de uma universida
pública, dos antigos sonhos de uma adolencente de ser uma escritora, de saber escrever não
só para mim para um leitor. E fui aprovada com um projeto de educativo com as ecovilas que
carregava o desejo de morar numa ecovila e que estas práticas e modos de viver em harmonia se
expandissem para além das ecovilas.
Em 2015, em algumas de minhas pesquisas de movimentos ecológicos encontrei o site do
movimento cidades em transição e ele me encontrou. No site do movimento no Brasil havia uma
chamada para um treinamento e lá fui eu nesta jornada de 06 à 08.03 aconteceu o Treinamento
Oficial para a Transição Launch no Espaço Comunidade no Jardim Monte Azul em São Paulo
onde faço esta formação e conheço parte da rede nacional do movimento e da comunidade
Capítulo 5. Inverno
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em transição do Jardim Monte Azul. O movimento chegou com uma sensação de reviver um
conhecimento vivido da política de boa vizinhança, da prática da solidariedade, na união deste
saberes vindo de tantos outros movimentos e da vida em si, que traz uma sabedoria em sua
proposta de atuação, também nesta visada de cuidado e equilíbrio na relação do ser e a natureza.
Assim, ele chega dialogando, com a minha realidade e no meu processo de compreensão, de
forma simples e conforme fui me aprofundando em suas práticas passei a ver outras perspectivas
que me expandiam e fortalecia nesta trajetória ecológica.
Essa formação me trouxe a alegria de atuar em comunidade de caminhos que apoiam a
mudança no coletivo. Me fazia pensar como poderia contribuir com estes saberes em construção
em minha casa, na horta que participo, no bairro e na cidade que moro. Estando no doutorado, em
2015, particieo do V Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária com tema
Sociedade em Transição, Cultura de Paz e Sustentabilidade que aconteceu no Beiru. Compondo a
equipe de organização contribuiu com os saberes das práticas do Dragon Dreaming e Movimento
Cidades em Transição, bem como participando das palestras e anais do evento. Também neste
ano, no dia 03 de outubro, a partir destas experiências vivenciadas partilhamos aprendizagens na
Formação de voluntários do evento do Brechó EcoSolidário, onde eu, Heliana Mettig e Denise
Denigre dialogamos com o tema Cidades em Transição.
Em 2016, de 26 à 28 de fevereiro aconteceu o 3o Encontro Brasileiro da Rede Brasileira
das Cidades em Transição, no Coletivo Amor de Madre, Jardim Paulista, São Paulo. Eu e
Heliana Mettig participamos do evento marcando a presença da rede de Salvador, conhecendo
virtualmente o criador do movimento Rob Hopkins em videoconferência. No treinamento também
conhecemos o seu Quintino, do movimento ousadia popular uma liderança local da comunidade
de Brasilândia que fala com vigor da importância do movimento das causas ambientais para
a sua comunidade. E encontro, fomos eu e Heliana, no movimento de nossas pesquisas de
doutoramento, guiadas por Isabela Menezes conhecermos a Brasilândia. E lá em diálogo com
seu Quintino vimos a relação ecológica que se fortaleceu com uma implicação de moradia.
No inicio do doutorado participava dos cursos e encontros da Arte de viver, uma organiza-
ção internacional fundada em 1981 por Sri Sri Ravi Shankar. Em seus programas educativos com
propósito de eliminar estresse e promover a paz, faz uso de técnicas de respiração, meditação,
yoga, e demais saberes para um viver melhor. Fiz alguns cursos e participei de ações e encontros.
Um curso que me marcou foi o Divya Samaj Nirman – DSN, Criando uma Sociedade Divina.
Em agosto de 2015 dos desafios que vivenciava no momento entro em processo de desagaste e
profunda tristeza. O que me chama atenção na época em acompanhamento com psicólogo foi o
nosso diálogo: Depressão tem cura? Ele me perguntou e eu no momento que estava cansada e
desacreditada disse não. Uma semana depois após vivenciar o DSN encontro novamente com ele
que me faz a mesma pergunta e eu respondo sim. O que mudou em curto período? Da tristeza
que carregava como um nuvem que cobria minha visão para o estado de vivacidade que me
encontrava? Quando a chave de reconexão com a vida é acionada fortalece em nossa caminhada
Capítulo 5. Inverno
146
com os seus desafios cotidianos, a nuvem passageira segue dando espaço para luz do sol, luz da
lua, luz interior expandir em nosso e do nosso ser. Durante esse encontro enquanto praticava em
ritmo de retiro urbano yoga, meditação, alimentação, fazia serviço ao próximo e desenvolvia
habilidades em grupo e emocionais, uma voz surge na minha mente com o pensamento, por
que você não fala sobre transição interna na sua tese? Esse momento ressoou forte em mim e
contribuiu como primeiro dos diversos movimentos de mudança da caminhada.
A meditação imbuí começou a acontecer em setembro de 2016 com a Meditação da Lua
Cheia, ação movida por Ivone Miranda. Participei de um encontro levando a prática de Yoga e
neste dia conheci Daniel Siqueira da horta do Vivendas. No dia dezesseis de dezembro de 2016
às 17h, eu e meu esposo fomos para a concha acústica do Teatro Castro Alves – TCA para ver a
turnê de Ravi Shankar, de conhecer o ser de quem a obra já vivenciávamos. Houve apresentação
do coral jai gurudev, do projeto desenvolvido em parceria com a polícia militar da Bahia e surge
Sri Sri Ravi Shankar, que conversa com a plateia com bom humor trazendo sorrisos à tona. Em
seguida faz a guiança de uma meditação coletiva com os presentes e o silêncio se instaura na
concha, de pessoas respirando e meditando. De algumas pessoas que disseram ser a primeira vez
que iam a uma prática de meditação. E naquele estado de entrega e inteireza de olhos fechados
meditando, sinto durante a meditação uma batida forte na minha cabeça, como se alguém tivesse
me dado um cascudo na parte de trás da cabeça. Senti a estranheza daquela forte sensação. Ao
terminar a meditação Shankar diz que a casa dele estava aberta para todos irem e visitarem,
convidando a todos para irem a Índia. Mais mantras são cantados no palco, na plateia logo de
inicio por quem conhece e foi ganhando força ao longo de quem passou a conhecer.
Após o encontro na Concha, algumas pessoas adquiriam o ingresso para a ceia coletiva
no hotel que Shankar estava hospedado. Shankar passou e se dirigiu aos seus aposentos. Todos
foram jantar. Depois mais cânticos de mantras. E em seguida um dos instrutores, começa a falar
e algo que me chamou atenção de sua fala foi ele ter dito que as vezes o Sri Sri dá um sacolejo
na cabeça de algumas pessoas para elas acordarem e perceberem que o que está acontecendo
com elas foram elas mesmas que desejaram. No momento em que ele falou isto me lembrei
da sensação do cascudo na cabeça e uma lembrança que emergiu com muita força em mim de
minha adolescência que havia esquecido, em que sonhava acordada pedindo para ficar doente.
Eu fechava os olhos quando estava muito triste e deitada na cama ficava imaginando que tinha
uma doença muito grave para que meus pais cuidasse de mim, que tivesse um marido que me
amasse e também cuidasse de mim. Que eu sentisse o amor e o cuidados deles com uma forma
de ser amadas por eles. Em nome do afeto, eu pedi para adoecer pois tudo que eu queria sentir
era cuidado, amor, acolhimento, tudo que me fizesse esquecer o desprezo e o abandono das
minhas células.
Participei de um evento Confestival Dragon Dreaming Internacional na ecovila de
Piracanga em Itacaré na Bahia e foi lá que eu conheci o Jonh Croft bem como parte da grande
rede que este movimento possue. Um evento em que parte da programação foi co-criada com
Capítulo 5. Inverno
147
os participantes. E já que falamos em ecovilas vamos prosseguir com elas e algumas das
aprendizagens que essas comunidades suscitam.
Foi em maio de 2016, em uma dança circular sagrada que fiz as pazes com as minhas
escolhas e o meu caminhar. Durante esta formação de aprofundamento do dragon dreaming,
quando escutei e dancei The Elm Dance houve uma profunda reconexão. Meu ser se inundou
de alegria, havia dezessete anos que havia dançando essa dança e senti que tinha voltado para
casa. Naquele momento enquanto dançava saí do conflito que vivia, parei de rejeitar e culpar
duas dimensões como se me afastasse das outras duas que mais sintonia sentia, então reconheci
aquele caminho quádruplo, aceitando e reconhecendo todas as dimensões no meu caminho e ali
surgiu a Ecologia de Si se revelando para mim.
Com este acontecimento, nos dias que se seguiram foram de um espanto, lembro que
passei por um caminho no espaço Maringá que até então não havia circulado, e lá passei a
ver com claridade tamanha beleza existente naquele caminho. E então apareceu um caminho
dentro do caminho, várias borboletas rodopiando próximo a mim, a vida dançando com tanta
vivacidade e nós dançamos juntas naquele breve percurso, que denominei ali de o caminho de
transformação que estava passando. Passei a ver os animais ali presentes, a coruja, os pássaros, a
vida presente se revelando aos meus olhos, com a sua beleza, e eu vendo e vivendo a vida em
seu acontecimento. Tudo parecia mais vivo e eu me sentia mais interativa com o mundo; como
se pudesse ver com mais claridade como não estamos sozinhos. Há um mundo que estamos
interconectado, pois tudo é vida e toda a vida é sagrada.
Com o conhecimentos adquiridos no colocamos na partilha com as aprendizagens vividas,
conforme constam no Apendice A, para a sala de aula a prática dos guardiãos para o componentes
de projetos bem como todos os outros que ensinava. na escrita de um capítulo Comunicação
Amorosa do livro Epistemologias; e em 2017 vivi a experiência de co-facilitar o curso de
Introdução ao Dragon Dreaming.
No dia 06.07.2016 tem inicio uma outra vivência com o Dragon Dreaming se deu na
universidade com o componente EDCB15 Estágio Supervisionado sob acompanhamento e
orientação da professora Maria Inês Corrêa Marques, como requisitos da bolsa Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. A realização se deu no curso
de administração com a Profa Dra Suzana Moura, no componente que ela ensinava ADMF66
Metodologias Não Convencionais em Gestão. A professora Maria Suzana Moura, juntamente
comigo e a estagiária Patricia do mestrado de administração, todas três haviam passado pela
formação da metodologia e viver esta experiência nos possibilitou novas aprendizagens de criar
com o que aprendemos conjuntamente em diálogos e de contextualizar nossas ações para a
realidade que vivenciamos.
Foi uma experiência significativa vivenciar esta aprendizagem na universidade, onde
colocamos como prática de aprendizagem o Dragon Dreaming, na criação e gestão colaborativa
em projeto. Quatro projetos foram desenvolvidos na aprendizagem desta metodologia com os
Capítulo 5. Inverno
148
estudantes do componente, eles foram o Projeto Praia Limpa com ação externa na Praia de Piatã;
o Projeto RENOVA na Escola de Administração da UFBA - EAUFBA com ação de revitalização
do espaço Renova e Pintura; o Projeto Keipa - Respeitar, Preservar, (A)Mar com ação externa no
Porto da Barra; e a Reativação do Projeto USE, REUSE, CIRCULE da EAUFBA - coleta de
livros e apostilas com evento de reinauguração.
Em agosto de 2016 fui tomada por uma forte dor de cabeça que se distanciava de
qualquer lembrança do que via ser uma dor de cabeça de tão avassaladora. Familia apreensiva
sem inicialmente saber do que se tratava e lidando com o que surgia em estado de muita dor que
ficava deitada, pois a leve menção de mover em levantamento da cabeça era uma explosão de
dor intensa. Na semana deste acontecimento havia uma consulta com a oftalmologista da qual
compartilhei a experiência e a continuidade da dor. Feitos os exames sai de seu consultório com
a recomendação de procurar no mesmo dia um neurologista posto que nos olhos o adoecer se
revelava no exame de retinografia a existência do edema papipal bilateral.
E asim feito e com o resultado de vivenciar uma hipertensão intracraniana idiopática me
sacudiu a vida. As retiradas de liquor na cervical, a medicação, o repouso absoluto, e das poucas
pesquisas feitas quando menos doía a cabeça, uma das leituras sobre o líquido cefalorraquidiano
com a pineal me trouxe a memória a compreensão na pratica que adoecer seu acontecimento é
em nossa integralidade, me lembrou de cuidar do espírto e da alma.
O adoecer e a doença da hipertensão intracraniana idiopática me trouxeram uma ne-
cessidade de reconexão com o que considerei no momento de sua vivência essencial a vida.
Inicialmente o espanto e os estranhamentos se apresentaram com a vivência deste novo des-
conhecido e com a sua perdurancia dolorosa em alguns momentos em sofrimento, me deixe
escorregar no medo, preocupações, angustias aflitivas em zona assombrada pela morte. Até o
respiro surgir com uma decisão outra de seguir a vida, sem planos, deixando de lado a agenda
tarefeira de compromissos e me abrindo diariamente a novas possibilidades de viver com o que
surge. Sem abandonar o tratamento médico mas sem me fixar nele, construindo meu itinerário
terapêutico, me corresponsabilizando assim pelo compromisso com o meu processo de cura.
5.1.7 Tornar-se Mulher
Eu tomei a minha vida nas minhas mãos no movimento de voltar para casa, do auto-
cuidado da minha morada, segui com a minha escolha e minha autoresponsabilidade para um
retiro de 10 dias de meditação Vipassana. Conheci o trabalho da Associação Vipassana da Bahia,
que foi fundada em maio de 2016 e numa rede social vi a chamada para 10 dias de um retiro
de meditação e silêncio. E entre 7 de setembro a 18 de setembro de 2016, na cidade de Ilhéus
aconteceu o primeiro curso de 10 dias do Vipassana na Bahia, onde eu vivi a minha primeira
experiência com o Anapana e o Vipassana.
Informando a organização de minha situação, levando a medicação e o edredom para
Capítulo 5. Inverno
149
dar conta dos calafrios eu fui sozinha de ônibus para em Ilhéus. Vislumbrei neste chamado
a possibilidade de viver uma outra forma de cuidado, numa vontade que me moveu a sair
do repouso de um profundo processo de adoecimento que vivia e buscar forças para viver o
enfrentamento que aquele adoecimento me pediu para parar e olhar para algumas questões que
estavam sendo ignoradas. A vontade de libertação de um sofrimento revela forças existentes em
nós, às vezes até desconhecidas, que nos ajuda mover os nossos processos de mudança.
Mesmo com os tremores, necessidades, busquei seguir a rotina diária de meditações,
silêncio, e autocuidado. Sabia da preocupação que habitava em minha familia e quis me mover
em uma ocupação de autocuidado. Esse retiro me conectei com a paz que precisa reconectar em
mim com o turbilhão que estava vivendo. Me deu forças a continuar com esta prática meditativa
em casa e buscar outras possibiidades de cuidado e cura.
Não tenho uma fórmula com categorias definidas sobre o que é e como se tornar uma
mulher. Assim, sendo uma mulher branca latino americana, brasileira, manaura radicada baiana,
abordo com o meu sentimento do que me possibilitou com os meus corpos as experiências com
o feminino e masculino que habita em mim e em nós em nossos encontros.
No dia 24 de agosto de 2017, vinte pessoas faleceram na Bahia de Todos os Santos, no
naufrágio da lancha que saia de Mar Grande. Também neste dia um ser, nosso anjinho de girassol
partiu do meu ventre e ganhou a existência cósmica. A tristeza tomou espaço em muitos lugares.
Como eu soube que havia abortado foi através de um sonho, que para mim foi uma revelação
muito real. Neste sonho eu estou subindo uma escada rolante e ao fim dela e no espaço entre
ela e uma outra escada encontro meu cunhado com duas meninos que aparentavam 6 ou 7 anos
e eles tinha um comprimento da cabeça menor e esticada. Olho para eles que me olham, meu
cunhado fala comigo e subo outra vão de escada rolante. E depois me deparo em uma casa, já me
vendo deitada em uma cama e minha mãe sentada na ponta dela e havia uma outra cama ao lado
desta que estavam deitadas minha tia e minha irmã. Estávamos conversando quando de repente
eu sinto uma abrupta sucção na barriga de uma energia que se dissipa de mim para fora do meu
corpo e assim acordei de imediato em prantos chorando. Naquele momento eu senti e sabia que
nosso anjinho havia partido.
Eu abandonei os cursos que estava fazendo naquele momento, o de mindfulness e de
edição de imagens. Fiquei recolhida na minha casa, quarto, cama entre lençois. Fui acompanhada
em recomendação de minha obstetra ao trabalho da Maternidade Climério de Oliveira da
Universidade Federal da Bahia e participei do Programa de Atenção ao Abortamento em Salvador
(Atenas). Minha mãe veio ao meu encontro e me acompanhou quando recebi a medicação no
local, por aplicação vaginal, para acelerar o processo expulsivo que aconteceu em casa com suas
cólicas e estranhamentos. Eles mantiveram contato or um mês para saber como eu estava me
sentindo e lidando com este acontecimento e uma consulta de retorno de avaliação.
No dia 02 de setembro deste ano, recebi uma divulgação partilhada por professora
Maria Suzana e decidi participar da Oficina de Reconsagração do ventre conduzida por Naia
Capítulo 5. Inverno
150
Oliveira. No espaço aberto de partilha ouvi mulheres que tentaram por muitas vezes engravidar,
vivenciaram abortos espontâneos com seus lutos e encontraram caminhos de ressignificação. Em
um dos momentos foi feito um trabalho manual uma construção com cerâmica. Me emocionei
neste encontro com o que estava vivo e recente em mim lidando com esta fragilidade.
Ao chegar em casa, muito a flor da pele busquei ressignificar isto com meu esposo,
pois compreendo que o luto era nosso. O convidei para uma ação que surgiu de fazer naquele
momento e com muita amorosidade usamos a argila por todo os nossos corpos, eu espalhava no
corpo dele e ele no meu corpo, devagar e com uma delicadeza de quem toca um bebê, tocamos
em nossas células que traziam esta memória. A forma como isso aconteceu cuidadosamente foi
um mover em nossos acolhimentos, um acalento que nos nutrimos e marca significativamente a
memória de um momento em que juntos nos sustentamos com este atravessamento.
Em setembro também nasceu o grupo de transição imbuí, daquele encontro de meditação
com Ivone e Daniel, e com a chegada de Elisabete Menezes da Horta do Bosque passamos juntos
a sonhar com as nossas ações contribuitivas para nossos condomínios e para nosso bairro do
Imbuí.
Antes de pensar em engravidar novamente eu sonhei que carregava um bebê recém-
nascido nos braços. Olhava com ternura para ele e telepaticamente ele me disse neste sonho: Eu
sou seu filho e o meu nome é Pedro. E ao acordar e compartilhar com meu esposo já não havia
mais dúvida de nome para quando tivessemos o nosso bebê.
Quando se trata da primeira gestação, o caminhar neste território desconhecido cheios de
incertezas, a confiança é uma conquista que se estabelece no relacionar em cada passo que se abre
ao aprender. A troca de saberes em uma rede apoio e a autopercepção da gestante contribuem
no pertencimento com este universo. No caminho de aprendizagem da gestante, a realização do
pré-natal, a construção do plano de parto (tipo de parto,local, acompanhante, musica, técnicas
não farmacológicas de redução da dor); a participação em cursos e roda de conversas com
gestantes e profissionais do cuidado; o acompanhamento com o cartão pré-natal; o observar as
mudanças em desenvolvimento acontecendo no seus corpos; o diálogo com amigas e parentes
que já vivenciaram a experiência do gestar e parir; todas estas possibilidades em que as gestantes
se relacionam vão constituindo a compreensão e o empoderamento materno em construção do
ciclo gravídico.
Nos dias 17 a 19 de novembro de 2017 participei do Whorkshop Internacional de
dança circular sagrada com Petter Vallance da ecovila Findhorn, promovido por Sirlene Barreto.
Quando dançamos a dança Nestinarsko Horo vem à tona para mim, a compreensão do meu
percusso no doutorado, percebo o fio de ariadne, a espiral que estou dançando nesta pesquisa
que dança, de como eu vivo a pesquisa e de como ela vive em mim. Com esta dança que conta
de Teseu e o fio de Ariadne que conduz ele para fora do labirinto após enfrentar o Minotauro.
Na imprevisibilidade dos acontecimentos este fio me conduz para que não me perca em minhas
travessias, para que eu siga ao adiante, além e que encontre o caminho de volta, que me leva
Capítulo 5. Inverno
151
para casa. E quando dúvidas surgiam na caminhada no desconhecido, o fio me trazia a confiança
que estava voltando para casa no caminho da ecologia e do cuidado. Mais uma vez a dança me
desperta e me traz a compreensão como revelação.
A minha primeira experiência com a medicina da Ayahuasca foi na Cerimônia Xamânica
do Voo da Águia com Léo Artese e Fany Carolina, em 01 de dezembro de 2017 na Fundação
Terra Mirim na organização de Brisa Alegre. Grávida de Pedro, teci diálogos com Brisa Alegre e
com o seu intermédio passei a dialogar com Fany Carolina sobre a possibilidade de participar da
cerimônia estando grávida, e a compreensão desta medicina foi se abrindo para mim, com o seu
uso com a vida flui e também é feito pelas mulheres nesta fase do gestar.
A dinâmica do vôo da águia me inspirou confiança em participar, fui com duas amigas.
Num cantinho da mata de Terra Mirim nos encontramos à noite atravessando-a até o raiar do
dia, em céu aberto de estrelas, os cânticos da mata e o nosso silêncio, os cânticos nossos para a
chegada da medicina, nos alternamos em silêncio e cânticos. Assim, seguimos em orientações e
com práticas com o divórcio energético, e uso das medicinas da floresta do rapé, tabaco, sananga
e da ayahuasca.
A minha experiência com a Ayahuasca foi de sentir uma expansão tão amorosa explo-
dindo em mim e transbordando como se eu não coubesse só mais em mim. Esse transbordamento
de meu torpor mais descabido, naquele momento fez nascer em mim, no meu corpo um movi-
mento suave, em que meu corpo dançou sentado em repouso. Uma dança de dentro, emergindo
dos chakras uma energia serpentina que fez surgi um movimento sutil num leve e fluido balanço
da base do meu cóccix até a coroa da cabeça. Uma energia que se movia e movia todo o meu ser.
Suor e arrepio eram sentidos pelo corpo. Como esta dança me tocou por dentro, de maneira mais
intima e prazerosa. O ambiente era vivo com tamanha nitidez em que podia ver e ouvir uma gota
de água caindo em uma folha.
Na trajetória gestacional, no final do segundo trimestre já se torna mais perceptível
para mãe, o perceber e sentir o movimento do bebê no ventre. Considero este momento como
um marco de referência para a mãe de observação do ritmo do movimento da vida que surge
sutilmente e que requer a atenção para perceber este acontecimento. Esse movimento e ritmo
da vida já conta para a mãe com este acontecimento a escuta e a atenção plena que requer
esse relacionar com a vida, a cada momento é uma revelação e se estamos atentas podemos
desenvolver a aprendizagem na própria vivência dos acontecimentos com o que surge. Esta
consciência do sutil que se revela é um convite para desenvolver o estado presença para viver a
maternidade e paternidade.
Uma gestação de risco foi o que se deflagrou a partir do sexto mês gestacional, idas
a emergências com sangramentos até o internamento. Nos vinte e dois dias de internação no
hospital durante a gestação, a alegria do meu dia era o momento da fisioterapia por que naquele
momento havia uma exercício que era feito na janela e aquela janela me reconectava com o
mundo vida. Naquele instante eu podia ver a rua, ver a vida em transito circulando, muito som
Capítulo 5. Inverno
152
da vida cotidiana circulante no espaço. Com o isolamento em um quarto em ar condicionado,
um ar artificialmente gelado ao qual não tenho muito afinidade, ao chegar nesta janela e sentir se
o dia fazia sol ou se chovia, senti no meu corpo esta paisagem e como toda percepção estava
acentuada com este distanciamento. A notoriedade do som da chuva, do cheiro que ela trazia
e do frio que vinha junto arrepiando a pele; e o carinho que recebia da natureza quando o sol
chegava e tocava minha pele em uma quentura tão aconchegante que me fazia soltar e relaxar
com se tivesse no colo de minha mãe. Tudo que queria naqueles momentos era eternizar o tempo
que ficava em contato ao sol, que pudesse me debruçar naquela janela e ficar só sentindo ele
alimentando a minha pele e a acarinhando a minha alma.
5.1.8 Um nova primavera se inicia
No dia 29 de junho de 2018 com a visita médica matinal informei que naquele dia havia
uma forte dor no estômago que já não conseguia mais comer naquele momento e com o resultado
da proteínura elevada em 11, o médico me disse: seu parto será hoje. E tomada pelo susto busco
me organizar internamente acolhendo aquela informação em um processo próprio de aceitação e
de buscar ficar em relaxamento mediante qualquer preocupação que surgia na mente.
Havia uma organização familiar para aquele acontecimento. Mãe presente ao meu lado
me acompanhando, marido se deslocando do trabalho para o hospital, tias indo visitar e fazendo
orações. Uma espera da manhã sendo encaimnhada a semi-uti até a noite quando aconteceu o
parto em si. A médica Dra. Lídia Aragão que me acompanhava desde antes da primeira gestação
no momento do parto não poderia estar presente e o parto foi realizado pelo plantonista do
hospital.
Antes da chegada a sala de parto a informação que recebi é que iria tomar anestesia geral
e assim não poderia testemunhar o nascimento. Respirei fundo e fui mais uma vez trabalhando
internamente a minha aceitação com cada informação que chegava durante todo o preparativo do
parto. Com a consulta pré-anestésica, o anestesista informou que seria parcial e um alegria me
tomou. Uma visita do médico plantonista que se apresentou foi ver como estava, uma conversa
que antecedeu a ida a sala de parto e que foi criando em mim abertura de conexão com o médico.
Com a chegada da sala de parto quantas vezes sonhei em minha vida com o parto -
idealizado normal - e naquele momento com todas os meus sonhares iniciei um diálogo com
a equipe do parto. Disse: podemos ter um parto humanizado? E escutei uma resposta de uma
médica obstetra que disse: todo parto é humanizado, somos todos humanos. Então continuei:
podemos ter um parto leboyer? E então ela me perguntou: o que você gostaria que tivesse em
seu parto? Aquela pergunta me trouxe uma alegria enorme. E ali eu fiz os meus pedidos.
Quero colocar a minha playslist para este momento, quero uma luz baixa se for possivel,
a temperatura já está agradável, e quando ele nascer o maior tempo que for possível ficar em
contato com ele eu quero. E os meus pedidos foram acolhidos, me senti transbordando em
Capítulo 5. Inverno
153
gratidão em ser escutada e acolhida em minhas necessidades naquele momento. E às 20:51 você
nasceu no hospital Jorge Valente era uma noite tranquila e sem chuva. Seu parto durou em torno
de uma hora.
Figura 13 – Parto de Pedro no Hospital Jorge Valente dia 29.06.2018
Fonte: Arquivo pessoal da autora. Foto de Aristóteles Marçal
A vida andou para frente, uma nova primavera se inicia. Do intenso choro de sua voz ao
mundo, ao ser trazido ao meu encontro você silênciou em nosso encontro. Eu era puro silêncio,
as lágrimas caiam pela lateral dos olhos, um sentimento sem pranto que se exala com encanto
que esse momento carrega e eu te amo. O nosso primeiro contato foi um toque sem pegar, do
encontro na aproximação de nossos corpos, de sua pele com a minha, e da tão desejada vontade
de sentir seu cheiro. Este momento do nosso encontro nesta existência com o seu nascimento se
eternizou em minhas memórias, este é o momento mais marcante de minha vida, da vida do meu
esposo, da nossa família. Um presente divino e sagrado nos foi confiado. E esse trecho desta
escrita veio e se fez assim, contando para você um pouco deste momento.
Ao ser levado para os cuidados com a pediatra Pedro volta a chorar. O pai segue em
acompanhamento com a Pediatra. Os médicos seguem para as suas demandas. E no momento
em que depois de tamanho acontecimento fico sozinha na sala de parto eis que chega Dra. Lídia
Aragão ao meu encontro, pega minha mão e segura, estou aqui contigo diz, coloca uma música e
canta para mim. Esse acontecimento na espera que estava me manteve fortalecida no estado de
gratidão em que me encontrava de amor em cuidados.
Os saberes antroposoficos em sua compreensão prática ganharam vida nos cuidados
Capítulo 5. Inverno
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com meu filho. Como os doze sentidos e os sete processos vitais o ser humano flue nas trocas
e interações com o mundo interno e externo, em que pude testemunhar este acontecimento
com maior visibilidade na percepção dos cuidados com meu filho em sua rotina cotidiana. A
importância destes cuidados e atenção no relacionamento com os sentidos e os processos vitais
vivenciados no cuidado com a temperatura da água do banho, no estimulo da luminosidade, do
contato e do toque com a massagem um caminho de expressão e anifestação amorosa de afeto
que encontro com a maternidade com estas vias de cuiddo e refletindo com o pensamento:
Podemos dizer que a criança pequena é, principalmente, o próprio sentido do
tato espalhado pelo corpo inteiro e por meio do qual ela vivencia o prazer e o
desprazer. Receber cuidados carinhosos com o tato, como ser segurada ao ser
amamentada, usar roupinha adequada, ser massageada (ao se passar o óleo) e,
mais tarde, quando entrar em contato com água, terra, areia e seus brinquedos,
tudo isso lhe proporciona uma vivência positiva de expressão em seu corpo,
de entrega, sensações tão necessárias para os contatos, mais tarde, na vida
(BURKHARD, 2000, p.45).
Há uma leve música de fundo, estou de olhos fechados, deitada de bruços em uma entrega
de todo o corpo. Sinto o peso do meu corpo e o contato da região dos ombros e peitoral até
o quadril se evidenciam para mim neste repouso por fora e ebulição por dentro. O nascer de
um movimento de dentro fora do meu corpo, uma interação com o espaço ambiente foi de um
enorme esforço e profundidade; e a percepção do peso do corpo em nitidez gravitacional. Nesse
mover inicial tudo é muito lento, minuciosamente acontece tudo bem devagar e isso tem uma
dimensão de toda atenção centrada, pois cada mover ganha uma resolução máxima de nitidez.
O mover surge deste centro, conforme Figura 11, e com um sutil balanço do centro as
laterais vai se expandindo desta região no movimento vai e vem segue fluindo para o quadril,
um tempo depois ao joelho e pés, que vão juntos ritmados. A noção de duração já se diluiu no
movimento, pois cada novo mover parece ter uma duração maior que normalmente se realiza.
Os pés começam a se mover e com um giro de 180o os dedos se apoiam no chão e com
ele também um movimento de vai e vem agora debaixo para cima e retomam de cima abaixo dos
pés que movem o corpo. Há uma contração da lateralidade que converge ao centro umbilical que
dá um impulso para o mover das extremidades conforme Figura 15, neste momento de um pé
depois outro. Ainda permanecendo deitada bruços há um movimento intenso dos pés, que se
alternam do chão tateando o espaço e retomando ao chão no seu mover continuo, dinamico e
circular já envolvendo mais o pé perna joelho. Uma perna de depois outra. Do centro irradiando
as bordas, com os pés e com as mãos que passam a entrar no fluxo deste mover dentro fora.
Me sinto como uma tartaruga, uma associação que me chega, em que cada mover seu
parece tão lento, e, no entanto, há uma ebulição para nascer o movimento, de dentro-fora,
de centro-borda uma força e um intenso esforço para surgir um movimento que ultrapassa a
dimensão espaço-tempo, em sua perdurancia vai se evidenciando os seus alcances, com os
Capítulo 5. Inverno
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Figura 14 – Aula no Laboratório de Performance dia 01.06.2017
Fonte: Desenho do testemunho de Gabriela Holanda
membros bem como do corpo inteiro que se move do bruço que estava para conseguir descobrir
vivenciando um movimento outro de virar de lado.
Essa experiência no laboratório de performance me levou a lugar de atenção e compreen-
sões que abriam em mim da vida do movimento, da dinâmica em que nos deslocamos. A riqueza
desta experiência se fortaleceu na minha relação com a maternidade, os testemunhos e interações
com os alcances que a criança realiza nas descobertas com o movimento, desde um levantar da
cabeça, o girar de lado, engantinhar a seu erguimento vertical.
Como uma criança prematura de 35 semanas tivemos a orientação médica de encaminha-
mento ao trabalho de estimulação precoce. Incialmente começamos no e depois com a orientação
da prima de meu esposo, que é fisioterapeuta da Rede Sarah de Brasília nos recomendou o
trabalho desenvolvido de prematuridade pela Rede Sarah de Salvador. E assim fomos conhecer e
a passamos a participar deste projeto feito com uma equipe composta por uma médica pediatra
do desenvolvimento, uma psicóloga, uma enfermeira e uma fisiterapeuta.
Com a prática do laboratório de performance me trouxe mais confinça e tranquilidade
com meu filho com este processo de desenvolvimento com o movimento. Da exploração de
possibilidades que surgem, meu filho e eu, juntos na tapete azul agora o de casa, construíndo
Capítulo 5. Inverno
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Figura 15 – Movimento Autêntico na Aula do dia 01.06.2017 no Laboratório de Performance
Fonte: Desenho de Gabriela Holanda
Figura 16 – Movimento imersivo na Aula do dia 01.06.2017 no Laboratório de Performance
Fonte: Foto de Ciane Fernandes, 2017
Capítulo 5. Inverno
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possibilidades com o mover.
A vivência da maternidade me fez ver minha mãe com profunda admiração, do cuidado
manifesto em seus atos presentes em cada detalhe. Como fui bem cuidada por você mãe, por
seu amor, por nosso amor. A maternidade e o relacionamento com a horta me abriram para a
manifestação de um cantar espontâneo. Com a maternidade o canto nasceu nas ações de cuidado,
em que canções nasceram em mim com as situações. Exemplo, a troca a fraldas era um momento
de choro e com o mesmo canto trazido para este momento de cuidado fui percebendo como
ele foi se harmonizando com a música e o choro cessou. Percebi ao contar a música era como
anunciasse para ele se organizar para determinada vivência. E assim fui vivendo a maternidade,
essa grande transição interna na minha vida, com as descobertas que nasciam em mim e da
escuta das necessidade apresentadas por meu filho em sua comunicação.
E os cantos na hortas são das inspirações que surgem estando ali, como o canto para
abençoar o plantio e de agradecer. A horta é um lugar de acontecimentos onde trago meu filho
desde os seus seis meses para sentir e viver a vida, sentir o cheiro das hortaliças, fazer a rega,
tomar o seu banho de sol. Aprendi a observar os animais e ver a sabedoria que eles nos trazem
quanto ao cuidado da terra. Onde vejo os passarinhos, andando bem como voando em bando ou
solitário, escuto seus cantos; vejo as borboletas circulando livremente pelo espaço e polinizando
aprendo mais sobre relação com aproximações e afastamentos necessários.
Com o contexto da pandemia as práticas de autocuidado foram intensificadas na nossa
rotina familiar. Praticando diariamente o Lian Gong em 18 Terapias que aprendi no curso ofertado
pelo Instituto de Saúde Coletiva na Universidade Federal da Bahia em novembro de dois mil e
dezenove com a Profa. Anamélia Lins.
Na pandemia encontrei uma firme determinação de compromisso diário, fazendo ao
acordar a autopercussão e parte posterior. Fazer esta prática em casa inspirou meu filho de
dois anos que me via fazer e passou a fazer junto. No mês de abril já estávamos eu, filho e
esposo nesta prática diária. Meu filho ao longo do dia já pedia para fazer e fazia novamente
alguns movimentos muito espontaneamente. Percebo que a realização desta prática nos deu mais
vitalidade, nos energizando notamos isso quando estávamos com muito sono e a disposição que
sentimos após a prática e ao longo do dia era vivo em nós.
5.2 Reflexões em percurso
Nessa autoescritura observo as tônicas da solidariedade, da violência, da sexualidade, do
sagrado, do propósito de vida das nuâncias e repetições que vão se configurando daquilo que me
coloca na escrita que surge com o ato de escrever. No espelho de nossas histórias podemos ver
as relações com os ciclos da vida, os temas que surgem e repetem ao longo da escrita. Algo que
nos espanta, que nos atravessa e que vem à tona do que o inconsciente consciente se revela para
nossa visada de nossas memórias. O que quer ser revelado e o que não é evidenciado?
Capítulo 5. Inverno
158
A compreensão de como a abordagem somático-performativa vai constituindo a autoes-
crita, com suas vivências acessamos as histórias que nossos corpos nos contam e em ressonâncias
reencontramos com estas em revelações que perfazem a escrita. Do que chega como revelação e
se faz escrita compreendida.
Esse exercício de autoescrita é muito significativo em seu acontecimento. Enquanto
escrevemos memórias vem à tona com detalhes pareciam guardados em algum baú que nem mais
se sabia da existência. Uma alternância entre Chronos e Kairós figurando o tempo da escrita, de
uma corrente de pensamento que querem se manter em fluxo cronológico e uma escrita outra
que escreve com o que atravessa os sentimentos.
Da infância a puberdade foi a escrita se deu em tempo de um prolongamento de vida que
voltamos com seus acessos. Navegar neste processo com o que surge em mim numa escrita, o que
difere ser uma escrita privada e pública? A partilha a um outro leitor foi lembrada e esquecida
como partilha, de um leitor de dentro e fora também ali presente. A recordação de tornar público
o que é caráter privado me faz refletir desta prática de transição da escrita de privada a pública.
O que nos cabe e me cabe nesta exposição?
Penso agora enquanto escrevo, do que cabe e o que me recorre é que cabe o que couber
de cada pessoa implicada e sobressaltada em suas experiências e aprendizagens singularizantes.
A caminhada nos agenciamentos individuais e coletivos – no que cada ser consegue acessar e
operacionalizar em coragem, confiança e intimidade no uso de suas capacidades – em um caminho
de expressão criativa dos desejos manifestos como ser num refinamento das aprendizagens de
uma jornada. Pensando com potência a nossa própria vida, cabe o incomodo e a inquietação de
ultrapassar determinados riscos e desafios da vida.
Há muitas histórias de vida que querem ser contadas, e do espaço-tempo de minha
organização trouxe algumas vivências e reflexões que se apresentam em suas possibilidades e
ficam na abertura de tantas outras histórias que seguimos vida.
159
6 Inconclusões
Chegamos aqui neste espaço que resolvemos chamá-lo de InConClusões. E conforme
fomos escrevendo chamamos de InconClusões este aberto que não se fecha em tempo, que se
manter aberto ao aprender, o que não considera final, se mantém na roda a espiralar novamente
com o caminhar, dos novos ciclos e sonhos que se renovam e abrem em passos que continuam a
sua jornada com as estações da vida.
Estas INconCLUSÕES também navegam presentes no caminho da tese, com as reflexões
do percurso. Com o seu trilhar nos apontaram miradas de um chamado as novas aventuras com
a ecologia de si. Entre elas o de aprofundar as conexões, algumas já estabelecidas na tese e
outras a serem realizadas continuidade de pesquisa, de adentrar mais nos elos da relações com os
diálogos entre e além das práticas entre si, com os caminhos, conceitos e vivências.
Essa escrita com suas contribuições com as medicinas integrativas, ecologias, cuidado e
autobiografia, na continuidade de continuar navegando com essas relações terapêuticas vislum-
bramos possibilidades em potencializar trabalhos futuros a chegada em margens de relação com
os símbolos, com a mitologia, com os arquétipos. Também um exercício de síntese integrando as
compreensões já trazidas com a saúde-doença-cuidado-cura.
Esse caminho de consciência se revela nas vivências em um caminhar de aprendizagem
perceptivo que gerou essa ecologia de si, com estas relações terapêutica de cuidado em fluxo
com o aprender a ser e viver em harmonia consigo, com outro e com o mundo-vida. Na ecologia
de si o aprender a ser e fazer de nossas moradas um lugar de afeto, cuidado, aprendizagem, uma
medicina, uma sagrada paisagem, poesia de viver.
Testemunhemos a vida com ares de admiração, que a dança do vento nos traga leveza para
os nossos movimentos. Encontremos a chama que ilumina, purifica, transmuta e energiza nossas
vidas. Cultivemos o solo que aterra nossas raízes, que a força da terra dê bases de sustentação da
vida. Aceitemos em quietude o desacelerar da vida fluir numa entrega ao renascimento. Gratidão
por aqui chegarmos neste nosso navegar.
160
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Apêndices
170
APÊNDICE A – Quadro de Formações
da Pesquisadora
CATEGORIA
Formação
Quando
fiz
Quanto
tempo
Em que consiste a
formação
Quais são os princípios?
Experiência aplicada
TÉCNICAS
Massagem
Ayurvédica
Abril a
novembro
de 2003
168h
Atuação profissional como
Técnica
de
Kussum Modak e
Abhyanga
Energia vital, circulação
sanguínea e respiração.
massoterapeuta em espaços
terapêuticos, spa e
atendimento domiciliar de
2003 a 2019.
Só por hoje, não me
Reiki Usui
28.02.2004 8h Reiki Usui
preocupo. Só por hoje, não
me irrito nem critico. Só
por hoje, agradeço as
minhas bençãos e sou Autoaplicação e aplicação
humilde. Só por hoje, em familiares.
Reiki Usui
Ryoho
Shiki 23.04.2004
8h
Reiki Usui
Ryoho
Shiki
ganho
a
honestamente.
vida
por
hoje, sou gentil e amável
com todos os seres vivos.
Capacitação em 16.08 à 48h Na aprendizagem Utilização de melhores Docente em cursos de
Gerenciamento de 22.09.2010
de um conjunto de práticas de gerenciamento graduação no componente
Projetos para o
práticas
de de projetos, flexíveis e de gerenciamento de
Terceiro Setor pelo
gerenciamento de escaláveis; gerenciamento projetos, no partilhar desta
PMI Bahia.
projetos proposto orientado a valor – metodologia.
pelo
Project benefícios entregues são a Docente no Curso de
Management
medida de progresso; Elaboração de Projetos para
Institute (PMI) visibilidade de resultados; a Arte Rede Solidária -
organizados em planejamento em ondas ARSOL
do
edital
dez áreas do sucessivas; pró-atividade, Fortalecendo a Rede Inter-
conhecimento.
entregas programadas em territorial ARSOL com o
iterações; ciclo de vida objetivo de apoiar projeto
adaptativos; proximidade que visem o apoio a Redes
de todo o time; remoção de Economia Solidária e de
de
impedimentos; Comércio Justo e Solidário.
verificação e validação
frequentes;
entregas
rápidas e incrementais.
Introdução
ao 27 a
Dragon Dreaming 29.06.14
No próprio curso fizemos o
ciclo DD com o projeto da
Um
sistema
celebração com o time dos
integrado
de Crescimento
pessoal, sonhos estava. Na aulas da
20h
projeto criativo e fortalecimento
de faculdade para os discentes;
colaborativo num comunidade e serviço à em oficinas, palestras e
caminho de colocar terra.
minicursos para os docentes,
o amor em ação.
e no curso de projetos que
dei para empreendimento
social.
Aprendizado de
Compostagem
Minhocultura
e 26.07.2014
8h
como criar a
composteira e do
processo
de
compostagem com
Princípios ecológicos de
sistema orgânicos de
produção da agricultura
familiar e da agroecologia.
Realização de compostagem
com minhoca em casa e na
horta do condomínio.
a minhoca.
Lançamento
07 a
16h Consiste em curso Visão de um futuro Palestrante com o temas
Transitions Towns 08.03.2015
introdutório na positivo; sensibilização, sociedades em transição em
em São Paulo
metodologia do um convite; inclusão, um evento e fiz parte da
movimento
todos são necessários; equipe de organização de
internacional
resiliência, construindo um evento com tema
cidades
em comunidades locais fortes; Sociedade em Transição,
transição
com a transição faz sentido – a Cultura de Paz e
práticas
de solução é do mesmo Sustentabilidade ambos em
transição
em tamanho do problema; a 2015.
resposta
aos transição de que
desafios
precisamos é tanto interna
econômicos,
quanto externa; um
sociais, climáticos, modelo viral, algo fácil de
em ações de replicar.
engajamento
comunitário.
Introdução
a
Sociocracia 3.0 em
São Paulo
8e
9.03.2016
É um método de
governança de
15h
organizações que
produz
maior
comprometimento,
criatividade,
liderança
distribuída,
harmonia profunda
Consentimento,
equivalência,
responsabilidade,
melhoramento continuo,
transparência, eficácia, e
empirismo.
Realização
conversa
de
roda
de
e aumento da
produtividade.
Hortas Urbanas
19.03.2016
8h
Aprendizagem
prática de como
fazer um horta
orgânica.
Princípios ecológicos de
sistema orgânicos de
produção da agricultura
familiar, da agroecologia
e da permacultura.
Na criação da horta vertical
em casa e na horta do
condomínio que moro
participando desde 2014 e
assumindo a coordenação
em 2019.
II curso de 26 à
70h É um curso de Crescimento
pessoal, A partir desta formação
Aprofundamento 29.05.2016
aprofundamento fortalecimento
de pude me apropriar mais na
em
Dragon
,
para aqueles que comunidade e serviço à prática da co-facilitação do
Dreaming
e 08 à
desejam ampliar terra.
X curso introdutório do
Captação
10.07.2016
seus
Dragon Dreaming na Bahia.
Empoderada de ; 28 à
conhecimentos e
Vivência com o Dragon
Recursos
31.07.2016
práticas
na
Dreaming na universidade
metodologia
com
o
Estágio
Dragon Dreaming.
Supervisionado realizado no
curso de administração, com
a Profª Drª Suzana Moura.
em ADMF66 Metodologias
Não Convencionais em
Gestão
Visão de um futuro
positivo; sensibilização,
Formação
treinadores
Transitions
no Chile
de
25 a
Towns 30.11.2016
48h
Formar
multiplicadores
movimento
cidades
transição,
fortalecendo
aprendizagem
deste caminho
mudança real.
do
de
em
a
de
um convite; inclusão,
todos são necessários;
resiliência, construindo
comunidades locais fortes;
a transição faz sentido – a
solução é do mesmo
tamanho do problema; a
transição de que
precisamos é tanto interna
quanto externa; um
Organização e co-facilitação
do treinamento oficial
cidades em transição em
salvador em 2019.
modelo viral, algo fácil de
replicar.
Um método de
dialogar e gerir
Na minha percepção de
conflitos com base
quando o conflito nasce em
Workshop DGCC –
Diálogo e Gestão de
Conflitos
27 à
29.04.2017
22h
na complexidade
do pensamento e a
simplicidade da
Inclusividade, incerteza
interdependência.
e
mim, no meu corpo,
emoções e se expande na
relação eu outro. Assim, na
ação no uso de
prática também nos meus
metologias
relacionamentos.
integrativas.
Nono grupo de 10.03 a 24h Atividade
Os três princípios ou leis Participei de alguns
Desenvolvimento 09.06.2017
extensionista com do amor da constelação encontros de constelação
Humano
abordagem na familiar
são
o como representante.
Intervenção
pertencimento,
a
Sistêmica
hierarquia ou ordem, e o
Contextual
equilíbrio entre o dar e o
(Constelação
receber.
Familiar segundo
Bert Hellinger)
Um curso que
ensina
como
identificar e mudar
Tetahealing – DNA 30.06, 01 e
Básico
02.07.2017
18h
crenças, emoções e
padrões
bloqueadores,
manifestando o que
quer para a vida.
Tetahealing – DNA 7 à
Avançado
9.07.2017
Aprofundamento
do curso básico,
18h
gerando
conexões
cura,
e
limpezas
de
memórias.
Só por hoje, não me
preocupo. Só por hoje, não
me irrito nem critico. Só
Usui Reiki Ryoho
21 e
22.07.2017
8h
Nível 2 (Okuden)
do
Sistema
tradicional Usui
por hoje, agradeço as
minhas bençãos e sou
humilde. Só por hoje,
ganho
a
vida
honestamente. Só por
hoje, sou gentil e amável
com todos os seres vivos.
Workshop
de
Danças Circulares 17 à
Sagradas com Petter 19.11.2017
15h
Vallance
Ministrei uma sessão de
duas horas com a PICS no
festival de de Práticas
Integrativas da UFBA dia 06
de junho de 2018. E na
feira .
Curso de Filosofia 18 à
20h
Comunicação Não-Verbal A maior aplicação foi a
da Comunicação
Não
Informática
Verbal,
e
25.11.2017
Educação
Comunicação Não-
violenta
com 09.01.2018 10h
Marcelo Pelizzoli
Desenvolver
competência
relacional e a
Comunicação Não-
violenta
com
Dominic Bater
18 à
19.05.2018
12h
resiliência
emocional
transformar
conflito
para
em
possibilidades de
comunicação
eficaz.
Reiki Xamânico 03.02.2019 8h Sistema deixado
Sistema de Cura
pelos
índios
AmaDeus (Nível 1 -
guaranis que por
Praticante).
anos utilizaram em
suas
curas,
conectando ao
Amor do Deus
Tupã e a Mãe
Terra, Cunhatã,
bem como ao
nosso
curador
interno.
mudança de usuário
proprietário para o uso de
software livre. Participei
também de atividade de
extensão com o tema
Dialogando com a transição
em comunidades de
software livre.
Vivenciei os vinte e um dias
de autoaplicação para depois
começar a atuar com o reiki.
Autoaplicação.
EVENTOS
Introdução
Agricultura
Sintrópica
à
10.02.2019
Festival Holístico
Internacional
Imbassai Bahia
24 a
29.11.2009
Brechó
Eco-
Solidário
e
Diálogos
em
Humanidade
2013 à
2017
9h
60h
200h
Maximizar a fotossíntese;
A formação teórica
e prática da ...
Sucessão natural e
estratificação; solo coberto
, plantando em alta
densidade; capina seletiva
e podas; concentrar
energia, gerar biomassa de
forma
eficiente;
Ecofisiologia das plantas e
função ecofisiologica das
plantas; Sincronizar os
plantios; o que cada ser
No próprio dia do curso e no
plantio da horta no
condomínio em que moro a
prática
destes
conhecimentos vivenciados
na organização do plantio
desde a preparação do solo,
organização das leiras, a
forma consorciada de
plantio.
está fazendo de bom.
Atividades de aulas
ao ar livre,
workshop
e
Fui para dar uma palestra de
vivências,
consumo consciente e sair
consultas,
A busca de uma unidade com
um
grande
palestras,
cósmica,
procurando aprendizado. Estava em
manifestações
transformar os fragmentos conjunto no mesmo
culturais e shows de uma visão separatista Whorkshop com Marsha
musicais voltados do mundo em uma visão Hanzi, onde ali tive o prazer
para
o holística do universo.
de conhecer a pessoa e o seu
desenvolvimento
trabalho no epicentro
da vida humana de
Marizá.
forma sustentável
no planeta.
No Brechó são consumo No ensino,
consciente dos alimentos,
da força vital e do tempo
de cada um/a; gestão
sustentável dos materiais
utilizados e dos resíduos
gerados, parceria, co-
criação e liderança
coletiva, autogestão, ética.
Dos diálogos autogestão,
abundância, diversidade e
a política da amizade.
IX
Colóquio
Internacional
Educação
de 17 à
e 19.09.2015
30h
Contemporaneidade
Fui convidada no evento a
coordenar a sessão de
comunicação oral Educação,
Sociedade e Práticas
Educativas e apresentei
nesta mesma sessão.
28.10 a
Um evento com a
02.11.2015
programação
Confestival Dragon
criada no evento Crescimento
pessoal,
Dreaming
Internacional em
48h
com a participação fortalecimento
de
de todos os comunidade e serviço à
Piracanga
presentes com o terra.
talento que queria
ofertar.
Encontro 26 à
16h Encontro nacional Visão de um futuro Palestra Dialogando com a
Brasileiro
do 28.02.2016
de pessoas que positivo; sensibilização, Transição em Comunidade
Transitions Towns
atuam em ações e um convite; inclusão, de Softwares Livres.
em São Paulo
rede de transição todos são necessários;
no compartilhar de resiliência, construindo
saberes
das comunidades locais fortes;
experiências,
a transição faz sentido – a
visibilidade das solução é do mesmo
ações
tamanho do problema; a
desenvolvidas e transição de que
proposta de ações precisamos é tanto interna
em conjunto.
quanto externa; um
modelo viral, algo fácil de
replicar.
Evento de turismo
V Encontro de
Turismo e Base 12 a
Comunitária
e 16.08.2016
Economia Solidária
90h
de
base
comunitária de um
projeto de extensão
universitária da
Universidade
Estadual da Bahia.
Participei na organização do
evento, em palestras e
publicação relatando a
experiência de construção
do próprio evento.
Visão de um futuro
positivo; sensibilização,
um convite; inclusão,
todos são necessários;
TN HUBLatino – 1º
Diálogos
do resiliência, construindo
Encuentro
cenário
latino comunidades locais fortes;
Latinoamericano
01 à
del Movimiento de 04.12.2016
20h
americano
construção
e a transição faz sentido – a
solução é do mesmo
las Ciudades en
conjunta de ações tamanho do problema; a
Transición
de transição.
transição de que
precisamos é tanto interna
quanto externa; um
modelo viral, algo fácil de
replicar.
Sessões
de
Palestra
criatividade
controle
fora
A
de
14.02.2017
2 horas e
meia
palestras no evento
Diálogos
Contemporâneos
promovida pelo
grupo GEINFO.
Contribuiu nos diálogos do
livro de Criatividade, no
capítulo que escrevi.
III Encontro Norte 16 a
22h Além
do O pertencimento, a ordem Esta não é uma formação
Nordeste
de 18.03.2017
inconsciente
e o equilíbrio são as três que habilita a atuar com a
Abordagens
individual e do leis básicas que atuam ao prática, ela traz o
Corporais
e
coletivo, fala da mesmo tempo.
entendimento e vivências da
Psicologia-
ENNACP
existência de um
“inconsciente
familiar”
práxis no nosso processo de
autoconhecimento e cura.
Seminário
de
Filosofia
da
Comunicação
Verbal:
Não-
sobre
05.09.2017
8h
suicídio
e
valorização da vida.
Comunicação Não-Verbal
Resultou na minha
participação com uma
escrita no I Concurso
Literário Vita Alere –
História de Sobreviventes
do Suicídio.
Evento
internacional de
Congreso Latino
troca
de
Americano
de
Investigación y
Educación Superior
27 a
30.09.2017
30h
experiencias de
pesquisas
Interdisciplinariedade
interdisciplinares
Interdisciplinaria
em apresentações
orais,
pôster,
conferencias.
Produção coletiva e
apresentação no evento com
o
tema
A
transdisciplinaridade da
epistemologia do educar na
vivencia do grupo de
pesquisa epistranscomplex.
Fortalecer as ações
e a inserção das
PICS no Sistema
Único de Saúde e
I
Congresso
na rede privada.
Nacional de PICS e
III
Encontro
Nordestino de PICS
12 a
14.10.2017
30h
Espaço de diálogos
das PICS na
pesquisa
e
em Natal
extensão,
na
articulação entre
pesquisadores
docentes
e
discentes.
No próprio evento realizei
um minicurso de ecologia
espiritual e apresentei um
pôster do resumo expandido
a ecologia de si. O evento
abriu
campo
para
reconhecimento do cenário e
da rede PICS e s posteriori o
resumo gerou a publicação
do artigo em um períodico.
Congresso
da 16 à
30h
A vivência no congresso das
UFBA
18.10.2017
II
Seminário
Internacional de 23 e
análise cognitiva - 24.11.2017
28h
SIANCO
Compartilhar e
integrar
Congresso
Internacional de
Práticas Integrativas
e Complementares
em Saúde e do 3º 12 à
Congresso
15.03.2018
Internacional de
Ayurveda no Rio de
Janeiro
(Intercongrepics)
36h
experiências,
aprofundar
os
conhecimentos
entre
os
profissionais; e
discutir os avanços
das incorporações
das PICS nos
cenários
internacional e
nacional,
na
constituição de
fóruns de discussão
Escola Doutoral – 27 a
Politicas Públicas e 31.08.2018
Trabalho Docente:
conjuntura,
processos
e
resistências
pics junto a outras
experiências conduziram a
escrita
do
resumo
apresentado
no
Intercongrepics.
Relatora na mesa Análise
Cognitiva: Transduções e
trajetórias
Apresentação oral no evento
do trabalho “A espera do
atendimento: experiências
nas relações de cuidado no
atendimento das PICS.
Resultou numa parceria com
a profª Anamelia, passei a
participar como ouvinte do
componente HACA50 da
UFBA e escrita conjunta de
um capítulo de livro das
aprendizagens de como se
dá a difusão deste
conhecimento.
Apresentação oral no evento
com
o
tema
(Auto)biografias de doença-
cuidado-saúde: narrativas e
escrita de si das histórias de
vida de terapeutas de
práticas integrativas e
complementares em saúde.
Encontro
de
interessados na
Educação Waldorf – 12 e
EIW VIII 2 – O 13.01.2019
14h
currículo waldorf na
educação infantil
Ação Artística:
IMERSÃO 22
Performance do
Coletivo A-FETO
4h no elevador lacerda
no
evento
URBARTE
VIVÊNCIAS Workshop
Acroyoga
de 04.06.2017 4h
Oficina de criação
cênica entre
performatividade
a
e
12.12.2017
o espaço biográfico
4h
Atividade
formativa ofertada
no FESTAC
Quadro: Percurso formativo da pesquisadora